Todas as informações das últimas horas apontam para que o próximo treinador do Benfica seja Bruno Lage. As informações que foram veiculadas por vários órgãos de informação durante a tarde desta quarta-feira, 4, não desmentidas pelo clube da Luz, indicam que o sucessor de Roger Schmidt vai mesmo ser este setubalense de 48 anos, que deverá ser apresentado oficialmente esta quinta-feira e começar a orientar a equipa na próxima sexta-feira, no regresso dos jogadores de umas mini-férias. Uma rotina habitual que era habitual com Schmidt sempre que o campeonato parava para jogos da Seleção Nacional e que agora deverá ter um fim.

Com 48 anos e um longo passado profissional ligado às camadas de formação do Benfica, pode-se considerar Bruno Lage um homem da casa. A sua primeira experiência como treinador principal, depois de alguns anos a trabalhar como adjunto de Carlos Carvalhal em Inglaterra, aconteceu no início de 2019, quando foi chamado a substituir Rui Vitória no comando dos encarnados, numa altura em que a equipa agonizava no quarto lugar do campeonato, à 15ª jornada, a sete pontos de distância do líder, o FC Porto. Os cinco meses que se seguiram foram inesquecíveis para qualquer benfiquista: 18 jogos, 17 vitórias e apenas um empate permitiram ao Benfica festejar a conquista do 37º título de campeão nacional e fizeram de Bruno Lage o novo Special One. A época seguinte parecia confirmar isso mesmo, tendo começado com uma vitória do Benfica sobre o Sporting por 5-0 na Supertaça. No campeonato, até à 18ª jornada, o Benfica voltava a somar 17 vitórias e perdera apenas como o FC Porto, mas seguia na liderança com sete pontos de avanço sobre o eterno rival. A partir daí, foi o descalabro. Nova derrota no Dragão, seguida de novo desaire, em casa, frente ao Braga, deitou tudo a perder. Bruno Lage perdeu o controlo da equipa, que somou ainda mais dois empates antes da interrupção da competição por causa da pandemia da Covid-19. Nos restantes cinco jogos em que esteve ao comando, disputados à porta fechada, o Benfica só venceu um, empatando dois e perdendo outros dois, o que acabou por ditar a saída de Bruno Lage pela porta pequena do Estádio da Luz, quando ainda havia cinco jornadas por jogar. Nada que tivesse evitado que o Benfica, de uma vantagem de sete pontos, passasse para uma desvantagem de outros sete.

É, portanto, este treinador capaz de ganhar um campeonato que estava aparentemente perdido, mas também de perder um que parecia ganho, que agora regressa ao Estádio da Luz com a missão de emendar um mau começo de época. O trajeto profissional de Bruno Lage que se seguiu à saída do Benfica não é brilhante. Em 2020 assumiu o comando técnico do Wolverhampton e, depois de uma primeira época razoável, como 28 vitórias em 47 jogos, acabaria por ser despedido na época seguinte, após conseguir ganhar apenas 2 dos 9 primeiros encontros. Seguiu-se, em 2023, uma experiência no Brasil, ao serviço do Botafogo, mas acabaria por ser também inglória, regressando a casa após conseguir apenas 4 triunfos em 15 partidas.

No futebol, contudo, o passado pode contar pouco. É isso que Bruno Lage tentará provar, conseguindo liderar um processo de recuperação de uma equipa que entrou mal no campeonato, somando apenas duas vitórias nas quatro primeiras jornadas, e que, por via disso, leva já cinco pontos de atraso para o líder, o Sporting. Para além disso, já para o próximo dia 19 tem também já marcada uma difícil deslocação ao terreno do Estrela Vermelha de Belgrado, num jogo a contar para a primeira jornada da nova Liga dos Campeões, prova em que o Benfica vai ter pela frente ainda Bayern Munique, FC Barcelona, Atlético de Madrid, Juventus, Feynoord, Mónaco e Bolonha. Enfim, missões extraordinariamente difíceis e cujos desfechos ditarão se Bruno Lage é, afinal, um treinador talhado para vitórias épicas ou falhanços rotundos. E que determinarão o futuro de Rui Costa. Aquele que ficou conhecido por ser um “maestro” dentro das quatro linhas acabou de entregar a Bruno Lage as batutas que vão reger o seu futuro enquanto presidente do Sport Lisboa e Benfica. Siga a música!

Esbanjador
Gosta de viver à grande e de ostentar objetos de luxo. Com fama de ser um mãos largas, sente-se confortável a assumir riscos. Taylor Swift gasta centenas de milhões em casas, tem dois jatos privados e usa peças caras e com design. Johnny Depp não olhou a milhões para obter iates, diamantes ou artes, e fez saber que faz o que quer com o que é seu.

Poupadinho
Espartano nos gastos, tem horror a dívidas e a cartões de crédito. Mesmo que seja visto como avarento, forreta ou mesquinho, o seu lema é aforrar. As personagens de banda desenhada Scrooge e Tio Patinhas entram neste perfil, cada uma no seu estilo, bem como o frugal e discreto Ingvar Kamprad, fundador da IKEA.

Acumulador
Adora pechinchas, dá uso à carteira e aos cartões e não resiste a comprar coisas de que não precisa só porque tal lhe enche as medidas. Embora possa poupar e investir, incorre em alguns excessos em nome do desejo. Um gozo que muitos famosos confirmam nas redes sociais: Lana Del Rey é adepta de outlets e Lady Gaga dos cupões de desconto e saldos.

Devedor
Não tem mão no orçamento e pensa no que fazer depois. Por vezes, cresceu com maus exemplos (gestão das finanças e emoções) e as comparações são um gatilho para descarrilar. Porém, tal acontece aos melhores. Em entrevista ao programa 60 Minutos, Nicolas Cage disse ter dívidas acumuladas por investimento excessivo no mercado imobiliário.

Investidor
Conhecido por inovar e fazer obra, tem consciência do valor do dinheiro e de que quem não arrisca não petisca, mas fá-lo com prudência e é bom a multiplicar pães. Aqui se inclui Warren Buffett e os retornos consistentes e gigantes que alegram os acionistas. Além da filantropia, defende que os super-ricos devem ser mais taxados.

Golpista
Visto por muitos como um herói – e, até, um anti-herói – e por outros como psicopata, usa os seus talentos à margem da lei, apropriando-se do que não é seu e mostrando orgulho nisso. É o perfil mais explorado na ficção, inspirada em casos reais (de Bonnie & Clyde a Alves dos Reis) ou nem por isso, como o Professor, na série La Casa de Papel.

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O que mais o impressionou na história de Jakob Fugger?
Embora Fugger descendesse de uma família de comerciantes, era altamente improvável alguém que não pertencesse à nobreza tornar-se tão rico como um rei, e isso é muito revelador do seu talento.

Se ele vivesse hoje, o que seria diferente?
A tecnologia mudou, mas a natureza humana não. Ele haveria de encontrar alguma maneira de fazer fortuna.

O que pode alavancar o sucesso, financeiro e social?
O dinheiro ajuda no começo, mas continua a ser necessário ter inteligência, determinação e bom senso. E ser egoísta, também.

Como se explica a filantropia?
Creio que, para Fugger, ganhar dinheiro era uma forma de expressão. Ele sabia que era mais capaz do que os seus rivais, e parte da motivação dele era querer prová-lo. Para ser filantropo, é preciso, antes de tudo, ter dinheiro. Fugger tinha e construiu o primeiro projeto habitacional público do mundo, o Fuggerei. Ele queria ajudar as pessoas, mas também viu nisso uma forma de dizer “Olhem para mim!”

Quem é mais propenso à síndrome de húbris, ou seja, fazer o que quer sem limites, por crer que pode – o lado sombrio do dinheiro –, apostando, por exemplo, no enriquecimento ilícito e na especulação financeira ou imobiliária?
Surpreende-me que veja um lado negro do dinheiro na especulação imobiliária. Como vão ser construídas novas casas sem existirem incentivos para isso? Se a sua pergunta é o que leva alguém a querer construir uma estrutura que se estende até o céu, acho que todos sabemos a resposta: a insegurança e a gratificação do ego.

