Existem informações contraditórias, mas só o facto de estar a decorrer uma «negociação» em que dois se unem contra um terceiro não parece um modelo destinado ao sucesso. A Europa e outros países aliados terão de continuar a apoiar e proteger a Ucrânia.

  1. O irmão gémeo de Putin, o senhor Trump, ainda não deixou de ameaçar diretamente Kiev e Zelensky, usando sempre o mesmo argumento: se Zelensky não ceder, os EUA deixarão de fornecer apoio militar e financeiro. Uma autêntica tramóia.
  2. O outro, vindo de mães diferentes, tem uma posição há muito definida. Acordos para tréguas ou cessar-fogo só acontecerão com o congelamento das «fronteiras» atuais da frente de batalha. Donbas e Crimeia estão fora da mesa negocial. Sendo muito ardiloso, faz circular notícias que sugerem a sua vontade em devolver à Ucrânia as suas fronteiras originais. É um típico truque de roleta russa.
  3. Zelensky está sujeito à máxima pressão possível: precisa de proteger os cidadãos ucranianos e o seu território. Obviamente que deseja pôr fim ao conflito para construir uma solução sustentável, mas tem consciência clara de que qualquer decisão precipitada poderá levar ao fracasso interno e externo da sua presidência.

Falta ainda um elemento-chave, talvez decisivo, nestas «negociações»: a presença da Europa, em igualdade de condições, para discutir e eventualmente chegar a um acordo. Se tudo avançar num bom sentido, e essa possibilidade existe, chegará o momento em que António Costa e Ursula von der Leyen terão de se sentar numa mesa negocial ao mais alto nível. Cresce na Europa um sentimento claro: todos querem colocar Trump na ordem! E, caso isso seja impossível, deixem-no a falar sozinho. É possível, é viável e desejável.

1 – APROXIMOU-SE DAS PESSOAS

É verdade que o jesuíta Francisco foi o primeiro Papa da América Latina, nascido e criado no centro histórico de Buenos Aires, e só isso já bastaria para o fazer ficar na História. Mas a força com que a figura de Jorge Bergoglio – que morreu, aos 88 anos, na última segunda-feira, 21, após ter estado internado com uma infeção respiratória – sempre se impôs também vem de algo muito pouco concreto e difícil de sintetizar: do seu estilo. Na maneira como cultivou a simplicidade, como rejeitou viver no Palácio Apostólico e preferiu ficar na Casa de Santa Marta, por exemplo. Ou na forma como se dirigiu aos outros, privilegiando os mais excluídos dos excluídos (os presos, a quem lavou os pés, no ritual litúrgico da Quinta-Feira Santa). Num mundo sem grandes referências morais, políticas ou espirituais, Francisco foi um líder carismático e fez questão de se aproximar das pessoas, de falar com todos – crentes e não crentes. 

Foto: Fabio Frusta/ LUSA

O professor Paulo Mendes Pinto, da Universidade Lusófona, costuma dizer que o Papa Francisco se transformou na “caixa de ressonância do mundo”. É irónico, mas, não raras vezes, até foi mais acarinhado pelos não crentes do que pelos crentes. Na opinião do teólogo Juan Ambrósio, da Universidade Católica, todos “sentem necessidade de vozes lúcidas, capazes de abrir caminhos de esperança”. Conta-se que, quando Bento XVI resignou, Bergoglio chegou a Roma para participar no conclave apenas com uma pequena mala de viagem. Já havia enviado a renúncia do arcebispado para Roma, obrigatória após os 75 anos, tencionava reformar-se e viver o resto dos seus dias em Flores, o bairro onde nasceu. Hoje, é mais ou menos consensual que começou a ganhar a eleição quando fez uma curta intervenção, com críticas dirigidas ao interior da instituição. Revelou depois o cardeal Jaime Alamino, arcebispo de Havana, que Francisco criticou a Igreja “autorreferencial, doente do narcisismo, que dá lugar a esse mal que é a mundanidade espiritual, esse viver para dar glória uns aos outros”. 

