Na fábula portuguesa de O Velho, o Rapaz e o Burro, a personagem principal, “o velho”, vai ouvindo críticas, à medida que atravessa a aldeia. Ou porque o rapaz monta o burro e o homem velho e cansado é que vai a pé; ou porque é ele que cavalga a azémola e a pobre criança é que tem de caminhar; ou porque ambos usam a montada e estão a sobrecarregar o desgraçado do animal; ou porque ambos se apeiam em vez de usarem o burro. O velho já não sabe o que há de fazer. Em desespero de causa, velho e rapaz acabam por levar o burro às cavalitas, provocando a chacota geral. No final, o velho decide voltar à primeira forma e conclui, em jeito de moral da história: “Rapaz, vamos como dantes, sirvam-nos estas lições. É mais tolo quem dá ao mundo satisfações.” Claro que um primeiro-ministro de um país democrático tem de dar permanentes satisfações “ao mundo” dos seus concidadãos. E também é evidente que, se estiver a trabalhar bem, nunca satisfará todos eles e, em muitas ocasiões, terá mesmo de desagradar à maioria. Portanto: deve um primeiro-ministro usar o erário público para viajar e assistir a uma prova desportiva? Uma parte do “mundo” dirá que o político apenas procura promover-se. Outra parte, mais populista e boçal, dirá que ele foi viajar “à nossa custa”. Garantido é o facto de que “o mundo” o criticará se for. Mas “o mundo” criticá-lo-á, também, se não for: porque desprezou atletas que mereciam um reconhecimento do Estado e ignorou aqueles que, com trabalho e suor, representavam o nosso país. Se aparece na fotografia ao lado das medalhas, está a aproveitar-se. Se não houver medalhas, não se sabe o que foi para lá fazer. Se Montenegro vai, é porque quer capitalizar politicamente, à custa dos nossos atletas. Se não vai, é porque os políticos só dão importância ao futebol. A demagogia serve aos dois lados: aos governos e às oposições. Os mesmos responsáveis políticos que criticaram a deslocação do primeiro-ministro, enquanto urgências do SNS fechavam, sabem que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa: as urgências continuariam fechadas se ele não fosse.
Não é possível “tapar a boca ao mundo”, como diz, na nossa fábula, “o velho”. Mas é possível questionar os responsáveis políticos. Estes e os anteriores. Uma boa parte do “mundo” – continuamos no registo da fábula inicial –, talvez mais esclarecido dirá que o Governo faria melhor se, sem embargo de aparecer em momentos como estes, desse mais apoio aos atletas e ao desporto nacionais; que seria preferível ter políticas públicas estruturadas de promoção da prática desportiva, a começar nas escolas. Quando o primeiro-ministro diz que Portugal teve um resultado honroso e ajustado à dimensão da sua população, ignorou os resultados da Bélgica (população equivalente, dez medalhas, três de ouro); da Hungria (menos um milhão de habitantes do que nós, 19 medalhas, seis das quais de ouro); da Croácia (pouco mais de um terço da nossa população e sete medalhas, duas das quais de ouro); da própria Sérvia, pouco mais de metade da nossa população, e que nem faz parte da UE (cinco medalhas, três de ouro); da Irlanda (metade da nossa população, sete medalhas, quatro de ouro); da Áustria (cinco medalhas, duas de ouro e menos um milhão de habitantes do que nós); da Grécia, população equivalente, com o dobro das nossas medalhas (embora com menos uma medalha de prata). E já nem vamos aos nórdicos (a Finlândia, sem medalhas, guarda-se para os Jogos Olímpicos de Inverno). Com um 18º lugar, entre os países da UE, Portugal só bate quatro deles, entre os que ganharam medalhas, todos muito mais pequenos. E ninguém exigiu medalhas a “potências” tão poderosas como Malta, Luxemburgo, Letónia ou Estónia – que, mesmo assim, nestes dois casos, também terão medalhados no inverno. O que se pode e deve criticar a Montenegro não é a deslocação nem o traje (já lá vamos): é a falta de um discurso autocrítico e de uma ideia concreta para melhorar. Pelos resultados de Tóquio e de Paris, vê-se que Portugal está no bom caminho. Mas, tal como nos números da economia, o seu crescimento continua anémico.