A nossa viagem pela Alemanha está quase no fim. Do país, ficaram várias impressões: o contraste entre as “duas Alemanhas” é ainda muito evidente; as pessoas – e aqui não falamos especificamente de Berlim – são demasiado sérias; os alemães são demasiado individualistas; o stress que nos causou este país foi imenso, na medida da imensa rigidez no cumprimento de horários; é um país muito verde e com paisagens lindíssimas; é extremamente acessível ao nível dos preços; e, falando especificamente do uso da bicicleta, começa a estar agora preparado para a sua utilização, fora das grandes cidades.
Depois de termos saído de Quedlinburg, a ideia foi ir até Dessau. A nossa vontade de visitar a cidade prendia-se com o facto da 2ª fase da escola da Bauhaus, estar aqui situada. Não querendo falar muito de história, a Bauhaus – que havíamos estudado vagamente anos antes – era para nós um ponto de passagem obrigatório. Lançamos também a possibilidade de visitar a Bauhaus – a original – em Weimar, mas a viagem de pelo menos 2 dias para sul e depois 2 dias para norte, fez com que depressa desistíssemos da ideia. Na cidade, fomos recebidos por uma médica húngara, que estava acompanhada por um colega seu, também ele médico – do Kosovo. Tinham vindo para a Alemanha, não porque gostassem particularmente do país, mas porque os salários e a possibilidade de ir mais longe na carreira, eram maiores. Na introdução que nos fizeram ao tema “viver na Alemanha – passo 1”, todos os nossos pensamentos foram confirmados. No país há pouco mais de 3 meses, havia já coisas que para eles eram completamente impensáveis naquilo que idealizavam como a relação entre as pessoas. Tudo era demasiado profissional, no sentido em que mesmo para comunicarem entre as diversas pessoas dentro do hospital, tudo teria de ser escrito. As mensagens eram deixadas em toda a parte, os relatórios eram raramente discutidos, as chamadas de atenção escritas eram constantes. Falaram também duma coisa que já havíamos sentido em algumas partes de Espanha, embora com menos radicalismo e rigidez – que se prende com o facto de serem extremamente inflexíveis com aqueles que não falam a sua língua. Encontra-se raramente, tenha mais ou menos idade, uma pessoa que fale inglês – num país tão desenvolvido, é uma coisa que nos choca – e desenrascar o alemão é sempre obrigatório, mesmo para nós que não o sabemos falar. No entanto, quando ensaiamos qualquer palavra, somos imediatamente corrigidos, não havendo lugar para erros. Podíamos ver isso como uma ajuda das pessoas a aprendermos mais rapidamente a língua mas, o que se observa, é que nos corrigem de uma forma pejorativa. Outros assuntos foram discutidos e no momento em que escutávamos todas aqueles “desabafos”, só nos lembrávamos o quão “humano” ainda é Portugal.
À parte disso, o caminho em direcção à Bauhaus foi feito com ansiedade! Poder estar dentro da escola, passar pelos mesmos corredores, tocar em alguns objectos, ver os gabinetes, as salas de aula, ler a história, era uma coisa pela qual esperávamos há muito tempo. Depois de alguns enganos e uns quilómetros a mais, finalmente aquele edifício cheio de pequenos vidros e metal, com umas letras arredondadas em tons de cinzento, apareceu no horizonte. O sorriso apareceu na nossa cara sem que pensássemos demasiado nisso! Depois de estacionadas as bicicletas, entramos naquela que é uma das escolas até hoje que, tendo funcionado só 14 anos (entre Weimar e Dessau) foi das primeiras a nível do ensino do design no mundo inteiro – foi criada em 1919 – e contribuiu de forma mais significativa para aquilo a que chamamos o modernismo na arquitectura e no design. Devido ao seu demasiado interesse histórico, a UNESCO incluiu-a na lista de sítios Património Mundial da Humanidade. A escola criada por Walter Gropius após o final da 1ª guerra mundial, surgia como uma resposta à época e como ideia primeira, tinha a criação de bens de consumo que primavam pela funcionalidade, custo reduzido e orientação para a produção em massa. Hoje em dia, ainda em funcionamento, tanto numa como noutra cidade, foi criada também uma fundação que visa divulgar a história da Bauhaus, assim como desenvolver o estudo nas áreas da arquitectura e design, tanto a estudantes, como a arquitectos, designers, sociólogos, professores e outros interessados. As fotografias tiradas nos vários espaços foram muitas, tentando apanhar sempre mais uma perspectiva, mais um ângulo, mais um bocado de parede, mais uma letra! Dessau tem ainda outro sítio – o Garden Kingdom – um jardim criado no século XVIII, que faz parte da lista da UNESCO, mas que não visitámos, infelizmente. A visita continuou pela cidade que se mostra velha, pobre e com edifícios abandonados “a cada esquina”. As cores das casas do antigo regime comunista ainda está presente em muitas delas, assim como a mistura bem visível na imagem das próprias pessoas que, se não soubéssemos que estávamos na Alemanha, com certeza arriscaríamos dizer que era na Rússia que nos encontrávamos.
Passar da antiga RFA – República Federal da Alemanha, de teor capitalista, para a antiga RDA – República Democrática Alemã – de teor comunista é, ainda hoje, um grande choque. Se os preços praticados nas lojas, no arrendamento de casas, nos cafés e, pasme-se, nos salários, ainda são diferentes, a imagem que temos da paisagem urbana e rural é brutal. Parece-nos existir uma linha imaginária que divide ainda este país e que cria um fosso gigante entre as pessoas e as cidades. Os campos de cultivo – a maioria deles de trigo e girassóis – sucedem-se por quilómetros e quilómetros de estrada, deixando as poucas cidades e vilas que vamos encontrando, aparecerem esporadicamente, muito apagadas, muito escuras, ainda em tons de cinzento, verde-escuro e castanho, sujas, com as ruas mal cuidadas, os poucos jardins um pouco decadentes, as pessoas muito sérias, antipáticas e frias. Quando conversamos com quem nos vai recebendo e que viveram um pouco do que foi esta divisão entre o capitalismo dos Estados Unidos da América, da França e da Grã-Bretanha e o comunismo da União Soviética, fazem-nos saber coisas que outrora já tínhamos lido, mas ouvi-las de pessoas que lá estiveram, é completamente diferente. Apesar da pouca idade que tinha, o Ernest – o rapaz que nos recebeu em Quedlinburg, contou-nos que quando visitavam a família que tinha ficado na parte leste, já que da parte leste para a oeste, raramente alguém podia sair, tinham que pedir autorização quase com 1 ano de antecedência. Disse-nos ainda que na altura perguntava aos pais porque é que havia dias em que pessoas formavam filas enormes junto a uma ou outra loja, ao que lhe respondiam que era o dia em que havia meias para comprar! As casas tinham quase todas a mesma cor, os carros eram os velhos Trabant, produzidos pela fábrica Sachsenring, entre 1957 e 1991 e que, curiosamente, passaram hoje a ser carros de colecção!
(Continua na próxima crónica)