Já eleito, “o Papa do fim do mundo” não vergou nas opiniões. Continuou a ser duro nas críticas dirigidas à Igreja (envelhecida e, pior do que isso, empedernida), à Cúria e, sobretudo, àquilo que designou como “a peste do clericalismo”. A postura valeu-lhe inúmeras oposições, acusaram-no de ser marxista e, quando a saúde o debilitou, as alas mais conservadoras alimentaram rios de tinta sobre uma eventual resignação. Fez o que se deve fazer às provocações: ignorou e, por vezes, usou o humor. Respondeu: “O Papa não governa com as pernas, governa com a cabeça.” Não se sabe ao certo se esta frase foi alguma vez efetivamente proferida, mas, como manda o “velho” John Ford, na dúvida, imprima-se a lenda. 

2 – OLHOU PARA “AS PERIFERIAS”

Francisco foi eleito a 13 de março de 2013. Pouco tempo depois, logo a 8 de julho, realizou a primeira viagem do seu pontificado. Havia ficado impressionado com um naufrágio no canal da Sicília e, por isso, dirigiu-se para a ilha de Lampedusa, no Sul de Itália, para se encontrar com migrantes que tinham acabado de atravessar o Mediterrâneo. Quando uma parte significativa do mundo começava a fechar-se ao outro, a atenção dada por Francisco aos migrantes é um dos seus maiores legados. Três anos depois, em 2016, voltou a marcar a agenda mediática com os seus gestos simbólicos contra a “indiferença” e visitou também os refugiados na ilha grega de Lesbos. Saiu de lá com 12 sírios e levou-os para Roma.  

Em 2023, dez anos após a primeira viagem ao Mediterrâneo, continuou sem esquecer da tragédia às portas da Europa e escreveu uma carta ao bispo de Lampedusa na qual diz que “a morte de inocentes, principalmente crianças, em busca de uma existência pacífica, longe das guerras e da violência, é um grito doloroso e ensurdecedor que não nos pode deixar indiferentes”. “É a vergonha de uma sociedade que já não sabe chorar nem ter pena do outro”, sustenta. Mais recentemente, durante o internamento no Hospital de Gemelli, conta-se que telefonava todos os dias para a paróquia de Gaza. No Domingo de Páscoa, numa breve aparição na Praça de São Pedro, voltou a apelar ao cessar-fogo: “Libertem os reféns e venham em auxílio de um povo faminto que aspira a um futuro de paz.”   

Foto: L’ Oserva Torre Romano/ Handout/ LUSA

As periferias a que se refere Francisco são “geográficas”, mas também são “existenciais”. Recorde-se, a este propósito, uma das frases mais fortes da Fratelli Tutti, “a encíclica da pandemia”, publicada em 2020 e dedicada à fraternidade e à amizade social: “Ninguém se salva sozinho, só é possível salvarmo-nos juntos.” Nos últimos 12 anos, numa altura em que muitos dos líderes do chamado mundo ocidental exploram medos e ressentimentos em relação à diferença, a voz contrastante de Francisco fez-se ouvir de forma bastante audível. Em fevereiro, três dias antes de ser internado, também se revelou preocupado com o programa de deportações de Donald Trump e voltou a escrever uma carta, desta vez, aos bispos católicos dos EUA: “Tenho acompanhado de perto a grande crise que está a acontecer nos EUA, com o início de um programa de deportações em massa. A consciência retamente formada não pode deixar de fazer um juízo crítico e de manifestar o seu desacordo com qualquer medida que identifica, tácita ou explicitamente, o estatuto ilegal de alguns migrantes com a criminalidade.” 

Nessa carta, pediu ainda aos bispos norte-americanos que rejeitassem as “narrativas que discriminam e causam sofrimentos desnecessários aos nossos irmãos e irmãs migrantes e refugiados” e apelou ao “rigoroso respeito pelos direitos de todos”. Uma política que regule a migração “ordenada e legal” não pode ser feita, argumentou na missiva, “com o privilégio de uns e o sacrifício de outros”. E concluiu: “O que se constrói com base na força, e não na verdade sobre a igual dignidade de cada ser humano, começa mal e acabará mal.” 

