Apanhando os portugueses de pezinhos na areia, sem acesso às bibliotecas e arquivos municipais onde passam a vida, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação deu luz verde à nova disciplina obrigatória no Secundário: Literacias. Para já, entra em vigor apenas nas escolas com os “projetos-piloto de inovação pedagógica”. Se conhece jovens nos agrupamentos de escolas de Alcanena, Caneças, Cristelo, Elvas, Marinha Grande Poente, no Colégio Pedro Arrupe ou na Escola Profissional de Jobra, prepare-se para os fervorosos debates no jantar de natal. Vá estudando o Código Civil!

Numa nota mais séria, antes de regressar ao espírito da época, há de facto um desconhecimento geral na população portuguesa sobre dimensões fundamentais na vida coletiva, como a Política, a Economia ou a Fiscalidade. No sistema de ensino atual, é possível rematar um mestrado com brilharete e não dominar o básico da vida em sociedade. Sem compreender o Direito, a Lei, a Democracia ou o sistema de impostos. Que falta a dita literacia, não há dúvida.

Irrealista é acreditar que uma disciplina vai resolver isso. Não era, aliás, esse o objetivo da Educação para a Cidadania? Depositar a formação cidadã numa cadeira de secundário é como esperar que um adulto saiba ordenar os elementos na tabela periódica porque passou a Físico-Químicas no oitavo ano. Os miúdos (as pessoas) levam da escola aquilo de que gostam e aquilo que acreditam ser útil.

A literacia, na aceção que respalda a disciplina, entrou para o debate político há pouco. Começámos subitamente a ouvir falar dela. Geralmente, quando uma pessoa de esquerda e uma de direita falam em “literacia financeira”, a de esquerda refere-se à compreensão do sistema das offshores e da fuga de capitais, a de direita está a pensar em investimentos e ações. Ambas complementares, com algo em comum: quer num caso, quer no outro, não há interesse verdadeiro em que se saiba. Quer quem esconde dinheiro, quer quem lucra a sério na bolsa, não tem interesse em que o mexilhão domine o tema. Ora, como será na política?

O chamado cidadão comum é letrado em muita coisa. Os portugueses têm uma literacia absolutamente incrível em futebol, peixe grelhado ou colchões de espuma. Porquê? Porque há interesse, até comercial e industrial, em que os consumidores dominem os temas para ali empenharem as poupanças. A indústria dos colchões faz um esforço para que toda a gente conheça os benefícios do colchão de espuma, que apesar de tudo é mais quente do que as molas ensacadas. E o Ministério das Finanças? Faz esse esforço? Faça o seguinte exercício: entre num site de uma marca de colchões. Entretenha-se por lá dois minutos a navegar. Surgiu-lhe alguma dúvida? Pois agora entre no site das Finanças. Telefone para as Finanças. Verá como a fabulosa literacia falta até a quem lá trabalha.

Estou a brincar. Não telefone. Não transforme o seu agosto em desgosto. Boas férias.

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Passas do Allgarve

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O Supremo Tribunal de Justiça do Brasil já estava a investigar a rede social de Elon Musk por alegada obstrução à justiça. A ‘batalha’ judicial continua, desta vez, com a X a anunciar o encerramento das suas operações no país, alegando que o juiz Alexandre de Moraes ameaçou o seu representante legal com uma pena de prisão caso não cumprisse o que descreve como “ordens de censura”. 

Numa publicação, a rede social alega que Alexandre de Morais ameaçou o seu representante legal numa “ordem secreta”. A X defende que os seus recursos ao Supremo Tribunal Federal não foram ouvidos, que o público não foi informado sobre as ordens e que a sua equipa no Brasil não tem responsabilidade ou controlo sobre o bloqueio de conteúdo na plataforma. 

A plataforma acusa Alexandre de Moraes de ameaçar a sua equipa “em vez de respeitar a lei ou o devido processo legal”. É por esse motivo, e para proteger a segurança da sua equipa, que a rede social optou por encerrar as suas operações no Brasil. “O serviço X continua disponível para a população do Brasil”, afirma. 