O que contribui para a escassez, ou abundância, patrimonial?
Acima de tudo, é preciso ser inteligente, mas muitas pessoas inteligentes são pobres. Algumas nunca chegam a ter uma oportunidade por lhes faltar “uma boa mão” (expressão usada em contexto de jogo, significando ter menos condições, à partida). Outras não são motivadas por dinheiro, e outras, ainda, querem muito dinheiro, mas falham por serem imprudentes, desleixadas ou preguiçosas.

Gerimos o dinheiro da mesma forma que lidamos com os outros, onde entram questões de confiança, insegurança, posse, etc.?
Nós, humanos, temos uma relação complicada com o dinheiro. Queremos que ele satisfaça as nossas necessidades diárias, mas também queremos que ele compre coisas que nos façam sentir bem. Podemos usá-lo ao serviço dos outros ou como uma via para nos exibirmos. O ideal seria partilhar aquilo de que não precisamos, mas não evoluímos assim, o que terá que ver, talvez, com o nosso instinto de sobrevivência. Queremos sustentar-nos, a nós e aos que nos são próximos, em primeiro lugar.

É mais sábio usar dinheiro vivo ou fazer transações digitais?
Pessoalmente, entendo que é mais fácil fazer as transações através de cartões e aplicações, uma vez que permitem obter um registo em papel.

Há algum mito associado à riqueza que possa validar ou pretenda desmontar?
Há um ditado que diz que a construção das grandes fortunas assenta num crime. Acredito que criar uma riqueza se faz com base em boas ideias. Elon Musk, por exemplo, é uma pessoa estranha, mas viu uma oportunidade nos carros elétricos que as grandes empresas perderam. A mesma coisa se passou com Jeff Bezos e a Amazon. Essas pessoas querem ser podres de ricas, mas, no processo, acabam por mudar o nosso mundo, como Fugger mudou o dele.

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Qual é o seu perfil financeiro?

Se existisse uma métrica para o espaço que o dinheiro ocupa nas nossas cabeças ao longo de um só dia, ele seria… demasiado. A fantasia de ser rico, muito rico, e realizar qualquer extravagância é capaz de induzir uma espécie de transe afrodisíaco. Este efeito sedutor contrasta com a desconfiança e o mal-estar social em relação aos abastados, por serem protagonistas de pecados capitais, por influência da teologia cristã no Ocidente (“é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”). E, contudo, afastar o dinheiro da mente é como pedir a alguém para não pensar num Ferrari vermelho: uma missão impossível.

“Tal como a comida motiva os cães, o dinheiro motiva as pessoas”, observou o investigador norte-americano Brian Knutson à Harvard Business Review. Ao estudar os mecanismos cerebrais envolvidos na tomada de decisões financeiras, o professor de Psicologia e Neurociência da Universidade de Stanford concluiu que “nada excita mais o cérebro do que o dinheiro – nem os corpos nus ou cadáveres deixam as pessoas tão agitadas.”

Há qualquer coisa de erótico, e também de escatológico, na relação com esse objeto de desejo e que começa na infância. Logo aí se aprende que o dinheiro não nasce nas árvores nem cai do céu e que mais vale, desde cedo, engendrar estratégias para ganhá-lo, poupá-lo e investi-lo, sem contar com o ovo no cu da galinha.

Curiosamente, alguns dos muitos nomes que se dá ao dinheiro são de teor alimentar: massa, cacau, bago, caroço, carcanhol ou sal (de onde deriva a palavra “salário”), enquanto o efeito sensorial das moedas a circularem de mão em mão (hoje, saem de slot machines e de caixas automáticas que dão troco no ato do pagamento) terá estado na origem do “pilim”. Ninguém gosta de estar sem cheta, chavo, centavo, cêntimo e, na ânsia de querer mais, sem sequer saber para quê (quantos de nós saberiam o que fazer ao certo se ganhassem uma herança inesperada ou o Euromilhões?), persegue-se o papel, ou guito (cordel que ata os maços de notas) – hoje, “k” (abreviatura de mil) e “cripto” – e, nalguns casos, através de esquemas engenhosos e duvidosos, que continuam a gerar sucessos de bilheteira.

O que leva muitos de nós a perseguir, obsessivamente, este objeto de troca, que se converte num fim e desperta emoções tão fortes quanto, porventura, doentias?

A neuroeconomia explica

A incursão da Ciência no estudo dos mecanismos mentais que norteiam as decisões é relativamente recente e deve-se, em boa parte, à entrada das ressonâncias magnéticas nos laboratórios de investigação e a estudos inéditos como o conduzido por um grupo de médicos da Universidade de Harvard, no início do século.

Na amostra havia participantes com adição e outros sem esse problema. Os investigadores ofereceram cocaína aos primeiros e dinheiro aos segundos e, para surpresa geral, os resultados dos exames cerebrais dos dois grupos foram quase indistinguíveis. Em ambos, esteve em jogo o circuito de recompensa cerebral, que envolve instinto, cognição, motivação e memória e, principalmente, a libertação de doses generosas de dopamina, no núcleo accumbens (ver infografia Como o “plim, plim, plim” nos dá a volta à cabeça).

O neurocientista português Rui Costa, CEO do Instituto Allen, com sede em Seattle, nos Estados Unidos da América, explica por que razão estamos programados para perseguir a gratificação: “Evoluímos no sentido de nos deslocarmos para sítios onde há mais comida ou o clima é melhor; hoje, isso pode passar-se com o dinheiro.” E adianta: “Cria-se um hábito, mas também uma dependência, uma obsessão.”

O sexo, as drogas, o chocolate e o dinheiro fazem disparar estes mecanismos, que se traduzem em picos de prazer, euforia – no caso do dinheiro, motivação para investir ou gastar – que, no limite, se refletem em escolhas duvidosas. Apesar dos esforços dos cientistas no sentido de identificar e antever comportamentos no volátil mercado bolsista, Rui Costa assegura: “Mesmo com os algoritmos mais complexos, o que funciona melhor, em termos preditivos, é o sinal biológico de dopamina no cérebro.”

Sabe-se já que numa operação de risco, como a compra de ações, a antecipação de lucros rápidos eleva os níveis de dopamina e outros neurotransmissores e, sob o efeito deles, os processos racionais (no córtex pré-frontal dorsolateral, habilitado a avaliar decisões de forma objetiva) ficam suprimidos. Se a coisa der para o torno e suscitar arrelias, entra em cena a ínsula, no sistema límbico (parte mais primitiva do cérebro). E ponderar uma decisão financeira difícil não dispensa a estreita colaboração entre núcleo accumbens (onde se processam as emoções, o movimento e a motivação) e córtex pré-frontal (sede das funções executivas e de planeamento).

A neurociência a legitimar uma evidência empírica: o dinheiro faz o mundo girar, como cantava Liza Minnelli no musical Cabaret – Adeus Berlim, de Bob Fosse, nos anos 1970. A resposta que vale milhões talvez seja compreender o que projetamos neste objeto, que se aproxima de um comprimido mágico com efeitos secundários. Tanto previne chatices, confere liberdade de movimentos, ascensão social, doses de felicidade e poder, como é capaz de intoxicar, difícil de largar e tem a fama de corromper, como ilustra o clássico da literatura alemã Fausto, obra-prima de J. W. Goethe, em que o protagonista vende a alma ao Diabo a troco da realização dos seus desejos, que é o dilema moral do homem moderno: ao negligenciar a inteligência emocional e financeira corre o risco de ficar refém do “vil metal” (que rima com “paixão fatal”).

Como se fazem fortunas

Na sociedade atual, em que a abundância material, o consumo e o estatuto são valores dominantes, vingam as estratégias orientadas para obter sucesso financeiro, expandir rendimentos e gerar riqueza. 

