A transição para a mobilidade elétrica está a acelerar de forma cada vez mais rápida. Segundo um estudo da Agência Internacional de Energia, divulgado recentemente, as vendas de veículos elétricos irão subir 35% em 2023. No total, entrarão nas estradas do planeta mais 14 milhões de carros elétricos, ou seja, o equivalente a 18% das vendas globais de veículos de passageiros. Isto significa que, ao longo deste ano, em cada cinco carros vendidos, um será elétrico. Uma evolução exponencial em apenas quatro anos. Em 2020, apenas 4% das vendas de veículos novos eram elétricos, ou seja, menos de um em cada 20.
Uma percentagem que poderia ser ainda maior não fosse o elevado custo dos carros movidos a eletricidade, quando comparados com modelos similares a combustão. O diferencial é ainda grande e é muitas vezes apontado como a grande barreira ao crescimento do mercado dos elétricos. “Democratizar” este tipo de veículos, ou seja, torná-los mais acessíveis a uma grande maioria da população, tem sido um dos temas mais debatidos pela indústria.
Em Portugal, já temos alguns veículos elétricos com preços mais “em conta”, como o Dacia Spring, por pouco mais de 20 mil euros, o Renault Twingo ZE ou o Fiat 500e. Mesmo assim, estes valores ficam acima dos que são praticados com os modelos correspondentes com motor a combustão. Além disso, são veículos citadinos com uma autonomia real a rondar os 200 km. Para conseguirmos mais 100 km de autonomia já temos de ultrapassar a barreira dos 35 mil euros, com modelos como o Opel Corsa, o Peugeot e-208 ou o Nissan Leaf. E, se quisermos comprar um SUV, o formato da moda, temos de desembolsar quase mais 10 mil euros, em veículos como o Kia Niro EV, que custa 44 mil euros, o Nissan Ariya ou o Skoda Enyaq, ambos a rondar os 48 mil euros.
No início deste ano assistimos a uma das primeiras batalhas de preços dentro desta indústria, quando a Tesla anunciou, por duas vezes, uma redução dos preços do Model 3, colocando o custo final abaixo da barreira psicológica dos 40 mil euros. O Model 3 de tração traseira custa agora 39 990 euros, o Long Range fica nos 48 990 e o Performance nos 53 990. Já a versão base do Model Y baixou para 44 990, menos cinco mil euros do que o preço de lançamento no ano passado e o topo de gama Model S teve uma redução de aproximadamente 10 mil euros.
Um movimento que acabou por ser acompanhado pela Ford que baixou o preço do Mustang Mach-E em 4 500 euros. A primeira reação dos construtores europeus foi a de que não iriam mexer nos valores dos carros. Oliver Blume, responsável máximo do Grupo Volkswagen, disse claramente que a VW não iria entrar numa guerra de preços. No entanto, o renovado ID.3, cujas encomendas começaram a ser recebidas em março, vem com um custo 4 mil euros abaixo em relação ao seu antecessor, uma medida que parece contrariar as palavras do CEO da VW. Luca de Meo, CEO do Grupo Renault, reagiu da mesma forma quando em fevereiro declarou que não iria alterar a política de preços. Mais recentemente, Fabrice Cambolive, responsável pela marca Renault dentro do grupo, veio reconhecer que a estratégia da Tesla era “claramente um desafio” e que “iria analisar os casos país a país, mercado a mercado”.
Elon Musk, dono da
Tesla, iniciou uma
guerra comercial nos
veículos elétricos
ao baixar os preços
dos seus principais
modelos em quase
cinco mil euros
A decisão da Tesla começa agora a ter impacto na Europa e pode trazer uma nova vaga de descida de preços, tal como aconteceu na China há uns meses. Assim que a marca de Elon Musk anunciou as novas tabelas de venda ao público, a grande maioria dos construtores começou a vender carros com desconto. Segundo o jornal Chengdu Business Daily, foram cerca de 30 os construtores que baixaram os preços dos seus veículos elétricos, entre os quais algumas marcas de luxo, como a Mercedes e a BMW.
Mas, mesmo com as batalhas que estamos agora a começar a assistir, os preços dos carros elétricos alguma vez ficarão ao mesmo nível dos dos veículos tradicionais? Segundo Timar Guel, diretor de tecnologia energética da Agência Internacional de Energia (AIE), as “expectativas apontam para que exista uma paridade de preços, em meados desta década, nos mercados europeu e norte-americano”.
Uma convicção que é partilhada pelo CEO da Volvo, Jim Rowan, que em entrevista à Automotive News Europe admitiu que a paridade vai ser conseguida em 2025, altura em que se prevê uma redução do preço das baterias. Segundo o gestor, “a tecnologia que está a ser desenvolvida permitirá aumentar a autonomia dos carros com um menor custo”.
A queda do lítio
Além da tecnologia, as matérias-primas necessárias para fabricar as baterias também tem vindo a descer. Por exemplo, o preço do lítio caiu cerca de 20% no primeiro trimestre deste ano, atingindo o valor mais reduzido dos últimos 15 meses, enquanto o cobalto baixou para quase metade, em relação a dezembro do ano passado.
Alguns especialistas admitem que esta descida pode ter sido esporádica e que a tendência é que o preço volte a subir, utilizando como argumento o facto de que a produção de lítio prevista para 2023 ficará abaixo da procura. O departamento de Indústria, Ciência e Minérios da Austrália, o maior produtor de lítio do mundo, publicou um relatório no qual é referido que a extração de lítio em todo o planeta ficará 3% aquém das necessidades da indústria. Segundo esta agência governamental, a procura será de 989 mil toneladas e a produção atingirá as 964 mil toneladas em 2023.