A publicação é acompanhada por um conjunto de imagens de um documento, alegadamente assinado pelo juiz brasileiro, que indica que seria aplicada uma multa diária de 20.000 reais (cerca de 3314 euros) a Rachel Nova Conceição, representante da X no Brasil, assim como um mandato de prisão, caso as ordens não fossem cumpridas. Uma publicação anterior dá conta de outro documento que mostra algumas das contas visadas pelas ordens. 

Elon Musk afirma que a decisão de encerrar as operações no Brasil foi “difícil”. “Mas se tivéssemos concordado com a censura secreta (ilegal) e com os pedidos de divulgação de informação privada de Alexandre [de Moraes] não haveria forma de explicarmos as nossas ações sem sentirmos vergonha”, afirma o empresário numa publicação na X. 

Recorde-se que, ainda no início do ano, o juiz brasileiro ordenou o bloqueio de um conjunto de contas na X à medida que estavam a ser investigadas “milícias digitais” acusadas de disseminarem notícias falsas e discurso de ódio durante a presidência de Jair Bolsonaro, avança a Reuters

Já em abril, Alexandre de Moraes determinou que Elon Musk também seria alvo desta investigação após o empresário ter dito que reativaria as contas visadas. Mais tarde, e mesmo depois de Elon Musk contestar as decisões, os representantes da X no Brasil afirmaram ao Supremo Tribunal que a rede social cumpriria as ordens.

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Enquanto as bombas continuam a chover em Gaza, Antony Blinken calcorreia a zona mais “quente” do planeta – apesar das temperaturas acima dos 30 graus em Portugal –, naquela que está a ser vista como uma derradeira tentativa para que se alcance um cessar-fogo no conflito que assola o Médio Oriente (e ameaça o mundo inteiro). A tarefa não se prevê fácil.

O secretário de Estado norte-americano reúne-se, esta segunda-feira, com responsáveis de Israel. No encontro, deve marcar presença o impopular primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. Suportado por um governo em que não faltam radicais políticos e religiosos, Netanyahu lidera cegamente um conflito que serve os seus próprios interesses. A guerra permitiu-lhe “congelar” os processos de corrupção que enfrentava no país, e continua a garantir-lhe a sobrevivência à frente do governo de Telavive, mesmo quando, segundo todas as sondagens divulgadas (pela comunicação social israelita), são muito poucos os cidadãos daquele país que desejam vê-lo a prosseguir uma carreira na política depois de terminar o conflito.

Ao mesmo tempo que decorriam os Jogos Olímpicos de Paris, Netanyahu foi destruindo as “pontes” que restavam, com bombardeamentos que seriam atribuídos a Israel em países como Palestina, Irão, Líbano, Síria e Iémen (todos em ação na prova que decorreu na capital francesa). De acordo com a Al Jazeera, o primeiro-ministro israelita protagonizou recentemente outro episódio sintomático, quando, na passada sexta-feira, se recusou a reunir com David Lammy, ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo do Reino Unido. 

Quando a barreira dos 40 mil mortos em Gaza já terá sido ultrapassada, Netanyahu não parece com pressa para terminar com uma novela com cada vez mais personagens, como o Hezbollah ou o Irão. Afinal, faltam apenas menos de dois meses para as eleições dos Estados Unidos da América – agendadas para 5 de novembro – e, quem sabe?, não dará “mais jeito” aos seus intentos esperar por um eventual regresso do “aliado” Donald Trump à Casa Branca, certamente, disposto a passar-lhe uma “carta branca” com consequências irreversíveis e… imprevisíveis.

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Kamala Harris será impulsionada ainda mais pela Convenção Democrata em Chicago, que tradicionalmente faz subir as sondagens nacionais e estaduais. Ao olharmos para o mapa eleitoral americano, a maioria dos estados está a vermelho (republicano), enquanto o azul democrata aparece mais disperso. São, no entanto, os estados que mais contam para o Colégio Eleitoral. Atualmente, Kamala tem 225 grandes eleitores consolidados, enquanto Trump possui 219.