Segundo a análise da Forbes Internacional, divulgada em abril, existem quase três mil detentores de fortunas estimadas em mais de mil milhões de dólares. Os Estados Unidos da América lideram o ranking, com 813 super-ricos, seguindo-se a China, com 406 bilionários, e a Índia, com 200. Sem surpresas, entre as 20 pessoas mais endinheiradas, à escala global, apenas uma é do sexo feminino: Françoise Bettencourt Meyers, neta do fundador da L’Oréal, tem uma fortuna familiar estimada em 99,5 mil milhões de dólares.

Num artigo recente, a BBC fez as contas, chegando à conclusão de que a maioria (81%) dos afortunados concentra mais riqueza do que os quatro mil milhões mais pobres que há no mundo. Uma desigualdade chocante, que tem levado cada vez mais vozes a chamar a atenção para a necessidade de taxar os super-ricos.

Pergunta-se: se eles não existissem, quem iria financiar os encargos avultados associados à inovação ou contribuir para melhorar muitas vidas (ver caixa A Génese da Filantropia)?

Por detrás de cada fortuna com muitos dígitos há quase sempre uma história em que houve um encontro feliz entre talento, oportunidade e a boa gestão de circunstâncias favoráveis. Mais do que o uso dado a tanta riqueza, importa decifrar os ingredientes que a potenciam.

Lotaria de eventos Para Manuela Grazina, neurocientista e docente da Universidade de Coimbra, a relação com o dinheiro é fruto da herança genética, de influências sociais e ambientais, entre outras Foto: Marcos Borga

“Somos o resultado de uma lotaria de eventos, pois a nossa herança genética dita uma parte do nosso funcionamento”, avança Manuela Grazina, neurocientista do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra. Reconhecendo que “aquilo em que nos tornamos depende do ambiente intrauterino, da alimentação, das interações e hábitos de vida e do nosso sistema biológico e neuroquímico”, a professora universitária entende que o genoma também é um reflexo das influências sociais e ambientais.

Dito de outra forma, a exposição a condições adversas no início da vida pode alterar as estruturas do circuito da recompensa, levando à redução do volume do hipocampo e a mudanças no tamanho do corpo caloso, contribuindo para a ansiedade, a depressão e dificuldades de foco: “Um circuito de recompensa desequilibrado, seja por vulnerabilidade genética – que pesa em mais de 40% no desenvolvimento de adições – ou devido a falhas afetivas que alteram o córtex pré-frontal, pode estar na base de uma relação aberrante e descontrolada com o dinheiro.” 

A personalidade e a biografia de cada um também não pode ser esquecida: “Quando sentimos o impulso para comprar mais uns sapatos, mais uma joia, mais um carro ou uma casa, isso está ligado a uma memória de recompensa e de valorização.”

Regular estes impulsos não é fácil, mas é possível. O segredo parece estar na ativação do córtex pré-frontal, a sede do julgamento e das decisões: “É aí que se liberta um neurotransmissor – ácido gama-aminobutírico (GABA) – que inibe a estimulação do sistema límbico e evita o excesso de dopamina e de adrenalina (a hormona do stresse).” Porém, Manuela Grazina lembra que “esta é a última parte do cérebro a desenvolver-se, por volta dos 21 anos”, ou seja, só na idade adulta se fica habilitado a gerir bem o mealheiro. 

Mais riqueza, menos empatia

A capacidade de multiplicar lucros e de dar brilho a tudo o que toca pode ser um dom, mas também uma forma de apego e, nessa medida, uma maldição. Taylor Swift, Britney Spears, Katy Perry ou Imagine Dragons são alguns dos nomes sonantes da indústria musical que usaram a expressão “Toque de Midas” nas letras das suas canções.

Há onze anos, numa palestra pública (TEDx Marin), o psicólogo social norte-americano Paul Piff apresentou vários estudos que revelam como o dinheiro altera os nossos atos: “À medida que sobem os níveis de riqueza, a compaixão e a empatia diminuem e os sentimentos de direito e merecimento aumentam, com tendência a priorizar os interesses próprios.”

Usando o jogo do Monopólio e criando uma desenho experimental em que alguns participantes não tinham chances de ganhar, Piff e colaboradores descobriram que ocupar um lugar de privilégio fez com que os participantes com mais poder atribuído no jogo agissem como se o tivessem mesmo.

O controverso psicólogo social Philip Zimbardo, famoso pelo estudo Prisão de Stanford, apercebeu-se disso da pior forma, nos anos 1970: os “guardas prisionais” tornaram-se sádicos e comportaram-se de forma cada vez mais abusiva com os “presos” e a experiência teve de ser interrompida antes do tempo. Um breve exercício de introspeção será suficiente para constatar que, em algum momento, cada um de nós já deu por si a colocar interesses próprios acima dos de outros em situações comuns: tratar um empregado com arrogância, acelerar o veículo ao avistar um peão com mobilidade reduzida a entrar na passadeira ou buzinar a um ciclista cumpridor do Código de Estrada antes de o semáforo ficar vermelho.

“Num contexto em que se idolatra o dinheiro e os símbolos de estatuto que pode comprar, isso altera a engenharia mental e a forma dicotómica de encarar os outros, vistos como entraves ou facilitadores das ambições próprias”, lê-se num artigo da New York Magazine, da autoria de Lisa Miller, que se referia à correlação encontrada pela equipa de Piff: quando o dinheiro sobe à cabeça, o desprezo interpessoal, aliado a condutas egoístas e menos empáticas, leva a dianteira à ética e pode ser aditivo.

“Nós, humanos, temos uma relação complicada com o dinheiro”, afirmou Greg Steinmetz, por escrito, à VISÃO (ver entrevista). O analista financeiro, que foi jornalista no The Wall Street Journal e é autor do livro O Homem Mais Rico de Sempre (Casa das Letras), conta a história de Jacob Fugger (1459-1525), o primeiro bilionário da História. A sua fortuna representava 2% da riqueza produzida na Europa e terá sido fruto da conjugação invulgar de talento, frieza, determinação e ousadia. Neto de camponeses, o banqueiro impôs a sua visão dos negócios a clérigos e monarcas e dedicou a vida a perseguir a riqueza pela riqueza, que de pouco lhe valeu noutros domínios: foi traído pela mulher e, no seu leito de morte, apenas estavam presentes aqueles a quem pagou para o servirem.

No mito, Midas renuncia ao seu poder com a ajuda de Baco, deus do vinho, e sentiu-se mais leve. Na vida real, como se consegue ter uma relação sustentável e humanizada com a carteira?

Mente, corpo e carteira

Um estudo divulgado em maio pelo site Doutor Finanças, em parceria com a Laicos – Behavioural Change, revela um cenário pouco feliz. Dos 800 inquiridos, portugueses com idades entre os 18 e os 75 anos, metade sentem-se ansiosos com as finanças pessoais e 64% têm um baixo conhecimento financeiro, que fica atrás do nível da Alemanha, em 2009 (há 15 anos!).

No mesmo estudo, apurou-se que um em cada quatro enfrenta dificuldades no pagamento de contas e no cumprimento de obrigações financeiras e que ter um menor bem-estar financeiro equivale a uma probabilidade três vezes maior de experienciar tristeza (63%, face aos que referem esse bem-estar 19%) e outras queixas psicológicas.

[A oniomania ou vício das compras] é o mecanismo à mão para aliviar sentimentos de ansiedade, depressão, tristeza ou isolamento, mas depois vêm a culpa, a vergonha e outras emoções negativas

Margarida Braga, Psiquiatra e docente na Universidade do Porto

Se as consequências parecem óbvias, as causas nem tanto, a começar nas atitudes. Atribuir uma conotação negativa ao dinheiro promove sentimentos de medo, ou de culpa, que atrapalham a adoção de comportamentos saudáveis. Um deles, identificado na investigação, é o padrão de evitamento: para 18%, é preferível não pensar no estado das suas contas. O outro é a ansiedade financeira, que afeta sobretudo pessoas do sexo feminino menos escolarizadas e com rendimentos baixos. Contudo, ter literacia e desafogo na carteira não garante, per se, o bem-estar financeiro, uma vez que as crenças e atitudes moldam os comportamentos de poupança e de não endividamento.