3 – CUIDOU DA “CASA COMUM”

Do ponto de vista do estilo, da empatia e da proximidade, até é possível dizer que Francisco tinha a vida facilitada ao suceder a Bento XVI. Do ponto de vista teórico, porém, não é possível dizer o mesmo, uma vez que o alemão foi, por excelência, “o Papa intelectual”. Estas circunstâncias conferem ainda mais significado à encíclica Laudato Si’, publicada no princípio do pontificado de Francisco, em 2015. 

Nessa encíclica exemplar, o Papa Francisco demonstra estar a par dos debates contemporâneos e dos maiores desafios da Humanidade. Mais: ao defender que as alterações climáticas são provocadas pela ação humana, está alinhado com a Ciência e com o melhor conhecimento. Criticou diretamente as razões que conduziram ao atual paradigma de desenvolvimento – “o paradigma tecnoeconómico” – e advogou uma “ecologia integral”, para a qual são necessários pequenos gestos do quotidiano que nos “libertam da lógica da violência, da exploração e do egoísmo”.

Foto: Luís Barra

Na encíclica Laudato Si’, Francisco segue, assim, o exemplo dos movimentos climáticos e das gerações mais novas. “Os jovens exigem de nós uma mudança; interrogam-se como se pode pretender construir um futuro melhor, sem pensar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos”, escreve. E exorta tudo e todos em redor da causa ambientalista: “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no projeto do amor, nem Se arrepende de nos ter criado. A Humanidade possui ainda a possibilidade de colaborar na construção da nossa casa comum.”   

Há pouco mais de um ano, em outubro de 2023, dois meses antes da COP28, no Dubai, o Papa voltou ao tema, numa nova exortação apostólica, a Laudate Deum, que o próprio disse ser a segunda parte de Laudato Si’. O mundo, alerta, está a “desmoronar-se” e “aproxima-se de um ponto de rutura”. O documento termina de forma lapidar: “Laudate Deum é o título desta carta. Porque um ser humano que pretende tomar o lugar de Deus torna-se o pior inimigo para si mesmo.”

4 – ACOLHEU “TODOS, TODOS, TODOS”

São muitos os que comparam a figura de Francisco a João XXIII, o Papa que promoveu o Concílio Vaticano II, o maior acontecimento da Igreja Católica do século XX, cujas resoluções ainda estão, em muitos casos, por concretizar. Francisco não convocou um concílio, mas convocou um sínodo – a palavra tem origem no grego e significa “caminhar juntos”. Entre outubro de 2023 e outubro de 2024, decorreram as duas assembleias do Sínodo dos Bispos, que reuniram os contributos das comunidades e que, na verdade, deixou de integrar apenas bispos – e só isso já constituiu uma novidade. 

O secretário-geral do Sínodo, o cardeal Mario Grech, conhecido pelas suas posições progressistas, justificou então: “A participação dos novos membros não só assegura o diálogo que existe entre a profecia do povo de Deus e o discernimento dos pastores, mas assegura também a memória.” Para o teólogo Juan Ambrósio, a ideia primordial do processo sinodal é a de ouvir as comunidades. E, independentemente do perfil do sucessor de Francisco, essa dinâmica não terá retrocesso: “O Papa impôs a ideia de uma Igreja que se renova a partir daqueles a quem ela é enviada.” 

Autobiografia antecipada

No princípio deste ano, o Papa Francisco permitiu que o livro fosse publicado. Inicialmente, estava previsto só sair após a sua morte

A autobiografia do Papa argentino chama-se Esperança e o título do livro não podia ser mais feliz. Francisco foi, de facto, o Papa da alegria e da esperança. “Nós, cristãos, devemos saber que a esperança não ilude nem desilude: tudo nasce para florir numa eterna primavera. No final, diremos apenas: não recordo nada em que Tu não estejas”, escreve na introdução do volume, lançado no princípio deste ano em todo o mundo (em Portugal, foi publicado pela Nascente, uma das chancelas da Penguin Random House).