Isso significa que o caminho para a Casa Branca estará mais facilitado para Kamala se ela conquistar mais quatro estados indecisos: a Pensilvânia (19), o Michigan (15), Wisconsin (10) e Nevada (6). Na verdade, ela só precisa de mais 45 grandes eleitores para ultrapassar a marca mágica de 270!

Enquanto Kamala entra na sua melhor semana eleitoral, Trump enfrenta a pressão interna do seu partido – tal como os democratas fizeram com Biden – exigindo que ele não se desconcentre da mensagem política e eleitoral para os próximos quatro anos, e que pare de insultar a adversária. Há agitação no «Grand Old Party» (GOP), especialmente porque Trump enfrentará o veredicto do seu julgamento em Nova Iorque em 18 de Setembro. São 34 crimes, todos confirmados pelos jurados, e com juiz democrata que se prepara para aplicar uma sentença memorável.

Esse cenário é o sonho de Kamala e reflete sua mensagem eleitoral primária: os EUA não podem ter um presidente condenado criminalmente por um tribunal, mesmo que ainda em primeira instância. “Eu sou a procuradora, ele é o criminoso!” Vale a pena, apesar de tudo, não perder de vista a dupla democrata: uma socialista alinhada à esquerda e um companheiro bloquista no estilo de Bernie Sanders. Noutros Estados Unidos, sem Trump, qualquer candidato republicano mais sensato daria dez a zero à dupla Kamala-Walz.

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Aos 29 anos, Zaynab Abdi já passou por uma guerra civil, duas revoluções políticas e um Presidente muito pouco amigo dos imigrantes (Trump). De origem somali e iemenita, vive nos Estados Unidos da América, onde se tornou Embaixadora de Jovens Imigrantes e Refugiados no Green Card Voices.

Tem trabalhado com Malala Yousafzai (Prémio Nobel da Paz 2017) e dado palestras sobre a construção da paz, os conflitos e o que eles habitualmente trazem consigo, como dificuldade na educação das raparigas e insegurança alimentar.

“A voz de quem usa o microfone é importante” para criar empatia com os ouvintes e, assim, quebrar ideias preconcebidas, defende a refugiada e ativista nesta conversa realizada por Zoom – um aperitivo para aquilo que vai dizer ao vivo nas Conferências do Estoril, em outubro, integrada no painel sobre a Paz.

A Zaynab já teve de viver em vários países. Como começou a sua vida de refugiada?
Sou originária do Iémen e da Somália. A minha mãe deixou a Somália por causa da guerra civil e eu andei com ela entre os dois países. No início de 2011, deu-se a Primavera Árabe no Iémen, e viver essa mudança em jovem foi interessante, mas começou aí uma fuga constante, em busca de segurança. Eu, a minha irmã (mais nova dois anos) e alguns familiares começámos por ir para o Egito, mas pouco depois também houve lá um golpe militar. Foi então que vim para os EUA, onde me apercebi de que nem toda a gente compreendia o que se passava naquela parte do mundo.

E começou a contar a sua história, logo no liceu, em Minneapolis?
Faltam as vozes e as experiências individuais. Queria partilhar quem sou e também como era bonita a vida que eu tinha antes. Queria mudar a narrativa dos meios de comunicação social, que habitualmente falam de pessoas como vítimas ou parte do problema, para: “Sim, somos vítimas e parte do problema, mas também somos parte da solução.” E queria criar empatia com os ouvintes. A voz de quem usa o microfone é importante.

Porque as pessoas, ao ouvi-la, compreendem finalmente o que é ser um refugiado?
E também o que é ser uma mulher muçulmana. Há tantas narrativas que acompanham as mulheres muçulmanas… mas se as pessoas não falarem com elas individualmente, cara a cara, vão assumir apenas o estereótipo.

Quais são as suas memórias mais antigas, ainda na Somália?
Não me lembro da guerra civil. Só me lembro de saber que íamos mudar de casa e de ver a minha avó a abanar uma espécie de grande leque, por causa do calor. Separei-me da minha mãe aos cinco anos, porque o meu pai não queria que estivéssemos com ela. Acabámos por ficar no Iémen e a minha mãe, entretanto, teve a oportunidade de vir para os EUA, mas não podia trazer-nos porque tinha de ser solteira.