“O dinheiro é de quem o poupa e não de quem o ganha, já dizia a minha avó”, observa Sérgio Cardoso, responsável do Doutor Finanças. Longe dos tempos em que vigorava a troca direta e em que a acumulação de riqueza era visível, em animais, propriedades e outros bens, “hoje usamos o dinheiro e não vemos o que os outros poupam, só vemos onde o gastam”. Em carros, férias, telemóveis, restaurantes…

Não admira, neste contexto, que seja tão difícil poupar: “Gostamos de ter exemplos para seguir e imitar e replicamos esses modelos sem conhecer o património que está por detrás deles.” E há outro aspeto, não menos relevante, a ter em conta: “Muitas vezes, quem tem os melhores comportamentos financeiros nem sempre o demonstra.”

Oh, doce ilusão!

A evidência científica permite afirmar que parte das dificuldades atravessadas por muitos se deve a más escolhas, mas o contrário também é verdadeiro. Sérgio Cardoso esclarece: “Se for ao supermercado e tiver folga financeira, é mais económico comprar uma embalagem grande, mas essa alternativa fica excluída caso não tenha capacidade para pagar o extra; a decisão consciente é levar a embalagem mais pequena.”

As distorções cognitivas são outra pedra na engrenagem. O especialista, com um MBA em Gestão, ilustra como: imagine que vai adquirir uma caneta com o custo de um euro, se lhe disserem que é mais barata na loja ao lado, é provável que vá lá; mas se for um telemóvel de 499 euros, que é um euro mais barato na loja da concorrência, o mais certo é que fique onde está, já que a diferença é mínima: “O desconto é o mesmo, embora pareça um grande negócio no primeiro caso e não no segundo, pois o cérebro pensa em termos de proporção.” Agora, veja-se o homem que, num dia de sol, passa num estabelecimento e vê um guarda-chuva a cinco euros; ao entrar nele num dia de chuva vai ter de desembolsar dez e pode sentir-se enganado: “As duas situações não são comparáveis porque o mesmo bem tem um valor diferente, mas o sentido de justiça sobrepõe-se ao racional económico.”

Assim se percebe como a subjetividade, ou os vieses da mente, limita a razão e modela as decisões de planeamento, poupança e investimento. Um exemplo comum – até pode ser o seu – é poder reservar uma quantia mensal e não fazê-lo, mas se for um filho ou um familiar a pedir, o desfecho será outro porque há um bom motivo para isso. Daqui se deduz que “as nossas finanças pessoais têm mais de pessoal do que de finanças.”

Na mesma linha, a tese de mestrado em Psicologia do economista Dennis Gomes Pereira, no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, mostra como as emoções nos tramam se não tivermos mão nelas. Ao medir as atitudes de uma amostra de 151 participantes (a maioria com escolaridade superior), concluiu: “Quem compreende melhor as suas emoções trata melhor o dinheiro, fazendo gastos conscientes.”

No polo oposto, a ansiedade financeira leva a melhor, à conta das decisões por impulso, como sucede com os cupões de desconto e das promoções limitadas, que levam muitos às compras: “Se deixam passar, ficam com um sentimento de perda; se aderem, ficam com a sensação de ter ganho, mesmo tendo gasto mais.”

Um caso sério

Alguém disse uma vez que “o dinheiro é provavelmente o objeto com maior significado emocional na vida contemporânea”. Esse alguém é Adrian Furnham, professor de Psicologia da University College de Londres. Conhecido mundialmente pelos insights académicos e práticos no mundo dos negócios, a ele se deve o Money Attitudes Questionnaire (MAQ).

Mário Boto Ferreira, investigador e docente da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, é autor da revisão de um artigo sobre a adaptação da escala para português e refere que o dinheiro pode ser um substituto para “amor” (equivalente a afeto), “poder” (ter controlo e importância), “liberdade” (via para ter autonomia e realizar metas pessoais) e “segurança” (colete salva-vidas emocional).

Pode este tipo de vínculo com o dinheiro representar um sintoma que, no léxico de Freud, é um substituto da satisfação? “Para quem enfrenta dificuldades, como baixos rendimentos, aumento das taxas de juro ou perda de emprego, o dinheiro torna-se uma obsessão”, avança o psicólogo.

Seguir o dinheiro Evoluímos indo atrás de melhores condições de vida. Com o dinheiro, cria-se um hábito, mas também uma obsessão, nota o neurocientista Rui Costa, CEO do Instituto Allen, nos EUA

Adivinha-se o que se segue: “A pessoa procura, por todos os meios, cortar nas despesas, vive preocupada com as contas e não paga umas para cumprir outras obrigações financeiras, que considera mais importantes, no final do mês.” Medidas de pouca dura: “Quando se esgotam os recursos emocionais e cognitivos, o comportamento financeiro cede mais à impulsividade.” Aqui, Mário Boto Ferreira sugere que se inverta a causalidade: “As pessoas não têm dificuldades financeiras por serem impulsivas; tornam-se mais impulsivas (cometem mais erros e más decisões) como resultado de longos períodos de dificuldades.”

Paradoxalmente, a tolerância ao risco é mais provável quando se sofre uma perda financeira (o clássico “perdido por cem, perdido por mil”). Eis um exemplo: “Entre um cenário em que há 50% de hipóteses de perder mil euros e outro em que fica sem 500 com 100% de certeza, tendemos a preferir o primeiro, que envolve risco.” O mesmo sucede nos jogos de sorte e nas escolhas financeiras: “Quanto mais endividado, mais disposto a correr riscos, que, eventualmente, levam a perdas acrescidas.”

Os estudos em psicologia social mostram que o contexto e a história de cada um determina a propensão para ser mais gastador ou cometer erros, especialmente quando a literacia financeira é pouca. O docente remata: “Quem cresce em ambientes onde se enfatiza o consumir agora e pagar depois fica mais vulnerável a desenvolver ‘maus’ hábitos de consumo, que trazem prazer imediato mas comprometem o futuro.”

Homem rico, homem pobre

No ano passado, o Gabinete de Proteção Financeira da DECO atendeu 30 mil casos de pessoas com problemas financeiros, um número que se mantém estável desde 2020. Natália Nunes, coordenadora, identifica um padrão: “As famílias que pedem ajuda têm, em média, um crédito à habitação, dois cartões de crédito e dois créditos pessoais.”

A experiência com estes casos permite-lhe afirmar que mudar este registo não é tarefa fácil: “Em vez de tentarem ajustar o orçamento e otimizar despesas, mantêm tudo como está e recorrem ao crédito na crença de que a situação se resolve por si.” A isto soma-se a tendência a relaxar no uso do cartão nas férias, “para aliviar a pressão”. Diante de novos incumprimentos, “tentam esconder o problema e a saúde mental ressente-se”.

Sair deste beco pode levar dias, meses ou anos. Natália Nunes lança um alerta: “Procurem ajuda antes de chegarem a uma fase crítica; se já lá estão, olhamos para o orçamento, tentamos cortar despesas, aumentar rendimentos e renegociar créditos.” O desafio é aprender competências e assumir o controlo das finanças pessoais: “Uma das regras é retirar 1% do rendimento mensal para a poupança.”

Em vez de tentarem ajustar o orçamento e otimizar despesas, mantêm tudo como está e recorrem ao crédito na crença de que a situação se resolve por si; face a novos incumprimentos, tentam esconder o problema e a saúde mental ressente-se

Natália Nunes, Coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da DECO

Costuma dizer-se que os ricos o são porque poupam e sabem aplicar o seu dinheiro (os que não o herdaram, pelo menos). Morgan Housel é um investidor conhecido pela arte de divulgar conceitos financeiros complexos e autor do livro A Psicologia do Dinheiro (Editorial Presença). Ciente de que as nossas decisões neste domínio se baseiam em questões de ego, orgulho e outras, em detrimento de dados objetivos, Housel sublinha que capitalizar implica investir desde cedo e saber esperar, como fez Warren Buffett. No livro, apresentam-se outros fatores que fomentam o enriquecimento: ser fiel a estratégias imperfeitas mas ancoradas em valores, perseverar (não subestimar o quanto pode mudar no futuro) e economizar sem ligar a opiniões alheias.

