Acordei cedo e tomei um pequeno almoço refrescante bem em frente à imponente Catedral de Sevilha, com o desfilar de turistas, de máquinas em punho e olhos no ar, olhavam, maravilhados, a grandeza daquele monumento histórico que concentrava todas as atenções.
Antes de sair de Sevilha tinha de procurar a oficina do Mateo, que ficava algures na Carretera de Carmona. Para além das mudanças estarem a saltar de vez em quando, também o eixo da roda traseira dava sinais de partir a todo o instante e depois de procurar uma boa meia hora, sob um sol escaldante, lá dei com a loja de bicicletas, onde se encontravam pessoas com o mesmo gosto pelo ciclismo, para simplesmente conversarem. Mudaram-me o eixo da roda, reviram-me as mudanças e segui caminho por uma das inúmeras ciclovias, em direcção à saída da cidade, não sem antes me ter abastecido de provisões num hipermercado local. Fruta, água e sumos faziam parte da minha lista de compras, mas depois de carregar tudo e de ter feito um par de quilómetros, resolvi-me a tomar medidas drásticas para resolver aquele irritante barulho que vinha da roda traseira. Sabia que os travões de disco não eram uma boa ideia para este tipo de viagens longas e a prova aí estava, Com a praça de touros de Sevilha por cenário de fundo, retirei toda a bagagem, virei a bicicleta de rodas para o ar e simplesmente removi o disco de travagem da roda traseira.
Quarenta minutos depois e já com o relógio a apontar para as três da tarde, tomei a direcção de Dos Hermanas mas rapidamente percebi que algo de errado se passava pois estava a afastar-me da minha rota em direcção à Nacional IV. Valeu-me a ajuda de um outro Juan, que ao volante da sua velha furgão, fez questão me tirar daquele labirinto de ruas. Seguiu-o com um pedalada forte e depois de uns cinco minutos a tomar a direcção Cadiz, finalmente estava em condições de tomar a direcção certa.
Juan saiu da sua carrinha e de mapa em punho foi-me mostrando por onde deveria ir mas já não tinha nada que enganar.
– Me gusta de Portugal – disse por fim, inesperadamente, apontando para a t-shirt de um azul escuro que trazia vestida, onde estava inscrito, num tamanho pequeno, “Fogos Florestais de Viseu 2003”. Juan explicou-me então que tinha sido piloto de aviões de combate aos incêndios e lembrava o Verão de 2003 como tendo sido um ano de muito trabalho em Portugal.
Despedi-me com um sorriso e da parte de Juan ainda ouvi ao longe o grito de “Suerte hombre” e mantive-me alinhado por aquela estrada que começou, pelos primeiros 30 quilometros, por passar por extensas culturas de planícies imensas, a perder de vista, cuidadosamente cuidadas, onde predominavam os girassóis e uma planta que tive dificuldades em entender o que seria, apesar de ter perguntado ao longe, a um agricultor, que me respondeu algo imperceptível. Existia um sistema de rega que se alimentava dos transvases do rio Guadalquivir, com canais de irrigação e aquedutos dos tempos modernos, com quilómetros de extensão.
Pedalar numa nacional com forte calor e trânsito constante pode ser muito cansativo e como já havia saído tarde de Sevilha, assim que se fez sete da tarde (hora portuguesa), parei em El Cuervo, onde aluguei um quarto mesmo ao lado da Nacional IV.
Pelo caminho atingi a barreira dos 500 quilómetros, metade desta viagem e comemorei, sozinho, numa estação de serviço, devorando duas latas de Aquarius num ápice e meia garrafa de água bem fresca que me soube como uma benção divina.
Pela primeira vez nesta viagem consegui jantar com uma clarividência que não tinha tido nos outros dias, pois com cerca de 75 quilómetros percorridos, não se pode dizer que tivesse sido uma etapa dura, comparado com o que já tinha passado. Uma febra grelhada com um punhado de batatas fritas fizeram parte do meu menu simples.
Deitei-me cedo, bem disposto, sem as nauseias e as tonturas dos dias anteriores. Amanhã sairia bem cedo e pus o relógio a despertar para as 6 da manhã.