Sei que, ainda assim, guarda boas recordações de Áden.
Adorava o bairro onde cresci, que tinha sobretudo recém-chegados, refugiados da Somália, da Etiópia e de outros sítios. Era um terreno vazio, onde as pessoas começaram a construir lentamente as suas casas. O nome do bairro, Basateen, significa jardins, mas parecia um deserto.

Um quase deserto que recorda como muito bonito, não é?
Era lindo porque o conceito de comunidade estava realmente incorporado naquele bairro. Acho que fomos das primeiras famílias a ir para lá e a construir uma casa. Não havia saneamento e o meu tio e outros familiares queriam muito uma casa de banho higiénica e sustentável. E lembro-me de que a conta da água ou da eletricidade dizia algo como “Esta casa é propriedade do Governo e pode ser tomada a qualquer momento” e que eu não percebia como. O melhor de tudo era nós, as crianças, podermos estar sempre a brincar uns com os outros e todos os adultos tomavam conta.

Viviam mesmo em comunidade.
As portas ficavam sempre abertas, literalmente. Se eu quisesse beber água e estivesse perto de uma casa, ia à cozinha deles e não à nossa. Logo no início, o meu avô conseguiu arranjar uma televisão, penso que mandada por algum dos familiares que trabalhavam na Arábia Saudita, e isso foi uma boa notícia para o bairro. Toda a gente ia lá a casa ver televisão. Os homens apareciam para ver desporto e notícias, as mulheres viam filmes. Parecia um café, sempre em festa. E nós víamos desenhos animados logo às 7 da manhã. Foi muito bom porque, de alguma forma, a nossa casa tornou-se o centro do bairro. 

Que sorte!
Sim, foi assim que fiz muitos amigos [risos]. E toda a gente dizia: “Vou a casa desta pessoa porque ela tem uma televisão, vou levar doces, vou levar comida”, e esse tipo de partilha é bonito. Quando cheguei aos EUA, em 2014, fiquei a pensar: “Onde é que isso existe?”, porque as pessoas vivem muito fechadas em casa. Nunca vi um vizinho bater à porta de alguém e dizer: “Ei, fiz esta sobremesa e quero partilhá-la contigo” ou “Vamos ver televisão, conversar um bocado”, a não ser que sejam melhores amigos.

Li que, ao chegar ao Cairo, sentiu que era um planeta diferente. Porquê?
Estava cheio de gente, sobrelotado mesmo, e havia muita poluição e as pessoas eram diferentes. No Iémen, a maioria dos habitantes era muçulmana praticante; no Egito, como há cristãos e muçulmanos, as pessoas não se vestem como no Iémen. E são muito barulhentas, gritam umas com as outras. Parece Itália [risos].

Diferente, mas não tudo negativo.
Exatamente. Mas, quando aconteceu o golpe militar, algumas pessoas estavam com o antigo Presidente, outras com os militares, e eu ao ver essa divisão só pensava: “Oh, meu Deus, vai haver outra guerra.”

A história estava a repetir-se.
E depois a Embaixada dos EUA fechou durante algum tempo, o que me assustou por não poder pedir asilo para vir para cá. Foi um caos.

No Cairo, conseguia ir à escola?
Não podia, porque éramos requerentes de asilo. E estive doente com tuberculose durante quase um ano, por isso tinha de me focar sobretudo na minha saúde.

Mas ainda era uma adolescente.
Tive de me fazer adulta rapidamente, para tomar conta da minha irmã e aprender a navegar pelo sistema. Mas ainda tinha os meus livros e lia sempre que podia.

Só voltou a estudar nos EUA, onde se reuniu com a sua mãe. Minneapolis também era outro planeta?
Era muito frio [risos] e eu estava entusiasmada com aquela neve toda, mas não tinha um casaco em condições. Depois de ir às compras com a minha mãe, pensei: “Quero ir já para a escola.” E a verdade é que me saí bem e saltei logo de ano.