Voltamos a Sérgio Cardoso. Ressalvando que cada caso é um caso, comenta: “Muitos não têm paciência, querem tudo para ontem, não conhecem o longo prazo e entram em negócios que aparentam ter lucros rápidos.” Numa sociedade de aparências, o mito de Ícaro – voar muito perto do Sol – é uma aventura que sai cara: “Se ignorar o planeamento e a disciplina, pode chegar ao fim da viagem sem as coisas para as quais trabalhou.”

O dinheiro faz-nos felizes?

Corria o ano de 1973 quando foi lançado o icónico single Money, que catapultou os Pink Floyd para a fama, trazendo desafogo e abundância financeira à banda. Uma ironia, já que a letra de The Dark Side of the Moon denuncia o sistema capitalista e encara o dinheiro como a raiz de todo o mal, mas se ele comprar a felicidade…

Num artigo publicado no site do canal televisivo CNBC, a neurocientista Tara Swart Bieber, docente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, lançou um desafio aos leitores: se lhe saísse a lotaria, tivesse uma boa surpresa no mercado bolsista ou uma oferta de emprego muito bem paga, essa sorte inesperada traria felicidade duradoura? A resposta é não: “Embora o dilúvio de dopamina no cérebro leve ao êxtase, a adaptação à nova situação impede que ele se sustente no tempo.”

Na busca de uma ansiada satisfação, corre-se, por exemplo, à loja de vestuário mais próxima. A psiquiatra Margarida Braga, docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, explica assim o comportamento: “Este momento de prazer e bem-estar é o mecanismo que está à mão para aliviar sentimentos de ansiedade, depressão, tristeza e isolamento, mas depois vem a culpa, a vergonha e outras emoções negativas.” Fazer isto em demasia pode assumir contornos de doença. A oniomania, ou vício das compras, é uma adição comportamental que tem uma prevalência de 6% a 8% e chegou a estar na gaveta das perturbações obsessivo-compulsivas e do controlo dos impulsos.

Partindo da sua experiência clínica, a médica adianta que “as compras compulsivas de vestuário predominam no sexo feminino, a quem mais cabe a gestão do consumo doméstico e familiar e também pela maior pressão da propaganda”. No masculino, “querem mostrar à família que têm poder de compra e adquirem carros, férias ou casas, excedendo a sua capacidade económica, que é grave”.

Estratégias disfuncionais como as descritas tendem a surgir no início da idade adulta e ficaram mais evidentes durante a pandemia: “Com a expansão das compras online, elas tornaram-se aditivas para algumas pessoas, que obtinham uma gratificação momentânea, colmatando o isolamento social, o medo e outras fragilidades.”

Como se põe fim a esta servidão? “A relação entre bem-estar económico e felicidade não é tão óbvia como parece”, salienta a psiquiatra. “É preciso ter outra noção de bem-estar psicológico e de segurança emocional, que inclui a saúde e o relacionamento com outros, que são áreas que o dinheiro não compra.” 

Mesmo que apenas cumpra a função de pobre substituto de afetos e contentamento, o dinheiro dá jeito (até por se poder atirá-lo para cima de um problema estrutural, sem a intenção de o resolver). Além disso, ele tem um efeito analgésico, como sugerem os resultados de um estudo do departamento de Psicologia da Universidade Sun Yat-Sen, na China. Publicado na revista Psychological Science, mostrou que o dinheiro atua como um fármaco para a dor, amortecendo o desconforto físico e social, um fenómeno conhecido por “priming”. 

Mudar o mindset

A sapiência e a regulação emocional caminham juntas. Admitindo que “as necessidades aumentam à medida que aumentam as nossas posses”, o analista financeiro João Ermida entende que o dinheiro deve ser visto à luz dos “ciclos de vida, que não são sempre a subir”, que pressupõe o ajuste dessas necessidades no tempo. “Quando se questiona as pessoas que têm dinheiro sobre a razão por que querem mais e mais, quase todas respondem que isso lhes dá uma sensação de segurança”, acrescenta o consultor independente de investimentos, que “como sabemos, não é mais do que uma ilusão”. Em suma, “ter dinheiro não significa estar imune a contratempos; talvez somente se consiga gerir melhor os mesmos”.

Estamos no século XXI e falar do tema ainda é tabu. A humorista Luana do Bem trouxe o não dito para a mesa num episódio recente do programa televisivo Irritações, na SIC Radical: “Cresci a ouvir que falar de dinheiro é feio e deselegante (…) e chega-se à idade adulta com um desconhecimento profundo.” Isso vê-se, por exemplo, numa entrevista de emprego; na hora de falar sobre expectativas salariais, não se sabe como lidar, por medo ou falta de jeito: “É bizarro, porque o dinheiro controla tudo.”

A diferença entre os ganhos possíveis e os mais satisfatórios, mesmo tendo em conta o fator sorte, pode estar na atitude. Ceder ao pessimismo, por exemplo, dificulta o processo de aprendizagem, adverte o colunista norte-americano Jason Zweig, baseando-se no que aprendeu com o psicólogo e Nobel da Economia, Daniel Kahneman, de quem foi colaborador.

A promessa do “manifesting”, ou mentalidade orientada para a abundância, ganhou asas nas redes sociais durante a pandemia e aproxima-se do pensamento positivo. Há quem se reveja na tendência e siga por aí. “Procurar soluções em vez de focar-se nos problemas mudou a minha vida”, assegura Jana Couto, mentora em finanças pessoais e investimentos. Tinha 25 anos quando decidiu empenhar-se na construção da sua liberdade financeira, gastando menos e criando formas de obter dinheiro extra. No espaço de quatro anos, a página Finanças da Jana, lançada no Instagram (atualmente tem 130 mil seguidores), deu lugar ao site com o mesmo nome e ao livro Como ter mais dinheiro – Saiba o que tem de mudar na sua mente e na sua vida (Contraponto).

A mensagem resume-se a deixar de viver para pagar contas e a abraçar uma nova jornada em quatro passos: gerir, poupar, ganhar mais e investir. Parece simples, mas é um desafio para levar a sério. Jana reconhece que aprendeu a adiar a recompensa e a criar metas no ambiente familiar: “Aos nove anos, guardava o dinheiro que me davam e pensava que, quando fosse grande, podia escolher o que fazer com ele.”

A quem recorre aos seus serviços, a educadora financeira faz saber que qualquer altura é boa para mudar a agulha e criar riqueza a partir do zero e, nas formações, identifica um erro frequente: “Falham mais na gestão do que têm; não vale a pena ganhar mais para gastar mais.” Por fim, sublinha, a melhor das intenções não tem resultados se “acreditar que o dinheiro é uma fonte de problemas, que é difícil tê-lo ou tem de se fazer o que não se gosta e associar riqueza a mau caráter e falta de generosidade”. O remédio é “desconstruir bloqueios, que limitam a pró-atividade”.

A este respeito, há uma boa razão para evocar Maya Angelou, homenageada por Barack Obama. A escritora e ativista norte-americana acreditava que só nos realizamos verdadeiramente através daquilo que amamos e dava o seguinte conselho: “Não faça do dinheiro o seu objetivo. Em vez disso, persiga o que ama fazer e faça-o tão bem que as pessoas não vão conseguir tirar os olhos de si.” A cada um o seu “manifesting” e neuroquímica a condizer.