Por vontade do Papa, o livro só deveria ser publicado agora, após a sua morte. Porém, o novo Jubileu e, diz a editora, “as necessidades do tempo” fizeram com que o autor se decidisse a antecipar o lançamento para janeiro de 2025. Com fotografias do arquivo pessoal a acompanhar, Esperança recua ao início do século XX, às raízes italianas e à emigração dos antepassados de Jorge Bergoglio, passa pela infância e juventude e chega até ao pontificado e ao tempo presente. E é um livro muito feliz porque conta uma história que merece ser contada, a história da vida de um homem simples. E porque nele também está presente um certo modo – alegre e verdadeiramente iluminado – de olhar os outros e o mundo que nos rodeia.

Nos 12 anos de Francisco, a presença de mulheres no Vaticano aumentou de forma significativa. No princípio de 2025, o Papa nomeou uma mulher para dirigir um dicastério: a irmã Simona Brambilla assumiu o cargo de prefeita do Dicastério para a Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, uma posição até agora reservada a cardeais e arcebispos. Em 2022, a irmã Raffaella Petrini também já havia sido nomeada para secretária-geral do Governatorato e, em janeiro de 2025, para presidente. 

Algumas das questões mais polémicas – como a da inclusão das mulheres, a do celibato, dos divorciados e das pessoas LGBTI – estiveram sempre em cima da mesa durante o pontificado. Não se avançou muito na doutrina, o que valeu a Jorge Bergoglio algumas críticas entre os setores mais progressistas. Mas avançou-se na prática, no exemplo, se quisermos. O Papa argentino teve a coragem de falar com os jovens sobre sexualidade e amor. Em 2023, em Lisboa, durante a Jornada Mundial da Juventude, evitou as partes mais aborrecidas do discurso que levava escrito para o Parque Eduardo VII e proferiu palavras que vão ficar para a História em forma de slogan: “Peço a cada um que, na própria língua, repita comigo: ‘Todos, todos, todos’. Não se ouve: outra vez! ‘Todos, todos, todos’.” 

5 – CRITICOU “A ECONOMIA QUE MATA”

Num mundo demasiado ruidoso, é natural que se saliente o papel do Papa Francisco nos abusos sexuais contra crianças no seio da Igreja Católica. É justo, mas também é justo dizer-se que esse foi um caminho que começou a ser traçado por Bento XVI (tal como o do diálogo inter-religioso com os muçulmanos começou a ser traçado por João Paulo II e, depois, prosseguido por Bento XVI). O argentino foi, isso sim, absolutamente assertivo na forma como condenou os abusos: “tolerância zero”. “Encobrir é acrescentar vergonha à vergonha”, disse, na sua autobiografia. Porém, no fim do seu pontificado, não é possível esconder uma certa deceção do lado das vítimas (incluindo em Portugal, onde o processo das indemnizações ainda está por concluir). 

Na própria Igreja, esse sentimento de desilusão também existe. A demissão do jesuíta Hans Zollner, o rosto visível do combate contra os abusos sexuais, é disso exemplo. Ao abandonar o cargo, Zollner foi muito duro nas críticas à Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores. “Tem havido falta de clareza quanto ao processo de seleção de membros e funcionários e quanto às suas funções e responsabilidades”, justificou o padre alemão.  

Foto: Ettore Ferrari/ LUSA

Logo em 2013, foi publicado um que acabou por ser uma espécie de programa oficial do papado: na exortação apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), Francisco entrou nas questões económico-sociais, referindo-se, pela primeira vez, à “economia que mata”: “Tal como o mandamento ‘Não matarás’ impõe um limite claro para defender o valor da vida humana, hoje também temos de dizer ‘Tu não’ a uma economia da exclusão e desigualdade. Esta economia mata.” 

Curiosamente, coincidência ou talvez não, ainda na última Sexta-Feira Santa, nas meditações que redigiu para serem lidas durante a Via Sacra do Coliseu, em Roma, Francisco voltou a falar nessa “economia que mata”. “Construímos um mundo que funciona assim: um mundo de cálculos e algoritmos, de lógicas frias e interesses implacáveis. A lei da vossa casa, Senhor, a economia divina é outra coisa. A economia de Deus não mata, nem descarta, nem esmaga. É humilde, fiel à terra. O vosso caminho, Senhor Jesus, é a via das bem-aventuranças. Não destrói, mas cultiva, repara, guarda.”