Quais eram as suas expectativas antes de chegar aos EUA?
Estava muito contente por ver a minha mãe e as duas irmãs que nasceram cá, e, ao mesmo tempo, preocupada com a minha irmã que tinha ficado para trás. Acreditava que ia adaptar-me facilmente à cultura, porque sou somali-iemenita, mas foi difícil. Os somalis de Minneapolis eram já muito americanos, diferentes daqueles com quem cresci. Além disso, a Somália tem várias tribos.

Nessa altura, o Minnesota tinha um grande número de refugiados e imigrantes. Como foi recebida?
Ainda existe aquela… Não lhe quero chamar segregação, mas havia situações do género “eles contra nós”. Algumas pessoas olhavam-me fixamente, com “cara de póquer”, o que fazia com que me sentisse indesejada. Eu dizia “Olá!” e o contacto visual era do tipo “Não te conheço”. Na minha cultura, se alguém nos cumprimenta, respondemos sempre “Olá”. Foi logo aí que pensei: “Como é que vão conhecer-nos?”

São as mulheres que conduzem à paz, têm de ser elas a acabar com todos estes conflitos e guerras. Já vimos isso acontecer no Irão. Vivemos numa geração em que o mundo é feminino

E as pessoas teriam muitas ideias preconcebidas.
Sim, porque Donald Trump estava a concorrer à presidência e tinha uma campanha de ódio contra os imigrantes, em que espalhava coisas como: os imigrantes são perigosos, os imigrantes estão a tirar os empregos, os imigrantes são isto e aquilo. Eu senti que era injusto o meu vizinho ter esse estereótipo sobre mim, sem sequer me conhecer, e por isso decidi contar a minha história. Comecei a ir a escolas, centros comunitários, livrarias… a andar de sítio em sítio para falar cara a cara e criar empatia com as pessoas. Acredito que mudei a mentalidade de muita gente.

O futebol teve um papel importante na sua integração, não foi?
O futebol não é um desporto habitual das mulheres no Iémen, mas quando eu era pequena a minha avó dizia-me: “Se queres, vai jogar com os rapazes, está tudo bem!” E lá ia eu toda entusiasmada, mesmo que tivesse de usar determinadas roupas. Quando vim para os EUA, joguei no liceu e depois na liga estatal e no futebol de rua, que aqui é uma modalidade, e realmente o futebol ajudou-me a entrar na comunidade. Mas, em 2017, fazia parte da seleção quando Trump introduziu a proibição de entrada de muçulmanos. Eu sou somali-iemenita, uma dupla proibição, e, como ainda só tinha o green card [cartão de residência permanente], não quis arriscar viajar. Foi depois disso que criei uma equipa com estudantes refugiadas e imigrantes.

E foi então que decidiu “Não vou calar-me mais. Tenho de fazer alguma coisa”?
Antes dessa proibição, partilhava a minha história para dizer “Quem eu sou”. Era apenas a parte da narrativa. Quando Trump foi eleito e começou a trabalhar na proibição de viajar, compreendi o poder de contar histórias para levar a mudanças nas políticas. Então, além de partilhar a minha história, passei a exigir essas mudanças.

Não queria apenas ser convidada para a festa, mas ser convidada a dançar na festa ou mesmo a escolher a música.
É como levar as nossas próprias cadeiras para a mesa de discussão, porque não vão ter um lugar para nós. Nessa altura, comecei a trabalhar com a Malala [Yousafzai], falei na ONU e defendi a Declaração de Escolas Seguras. Usei a minha história para levar os países a compreenderem que era importante assiná-la. No passado, vimos autocarros escolares a serem alvejados e crianças a serem mortas na escola. Eu era essa criança no Iémen e não quero que outras crianças sofram. Por isso, passei de apenas partilhar a minha história para algo mais parecido com: “Ei, isto é urgente, quero que ouçam e quero que ajam.”