Retrato do nosso bem-estar financeiro

Um estudo recente sugere que os portugueses têm uma relação pouco saudável com as suas finanças pessoais, o que contribui para consequências indesejadas 

50%
Sentem-se ansiosos quando pensam nas suas finanças pessoais e 22% admitem que preocupar-se com o dinheiro limita o sucesso profissional

64%
Têm um baixo nível de conhecimento financeiro e só 36% responderam corretamente às três questões colocadas, sobre taxas de juro, inflação e risco (diversificação)

27%
Um em cada quatro portugueses tem dificuldade em pagar contas e cumprir obrigações financeiras, mas só 22% têm a perceção de estarem endividados

47%
Experimentam dificuldades económicas e não podem fazer algumas coisas com amigos por não terem dinheiro para isso

45%
Nunca fizeram investimentos (certificados de aforro, planos poupança e reforma, ações, EFT)

17%
Não têm forma de responder a uma despesa inesperada de dois mil euros no próximo mês e a 42% falta um fundo de emergência para três meses (doença, desemprego, etc.), ou seja, estão mal de poupanças 

Fonte: O Bem-estar Financeiro em Portugal: Uma Perspetiva Comportamental. Doutor Finanças, Laicos 2024, NOVA Marketing Analytics Lab

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Qual é o seu perfil financeiro?

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A história é conhecida: um homem pede a um amigo que lhe empreste 50 euros, mas o amigo, consultando a carteira, verifica que, naquele momento, apenas dispõe de 20 euros. “Não faz mal: ficas a dever-me trinta…”, responde o primeiro. Foi mais ou menos no quadro deste tipo de lógica que a Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, em 2015, adquiriu a TAP. Estas revelações, que já tinham sido “destapadas” pela comissão parlamentar de inquérito à gestão da companhia aérea, foram esta semana confirmadas pelo explosivo relatório de uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças que, encontrando indícios de possível crime, anunciou que vai remeter o processo para o Ministério Público. A bomba cai no colo deste Governo, visto que o caso envolve diretamente o atual ministro das Infraestruturas, que era secretário de Estado da pasta, à data dos factos, tinha o dossier da TAP e que, agora, volta a ter, de novo, essa incumbência. Miguel Pinto Luz, aliás, no seu depoimento na CPI, em 2023, declarou que tudo tinha sido transparente. Mas uma carta da Gateway, divulgada pela Parpública junto da mesma CPI, e que tinha sido enviada à agência estatal, logo após a concretização da privatização, descreve bem os contornos do negócio. David Neeleman obteve um financiamento da Airbus de 226 milhões de euros, que lhe permitiu comprar a TAP. Mas deu garantias de que, em troca, a companhia iria comprar 53 aviões à Airbus. Ou seja, a privatização da TAP só foi possível mediante garantias e dinheiro da própria TAP, e o investidor não pôs lá, praticamente, nenhum capital.

Acresce que o preço pago por esses 53 aviões ultrapassava em muito os preços correntes. No mesmo passo, a TAP aceitava desistir da compra de 12 aparelhos A350, no quadro de um contrato que tinha firmado com a Airbus numa fase muito embrionária do mercado. Os A350 foram, portanto, adquiridos por um preço muito inferior ao que valiam à data da privatização: eram aviões de última geração, mais económicos no consumo de combustível, e a procura era, agora, muito superior à oferta. Com a desistência da TAP, a Airbus ficou livre para vender aquelas 12 aeronaves a preço muito superior – e a companhia portuguesa deitou para o lixo um excelente negócio. O caso faz arder as mãos de Luís Montenegro como castanhas quentes. É que não é só o nome do ministro Pinto Luz que se vê, assim, envolvido, de novo, no caso: a pessoa que acaba de indicar para a Comissão Europeia, Maria Luís Albuquerque, também sai chamuscada. É que a nova comissária era ministra das Finanças, com a tutela da Parpública, e as privatizações tinham de passar pelo seu crivo. É claro que este negócio ruinoso para a TAP, uma vez concretizado, era um problema, agora, dos privados. Mas era a própria sustentabilidade de uma companhia estratégica que estava em causa, e isso não terá sido levado em conta pelos responsáveis políticos. Já a reversão da privatização, com uma choruda indemnização a David Neeleman – sem nunca ser confrontado com a duvidosa engenharia financeira que lhe permitira ficar com a TAP de borla… –, então da responsabilidade do governo socialista, é o passo seguinte de um processo que nasceu torto e nunca se endireitou: veio a pandemia, os aviões pararam (na foto acima vê-se o estacionamento em que se tornou o Aeroporto Humberto Delgado, enquanto contentores com ventiladores são descarregados na pista…) e a fatura foi apresentada aos contribuintes.

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O passado nunca morre nem desaparece completamente, mesmo quando pensamos que já o esquecemos. Tanto que, com frequência, algumas sombras do passado acabam por regressar em força, criando-nos a sensação de que a História se repete e que, ao contrário do que julgávamos, não soubemos identificar os sinais de alarme e, muito menos, evitar a persistência dos mesmos erros.

É impossível não ver algumas sombras do passado nos resultados das eleições regionais que abalaram a Alemanha, no último domingo, com a vitória do partido de extrema-direita AfD na Turíngia, precisamente o mesmo estado que, em 1933, foi o primeiro onde os nazis participaram num governo, iniciando um movimento que, em cerca de dois anos, acabaria por levar Adolf Hitler ao poder, em Berlim.

As semelhanças não se esgotam nos resultados eleitorais. Elas são também evidentes em muitos aspetos da realidade que existiam há 94 anos e que do mesmo modo se observam atualmente: uma crescente polarização política, o enfraquecimento das condições de vida da classe média, uma perceção de incerteza e de insegurança em relação ao futuro da sociedade, o recrudescimento da intolerância e, acima de tudo, uma galopante desconfiança face à capacidade das lideranças políticas para resolverem os problemas mais prementes.

Num livro recente sobre a queda da democracia na efémera República de Weimar (1918-1933), que marcou a história da Alemanha entre as duas guerras, o jornalista Harald Jähner sublinha a importância que o sentimento de intolerância e de permanente crispação teve na ascensão do nazismo. De certa maneira, equipara-o até aos problemas resultantes da hiperinflação e da dramática crise económica com que os historiadores costumam explicar o ambiente que levou, em pouco tempo, os alemães a escolherem Hitler para os governar.

Nessa época, conforme explica Jähner em Vertigo, embora vivessem numa sociedade vibrante e revolucionária em termos artísticos, científicos e nos costumes, os alemães estavam tão profundamente divididos que até o ângulo do telhado de uma casa – plano ou inclinado? – alimentou furiosas guerras culturais, como se fossem uma questão de vida ou de morte. Aos poucos, a intolerância varreu todos os debates públicos e, quando chamados a eleições, desprezaram os partidos do centro e passaram a preferir os extremistas, dos dois lados. Por isso, quando Hitler alicerçou o seu poder, a maioria dos alemães não lamentou o fim da democracia – embarcou, antes, num delírio coletivo com os resultados trágicos que conhecemos.

Noutro livro recente, A Hora dos Lobos, já publicado entre nós, o mesmo Harald Jähner explica como, após o final da II Guerra Mundial, os mesmos milhões de alemães que levaram os nazis ao poder se transformaram todos, repentinamente, em vítimas de um regime que queriam apagar das suas memórias. A desnazificação da sociedade alemã, como bem descreve Jähner, não foi, no entanto, um processo introspetivo profundo e completo, tanto a nível intelectual como coletivo. Por isso, a amnistia em relação a “muitos erros e infrações” foi a solução para tentar reerguer o país, no pós-guerra. “O governo federal está determinado em deixar o passado no passado, na convicção de que muita gente já pagou por uma culpa que subjetivamente não é grave”, declarou Konrad Adenauer, no seu discurso inaugural como chanceler. “Por outro lado, está ainda mais definitivamente determinado a retirar do passado as lições necessárias em relação a todos os que ameaçam a existência do nosso Estado”, acrescentou, criando os alicerces de um sistema que está, novamente, sob ameaça.

As sombras do passado mais terrível pairam de novo sobre a Alemanha e, em consequência, no resto da Europa. E as lições desse tempo merecem ser recordadas para não se permitirem os mesmos erros ou cair em armadilhas semelhantes. O que parece cada vez mais evidente é que, face ao avanço da extrema-direita, não basta continuar a gritar que vem aí o lobo mau. É preciso, isso sim, restituir a confiança das pessoas na democracia, na justiça e na solidariedade. E perceber que a História, afinal, pode repetir-se – da forma mais trágica.