Por outro lado, a extração e produção de lítio tem sido um dos negócios mais rentáveis dos últimos anos. Segundo o Mobility Impact Partners, um fundo de investimento de Nova Iorque especializado na mobilidade elétrica, uma tonelada deste metal custa entre 5 mil a 8 mil euros, mas é vendido por um valor dez vezes mais elevado. À medida que a produção vai aumentando, a tendência é para que haja uma descida dos preços. “É quase impossível manter um negócio com uma margem de lucro de dez vezes o custa a produzir. Iremos assistir a uma descida dos preços”, garante Shweta Natarajan, partner deste fundo, em declarações ao The New York Times.
Segundo Luca de Meo, CEO da Renault e atual presidente da ACEA, a associação que agrega os fabricantes europeus de automóveis, as matérias-primas, como o lítio e o cobalto, representam cerca de 80% do preço final das baterias. Isto demonstra que uma redução de 20% no preço destes metais pode significar uma descida de 16% no preço final da bateria, que, por sua vez, corresponde a cerca de um terço do preço de um carro elétrico.
A ofensiva chinesa
Outro dos fatores que irá obrigar os construtores europeus a “mexer” nos preços finais dos veículos prende-se com a grande aposta que os chineses estão a fazer em todo o mundo, nomeadamente no mercado europeu, o segundo em termos de dimensão e de crescimento de vendas de elétricos, só ficando atrás da China. Segundo a KPMG, os fabricantes chineses, como a BYD ‒ que entrou este ano em Portugal com três modelos e prepara já o lançamento do quarto ‒, Nio e Li Auto, estão apostados em conseguir, pelo menos, 15% do mercado de veículos elétricos da Europa, até 2025.
No primeiro trimestre deste ano, a China tornou-se o maior exportador de automóveis do mundo, ultrapassando o Japão, depois de ter já alcançado a Alemanha no ano passado. Atualmente, metade das exportações de carros elétricos daquele país vêm para a Europa. “Os construtores chineses têm como vantagens os preços competitivos e um grande leque de oferta para os vários segmentos do mercado”, refere a consultora, dando como exemplo que o preço médio de um carro chinês na Europa ronda os 30 mil euros, enquanto o modelo mais acessível da Tesla, o Model 3, custa, em média, 45 mil euros ‒ considerando as três versões, cujo preço varia entre os €40 mil e os 59 mil euros. Nos três primeiros meses do ano, saíram da China cerca de 1,07 milhões de veículos, uma subida de 58% face a igual período do ano passado. Já o Japão vendeu “apenas” 954 mil veículos no trimestre. Mas este sucesso de exportações não é apenas conseguido pelas marcas daquele país. A megafábrica que a Tesla instalou em Xangai, com uma capacidade de produção de 1,25 milhões de carros por ano, também ajudou a aumentar as exportações chinesas. A China tem também aumentado as vendas para a Rússia, beneficiando do facto de as duas maiores marcas de automóveis do mundo, a Toyota e a Volkswagen, terem parado as operações naquele país, após a invasão da Ucrânia.
O preço dos carros elétricos deverá ficar em
paridade com o dos automóveis com motor de
combustão, já a partir
de 2025, segundo uma estimativa da Agência Internacional de Energia
A estratégia das marcas chinesas passa agora pela construção de megafábricas fora da China, o que lhes permitirá, por um lado, ultrapassar algumas barreiras alfandegárias e, por outro, baixar os custos de transporte dos veículos. A BYD, por exemplo, o maior fabricante chinês de automóveis, está a construir uma fábrica na Tailândia para abastecer toda a região do Sul da Ásia e vai também apostar no Brasil, de onde sairão veículos para o continente americano. A ideia é construir três unidades no estado da Baía, onde existia uma antiga fábrica da Ford, para o fabrico de carros ligeiros, camiões e autocarros, todos eles eletrificados. A produção deverá começar no segundo semestre de 2024.
Portugal também irá beneficiar desta expansão das fábricas chinesas, com a instalação de uma unidade de produção de baterias em Sines. Esta será a primeira fábrica da CALB na Europa e irá fornecer várias fabricantes de veículos elétricos neste continente. A produção deverá ser iniciada no final de 2025.
Quer seja por guerra de preços, ofensivas chinesas, tecnologia mais barata ou descida do custo das matérias-primas, os preços dos carros elétricos estão a baixar e a tornarem-se mais acessíveis ao comum dos mortais. Segundo as previsões da AIE, a partir de 2025, estarão em paridade com os dos veículos a combustão. E este será o fator que irá verdadeiramente acelerar a transição para a mobilidade elétrica.
Em plena transição
Eis os principais fatores que estão a provocar a queda do preço dos elétricos
Novas tecnologias
A indústria está a criar soluções inovadoras que permitem que as baterias dos carros elétricos tenham uma melhor eficiência energética, com maior autonomia e custos mais reduzidos
Lítio mais barato
A cotação do lítio caiu cerca de 20% no último trimestre, atingindo o valor mais baixo dos últimos 15 meses. As matérias-primas têm um impacto de 80% no custo final das baterias
Guerra de preços
A descida dos preços por parte da Tesla gerou uma guerra comercial. A grande maioria das marcas seguiu a mesma estratégia, baixando o valor de venda dos carros elétricos
Maior oferta
A entrada de novos construtores no mercado, nomeadamente os chineses, irá provocar uma maior concorrência, o que levará a uma descida do preço final dos veículos
Mais compactos
Cada vez mais, os construtores começam a oferecer veículos elétricos mais pequenos e mais baratos que permitem ser adquiridos por um maior número de pessoas
Mercado global
A instalação de unidades fabris de automóveis e baterias um pouco por todo o mundo irá permitir a redução dos custos de transporte, tornando os elétricos mais acessíveis