Entretanto, estava a patrocinar a ida da sua irmã para os EUA.
Estava, mas ela tinha chegado a um ponto de rutura. Dizia: “Não posso esperar mais. Não posso ficar no Egito. O Egito está a entrar no seu próprio caos.” Decidiu, então, optar pela chamada “viagem segura”, que é a maneira como os traficantes de pessoas a vendem aos imigrantes vulneráveis. Dizem-lhes: “Se nos pagares 2 mil dólares, levamos-te num belo barco. Vai haver uma casa de banho, comida para crianças…”

E é tudo mentira.
Claro! Mas foi preciso a minha irmã ser vítima disso para eu perceber o que realmente acontece. Estamos sempre a ouvir: “Oh, os imigrantes metem-se em pequenos barcos para chegarem a Itália ou a outros sítios…”, mas não percebemos que eles foram enganados. Quando a minha irmã chegou ao local de embarque, o autocarro partiu imediatamente, por isso não podia voltar para trás. Tinha de apanhar o que lhe aparecesse à frente, ou seja, um pequeno barco, com centenas de pessoas, para ir da Alexandria, no Egito, até Itália. Só muito mais tarde é que eu soube toda a sua história. Só lhe perguntei detalhes quando a Malala quis escrever sobre nós.

Não queria obrigá-la a reviver o trauma?
Não, não queria, embora ela tenha tido sorte, porque sabemos que muitos se afogam na viagem. Hoje, a Bélgica é a sua casa – foi ali que quis começar de novo, construir uma família e tudo o resto. Eu só estava à espera da minha cidadania americana para poder visitá-la e fui lá no verão passado. Ela já tinha um filho, estava grávida outra vez e eu pude estar presente no nascimento do segundo bebé. Ver a minha irmã mais nova a ser mãe… uau! Cresceu [risos].

A Zaynab queria ser arquiteta, mas licenciou-se em Ciência Política. Como aconteceu isso?
Tudo começou no meu quarto no Iémen, que eu quis pintar para viver num cenário agradável. Até que um dia percebi que a arte já não me fazia feliz, e a verdade é que nem havia casas para pintar, tinham sido destruídas com a guerra. Mas só decidi alterar o rumo dos meus estudos quando pensei que era urgente abordar os crimes de ódio.

Por alguma razão em especial?
Foi após o assassínio de George Floyd, quando o mundo começou todo a falar de racismo e de violência policial. Esse foi o meu momento de despertar. Pensei: “Não importa para onde tento fugir, todos os países têm os seus altos e baixos, as injustiças existem em todo o lado e o melhor é encarar essa realidade e tentar mudar alguma coisa.” Foi por isso que trabalhei com Organizações Não Governamentais (ONG) e organizações locais, abordando essas questões que acontecem em Minneapolis, mas também nos EUA em geral e no mundo. E, entretanto, também fiz um mestrado em Práticas do Desenvolvimento, com a ideia de ajudar determinados países.

Também quer tornar a sua primeira casa num sítio melhor?
Quero voltar ao Iémen e começar pelas famílias, ajudá-las no saneamento, na alimentação, na educação. E também ajudar o governo no que diz respeito ao crescimento económico, às infraestruturas, à produção agrícola, etc. Conheço o contexto do Iémen e sei o que posso fazer para apoiar as comunidades, através das ONG de ajuda humanitária da ONU ou, talvez um dia, da minha própria ONG, centrada na mudança de países que enfrentam guerras e conflitos armados.

Disse numa entrevista, em 2018: “Sonho com um mundo de paz e amor, e o meu sonho será realidade um dia.” Ainda acredita nisso?
Sem dúvida de que sim, e não deve ser apenas o meu sonho, deve ser o sonho pelo qual todos devem lutar. Certos líderes pensam sobretudo no jogo político, mas se tivermos mais comunidades com mais poder… Vou dar um exemplo: no Quénia, o governo queria aumentar os impostos e as pessoas uniram-se para dizer “Não”, saíram à rua e pressionaram o Presidente para não promulgar essa alteração à lei. Penso que, se as pessoas estiverem unidas e puderem expressar os seus direitos e a sua opinião, sem qualquer violência, pode resultar.