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Quando, em 1952, saiu o número 4 da revista coimbrã Sísifo, dirigida por Manuel Breda Simões, três textos chamavam a atenção sobre Sebastião da Gama (SG): logo na abertura, uma nota da direção a dar conta do falecimento do poeta, contando que a notícia da sua morte chegara quando a revista estava “em andamento” e já integrava o poema inédito “Anunciação”, que nesse número se publicava (o segundo texto); na página seguinte, sob o título “Uma carta do Poeta”, surgiam as respostas de SG, redigidas aquando do seu regresso do Marão (onde fora em meados de setembro de 1951), a um conjunto de quatro questões que uma carta de Breda Simões lhe fizera chegar.

As três primeiras perguntas debruçavam-se sobre o percurso biobibliográfico do poeta, mas a quarta recaía unicamente sobre a arte poética: “Que pensa da Poesia em geral e da sua própria Poesia?”

A resposta do autor de Campo Aberto, obra publicada em fevereiro de 1951, foi telegráfica, sem se desviar do assunto: “Minhas ideias acerca da poesia. Vide: “Louvor da Poesia”, in Campo Aberto. Será tudo? Olhe que a resposta ao n.º 4 não é para posar. É que só nos versos sei o que penso da Poesia.” De forma simples e objetiva, Sebastião da Gama separava o poeta da pessoa que era, assumindo a existência de uma biografia literária, responsável pelo acto e pelo percurso poéticos.

O “campo aberto” da Poesia  No poema, de três estrofes, datado da Arrábida em 7 de fevereiro de 1950, o “louvor da poesia” é assim justificado: “Dá-se aos que têm sede, / não exige pureza. (…) // Sabe a terra, a montanhas, / caules tenros, raízes, / e no entanto desce / da floresta dos mitos.” A poesia como dádiva a quem se predispõe a recebê-la e a quem a procura, o trabalho do poeta, afinal, numa atitude de adesão ao seu tempo e ao seu espaço, à vida (…).

A ideia expressa no poema “Louvor da Poesia” surge como a amplificação do eco vindo do dístico que abre Campo Aberto: “Tudo frutificou: o campo estava aberto, / deu conchego e raiz a todas as sementes.”

(…)

Em 12 de agosto de 1947, em “Noturno”, poema incluído em Cabo da Boa Esperança, saído nesse mesmo ano, surgia um retrato do ambiente requerido para o tempo poético: “Era um murmúrio longo de ondas mansas… / Um cochichar de Estrelas curiosas… / Um concerto de grilos tresnoitados… / Mais presente que tudo, aquele enorme / silêncio religioso, imagem pura / dos ouvidos atentos do Poeta…”

O título escolhido para esta poesia reunida, O Inquieto Verbo do Mar, resulta da opção por um verso do poeta e justifica-se por uma simultaneidade de linhas de leitura em Sebastião da Gama

Os elementos vão-se juntando mansamente, num perscrutar dos sons da Natureza — uns, reais, como o som das ondas ou o estridular dos grilos; outros, sugeridos, como o segredar entre estrelas —, favorecedores do encontro com um “silêncio religioso” ouvido pelo poeta.

A audição é, de resto, uma das linhas que percorre a sua poesia, captada, preferencialmente, a partir da Natureza, cujos sons se transformam em música (…) Não por acaso, o primeiro poema de Serra-Mãe fala-nos de “melodia” e de “som” e o segundo intitula-se “Harpa”.

A partir do poema “Noturno”, podemos descobrir como linhas fortes desta poesia a atenção dada ao mar (calmo ou bravo, rumorejando ou espelhando, no ambiente de paisagem ou de trabalho para os pescadores), aos animais que povoam os espaços frequentados pelo poeta, ao céu (que se manifesta pelas estrelas, pelo luar, pelo sol), ao silêncio (que não significa ausência de ruído em absoluto, mas possibilidade de captação dos sons que constituem a orquestra da Natureza, apresentando-se esta como um Outro com quem o poeta se relaciona). (…)

Campo Aberto foi publicado em meados de fevereiro de 1951, não tendo incluído o poema “Viesses tu, Poesia…”, composto a 10 desse mês, depois inserido na obra póstuma Pelo Sonho É que Vamos (1953). Neste poema, a poesia é associada a uma fada, dotada de vara mágica, que tem o poder de contribuir para a nomeação e para a (re)descoberta — “Bem sei: antes de ti foi a Mulher, / foi a Flor, foi o Fruto, foi a Água… / Mas tu é que disseste e os apontaste: / — Eis a Mulher, a Água, a Flor, o Fruto. / E logo foram graça, aparição, presença, / sinal…”.

Força (re)criadora, responsável por conferir naturalidade e beleza ao universo, garantia de equilíbrio, regeneradora, numa relação de proximidade e intimidade com o poeta, num tratamento por “tu”, ela é invocada no seu poder: “Ó Poesia!, viesses / na hora desolada / e regressara tudo / à graça do princípio…”

Cantar a vida Ruy Belo foi o primeiro prefaciador de Sebastião da Gama, que não o conheceu pessoalmente, tendo mesmo dado nota desse pormenor no texto que escreveu em 1970 para abrir a segunda edição de Pelo Sonho É que Vamos, vinda a público no ano seguinte.

Considerando ser este “o seu melhor livro”, depois de um percurso de crescente maturidade, afirma sobre esta obra: “Bastam os poemas que temos diante para catalogar Sebastião da Gama como aquilo que fundamentalmente ele foi: um cantor da vida, das coisas belas da vida, dos sentimentos nobres, da pureza.”

Não será difícil ver a proximidade entre “Viesses tu, Poesia…”, a apreciação de Ruy Belo e aquilo que SG pensava da poesia e da forma de a mostrar aos seus alunos, quando registou no Diário, na entrada de 9 de março de 1949, a justificação para ter organizado uma Semana da Poesia: “O Poeta beija tudo, graças a Deus… E aprende com as coisas a sua lição de sinceridade… E diz assim: ‘É preciso saber olhar…’ E pode ser, em qualquer idade, ingénuo como as crianças, entusiasta como os adolescentes e profundo como os homens feitos… (…)”

Bastam os poemas que temos diante para catalogar Sebastião da Gama como aquilo que fundamentalmente ele foi: um cantor da vida, das coisas belas da vida, dos sentimentos nobres, da pureza

ruy belo

Depois, vem a justificação prática deste desvendar o poder transformador da poesia e a necessidade de o incutir nos jovens alunos: “É preciso, subtilmente, deitar-lhes no sangue este veneno — não tanto para que gostem de versos ou saibam versos de cor, como para que olhem o mundo através da janela da Poesia (…).”

O poeta faz questão de se manter fiel à sua temática, aos seus motivos inspiradores, ao seu cenário de poesia, num trajeto quase linear de convicção — data de 28 de dezembro de 1948, um pequeno poema, “Arte poética”, divulgado numa das mais recentes obras póstumas, Estevas (2004), em que advoga o fim do seu estado de poeta se existir o desvio na sua motivação: “Quando em meus versos nada houver que lembre um ninho, / então sim! — chorem a minha morte.”

Talvez não tenha havido ninguém a melhor definir os conteúdos da poesia de SG que não ele próprio — se recuarmos no tempo até 1942 (ano em que tinha 18 anos), o poema “Testamento”, datado de 20 de janeiro, até agora inédito, pretendia garantir as marcas por que o poeta queria ficar alinhado, sugerindo, em tom algo humorístico, que, após a sua morte, fosse enterrado na Arrábida, rodeado de alecrim e de rosmaninho, com um letreiro feito de conchas contendo os seguintes dizeres: “Aqui dorme seu sono derradeiro // (…) um doido que viveu a versejar / a Arrábida, a Mulher, a Lua, o Mar.”

Arrábida sempre presente

A Arrábida tornou-se, desde cedo, o espaço e o motivo poético privilegiado de SG. Se Serra-Mãe, publicado em 1945, a enaltece no título e num dos mais longos poemas, que tem título homónimo do livro, a verdade é que a serra está presente desde os seus versos mais recuados que se conhecem, assim tomando lugar de primazia nas imagens apresentadas. (…)

De 1939, são-lhe conhecidos textos (…) em que a serra aparece (…) respirada pelos sentidos, dimensão que podemos ver em muitos poemas vibrantes de uma flora que, exaustivamente, o poeta mostra — entre flores, arbustos, vegetação rasteira e árvores, algumas trazidas para título de poemas, muitas atapetando os versos (…).

Num poema de dezembro desse ano, “Arrábida”, o nome da serra aparece apenas no título, mas o texto desenvolve os atributos que lhe conferem o merecimento dos versos — “um canteir’ abençoado / que pasma toda a gente”; “linda serra” rodeada por um “mar muito calmo / verde, azul e prateado”, que “um salmo / sói cantar, quand’ encrespado”; “vista, / que encanta muit’ e deslumbra” (…)

Certamente próxima desta visão está a admiração do poeta por Frei Agostinho da Cruz, o eremita que passou na Arrábida os derradeiros 14 anos da sua vida e que também sobre ela poetou. As referências do poeta do século XX ao seu “irmão” do século XVI surgem evidentes na epígrafe com que abre Serra-Mãe, construída com versos do franciscano — “Oh Serra das Estrelas tão vizinha: / Quem nunca de ti, Serra, se apartara…”

Na mesma obra, a imagem do frade passa ainda por “Elegia para a minha campa” e por “Versos para eu dizer de joelhos”. E, nos títulos subsequentes, ele aparece em A Região dos Três Castelos (1949), Campo Aberto (“Palavras a Frei Agostinho”), Itinerário Paralelo (“Confidência”), Estevas (“Romance do Lima”), Diário (em registo de 11 de Outubro de 1949), O Segredo É Amar (“Páginas de Diário” e “Folhas de Jornal”), havendo ainda outros textos que o referem, presentes nos “Poemas Dispersos” (…) e nos “Poemas Inéditos” (…).

A literatura: entre as formas, os autores e os temas

Pelos poemas de SG passa também o reflexo do conhecimento da história literária portuguesa e de muitos dos seus autores, uns invocados, imitados outros — por um lado, na escolha de formas e tipologias, como “vilancete”, “soneto”, “cantar de amor”, “epigrama”, “cantiga de amigo”, “écloga”, “elegia”, “ode”, “madrigal”, “cantilena” ou no recurso a formas populares como a quadra ou no uso de referências advindas da literatura oral, como as lendas; por outro, na menção de referências à lírica trovadoresca e a nomes como Alexandre Herculano, António Botto, António Feijó, António Nobre, Bernardim Ribeiro, Bocage, Camilo, Camões, David Mourão-Ferreira, Diogo Bernardes, Eça, Fernando Pessoa (e nos heterónimos Campos e Caeiro), Guerra Junqueiro, João de Deus, José Duro, José Régio, Júlio Dantas e Nicolau Tolentino.

Mas passa também a voz popular, quer por lhe dar lugar de motivo em epígrafe (“Roma”), quer pelo reconhecimento do que deve às origens (“Nasci pra ser ignorante”) ou por ir buscar a imagem do povo e de figuras que constituem a sua paisagem, impregnados do seu saber, para muitos dos seus poemas.

Este conjunto possibilita-lhe que na sua obra corram o tom sério e o humor, os temas mais frequentes da literatura (como o amor, a morte, a alegria de viver, a espiritualidade, a contemplação, o espírito do local, o seu tempo, a Grande Guerra — de que foi contemporâneo—, entre outros) e o traçar de um caminho em que o lirismo se impõe, tal como legou registado num dos últimos textos que escreveu, não concluído, que seria para uma futura conferência sobre António Sardinha (incluído em O Segredo É Amar), iniciado em guisa de manifesto: “Cabe aos poetas mostrar a grandeza da Vida” (…) Dois parágrafos adiante, na mesma conferência, explica: “A nobreza da Poesia (…) está (…) nisso de se procurar e se encontrar em todos os lugares em que está; nisso de não querer saber da convenção que faz de uns temas poéticos, de outros apoéticos.

Que a verdade é que não há temas poéticos e temas que o não são; nem há temas sequer: há sentimentos, há momentos da alma e momentos da paisagem, há acontecimentos, há coisas – e há Poetas em face de tudo isso.” (…)

Inquieto verbo do mar

O título escolhido para esta “poesia reunida”, O Inquieto Verbo do Mar, resulta da opção por um verso do poeta e justifica-se por uma simultaneidade de linhas de leitura em SG — o desassossego do poeta na escuta e na procura, a força da palavra essencial, o mar como um dos signos de eleição e de inspiração —, aqui se encontrando:

a) Serra-Mãe, primeiro livro, com poemas escritos entre 1943 e 1945 (…);

b) Loas a Nossa Senhora da Arrábida, de 1946, (…) que integra algumas estrofes do poeta popular Miguel Caleiro, falecido em 1935;

c) Cabo da Boa Esperança, segundo livro, em que, dos poemas datados, o mais antigo é “Maré alta”, de 4 de novembro de 1945, e o mais recente, o único que Sebastião da Gama fez aparecer com dedicatória em livro, de 9 de novembro de 1947, “Ode a um amigo morto”;

d) Campo Aberto, terceiro e último livro publicado em vida, com poemas produzidos entre 1947 e 1950 (…);

e) Pelo Sonho É que Vamos, a primeira obra póstuma, título ainda escolhido pelo autor, que integra textos criados entre 17 de dezembro de 1950 e 8 de dezembro de 1951, “Fé”, o último poema do autor;

f) Itinerário Paralelo, com versos escritos entre novembro de 1942 e agosto de 1947;

g) Não Morri porque Cantei, que reúne quadras da juvenília do autor, da primeira metade da década de 1940;

h) Estevas, (…) que contém poemas concebidos entre 1947 e 1950;

i) Lenda de Nossa Senhora da Arrábida (…), de 1942, apenas publicada em 2014;

j) “Poemas Dispersos”, que integra cerca de 70 poemas escritos entre 1939 e 1950, surgidos dispersamente por variadas edições (publicações periódicas, livros de curso, antologias) (…);

k) “Poemas Inéditos”, conjunto de quase 300 textos só agora publicados, datados do período entre 1939 e 1950. (…)

De ambição é feito o mercado, e sobretudo o automóvel, que tem lidado com uma transição muito acelerada ao longo das últimas décadas. Mas também é preciso saber quando dar um passo atrás, para que não se comprometa o percurso. A Volvo não quis, até agora, dar o braço a torcer, mas anunciou esta quarta-feira que, apesar dos seus esforços, deixou cair a determinação de chegar 100% elétrica a 2030.

Agora, o objetivo é garantir que 90% a 100% das suas vendas são de veículos eletrificados – o que inclui também híbridos plug-in – uma vez que as condições de mercado se alteraram, referiu o CEO da Volvo, Jim Rowan, esta manhã, durante a apresentação do seu novo desportivo totalmente elétrico.

“Estaremos prontos para nos tornarmos totalmente elétricos nesta década”, referiu ainda o responsável da marca, acrescentando que “os clientes e os mercados andam a diferentes velocidades “. As vendas dos veículos elétricos têm estado a cair, a nível global, sobretudo devido aos seus preços ainda 20% a 30% superiores aos que têm motores a combustão.

As recentes determinações da Europa, dos EUA e do Canadá sobre a aplicação de tarifas alfandegárias mais altas sobre os automóveis produzidos na China estão  também a contribuir para esta alta dos preços, numa altura em que o setor automóvel se debate com vários desafios.

Ainda esta semana a Volkswagen anunciou que planeia fechar fábricas e despedir trabalhadores, na Alemanha, para contrariar o peso nas contas de um mercado em contração.

Analistas do HSBC ouvidos pelo Financial Times estimam que as vendas dos automóveis elétricos representem 14,8% das transações globais na Europa, o que compara com os 14,5% registados no ano passado.