Enquanto defensora das mulheres, qual é a sua mensagem?
O mundo não existe sem nós. Quero que todas as mulheres deem vários passos em frente e façam mudanças nas suas comunidades para alcançar uma paz duradoura. Porque a paz começa em casa e só depois chega às comunidades, à cidade, ao Estado e ao mundo. São as mulheres que conduzem à paz, têm de ser elas a acabar com todos estes conflitos e guerras. Já vimos isso acontecer no Irão. Vivemos numa geração em que o mundo é feminino.

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Kaden Groves (Alpecin) venceu a segunda etapa da Volta a Espanha em bicicleta, numa chegada ao sprint em que bateu o neerlandês Wout van Aert (Visma), o novo camisola vermelha da corrida. Van Aert beneficiou, no entanto, das bonificações do segundo lugar para “roubar” o símbolo de líder da corrida ao norte-americano Brandon McNulty (UAE), que o tinha batido por apenas três segundos no contrarrelógio inaugural.

Nesta segunda etapa, que ligou Cascais a Ourém, todos os candidatos à vitória final, incluindo Primoz Roglic (Red Bull) e João Almeida (UAE), chegaram todos integrados no pelotão, cortando a meta com o mesmo tempo do vencedor.

Foi uma tirada sem grande história até aos últimos quilómetros, embora com três quedas a registar: duas na subida ao Alto da Batalha, com muita gente na berma da estrada a atrapalhar a passagem dos ciclistas, e outra já dentro dos dois quilómetros finais, numa fase de grande velocidade e sem interferências dos espectadores.

Antes, Ibon Ruiz (Kern Pharma) e Luis Angel Maté (Euskaltel-Euskadi) andaram escapados ao longo de mais de uma centena de quilómetros, mas foram alcançados a cerca de 50 da meta.

A etapa passou pelas Caldas da Rainha, a região de onde é natural João Almeida, e contou com muitos adeptos nas ruas. Um cenário que se foi repetindo nas várias localidades entre Cascais e Ourém, como foi o caso de Torres Vedras, terra natal de Joaquim Agostinho, devidamente assinalada pela organização da Vuelta.

Segundo classificado na edição de 1974, Agostinho terminou a escassos 11 segundos do vencedor, José Manuel Fuente, como hoje recordou a página oficial da prova na internet, sublinhando ser essa a segunda menor diferença da história entre os dois primeiros.

Em 2024, passam 40 anos sobre a “morte trágica” do lendário ciclista português, durante a Volta ao Algarve, lembraram ainda os organizadores da Volta a Espanha, à passagem por Torres Vedras.

Esta segunda-feira, corre-se a terceira e última etapa em território português, entre a Lousã e Castelo Branco, com uma contagem de montanha de quarta categoria e outra de segunda.

Ana Faria, criadora dos projetos musicais infanto-juvenis Queijinhos Frescos e Onda Choc, que tiveram grande sucesso nos anos 1980 e 1990, morreu neste sábado, 17, aos 74 anos. A notícia foi partilhada na rede social Facebook pelo seu marido Heduíno Gomes, que produziu as canções que ainda hoje preenchem o imaginário de muitas crianças e adolescentes dessas décadas.

A cantautora começou por dar nas vistas em 1969, no popular programa televisivo Zip-Zip, interpretando músicas de José Afonso e Simone de Oliveira. Depois de discos a solo e de participações em bandas como os Grupos Decibel e os Terra a Terra, lançou o álbum “Brincando com os Clássicos”, já com os filhos no coro, o que acabou por levar à formação dos célebres Queijinhos Frescos.

Este grupo fez as delícias dos mais pequenos e, mais tarde, em 1986, sempre ao lado do marido, responsável pela produção, Ana Faria criou os Onda Choc, outra banda infantil que gozou de enorme fama, superando o milhão de discos vendidos, já com outras crianças e jovens escolhidos através de audições.

Nos últimos anos, já afastada das lides musicais, a artista dedicou-se a outras paixões, como a pintura e a escrita, longe da exposição mediática que a música lhe trouxe e da qual não era particular entusiasta.