Não sendo propriamente um testamento, acaba por ser uma boa síntese do legado de Francisco. E, sobretudo, uma chamada de atenção de que a sua voz vai fazer muita falta ao mundo.

As quatro encíclicas de Francisco

As encíclicas são os documentos de caráter social, exortatório ou disciplinar que os Papas dirigem aos bispos e, através deles, aos fiéis da Igreja

Lumen fidei
Sobre a Fé


29 de junho de 2013

Na sua primeira encíclica (intitulada Luz da Fé, em português), publicada poucos meses após o início do pontificado, Francisco continuou o trabalho do antecessor, Bento XVI, que antes da renúncia tinha concluído um rascunho deste texto sobre a fé. O documento, dividido em quatro capítulos, uma introdução e uma conclusão, traça a história da fé, aborda a relação entre razão e fé, o papel da Igreja na transmissão da fé e o seu efeito nas sociedades. É considerada como sendo a primeira encíclica redigida por dois Papas.

Laudato Si’
Sobre o Cuidado da Casa Comum


24 de maio de 2015

Nesta comunicação (com o título em português Louvado sejas), o Papa Francisco critica o consumismo e a má utilização dos recursos do planeta. Com a publicação, o pontífice tenta influenciar a transição energética e promover o combate às alterações climáticas, ao mesmo tempo que defende a reforma do capitalismo económico desenfreado, que tantas vezes condenou. Dirigindo-se “a cada pessoa que habita neste planeta”, Francisco apela aos cidadãos para que pressionem os políticos a mudar.

Fratelli Tutti
Sobre a Fraternidade e a Amizade Social


3 de outubro de 2020

O Documento da Fraternidade Humana para a Paz e Coexistência Mundial, também conhecido como Declaração de Abu Dhabi, assinado em fevereiro de 2019 entre o Papa Francisco e o xeque Ahmed el-Tayeb, grande imã de Al-Azhar, influenciou esta encíclica papal que recebeu o título em português de Todos Irmãos. No texto, Francisco critica a indiferença e a desigualdade que gera pobreza e exclusão, e exorta os cristãos a construírem um mundo melhor, mais unido e mais justo, assente nos princípios da compaixão, da fraternidade, da solidariedade e da amizade social entre os homens.

­Dilexit nos
Sobre o Amor Humano e Divino do Coração de Jesus


24 de outubro de 2024

Escrita no décimo segundo ano do pontificado, a última carta encíclica do Papa Francisco (com o título em português Amou-nos) propõe o amor misericordioso de Cristo como resposta para as crises atuais resultantes das guerras, das desigualdades, do consumismo e das novas tecnologias que ameaçam a essência do ser humano. Depois de uma encíclica sobre a fé, e de outras duas de teor mais social, este quarto texto é um convite à espiritualidade e à devoção ao Coração de Jesus, por ser “essencial para a nossa vida cristã”.

C.T.

A simplicidade de Francisco

No dia 13 de março de 2013, o cardeal argentino Jorge Bergoglio é eleito líder máximo da Igreja Católica, tornando-se o primeiro Papa jesuíta e não europeu em séculos. Desde logo, dá sinais da mudança que viria a imprimir. Recusa-se a viver no Palácio Apostólico e muda-se para a Casa de Santa Marta, cultivando um estilo de vida mais simples. O seu pontificado durará 12 anos

2013

março

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Na primeira missa, Francisco percorre a Praça de São Pedro num carro descapotável, desce para cumprimentar os fiéis e alerta os políticos presentes para as desigualdades e as alterações climáticas

abril

Cria o Conselho de Cardeais para iniciar a reforma da Cúria Romana, o órgão que assegura o governo da Igreja

junho

É publicada a primeira encíclica Lumen fidei (“Luz da fé”), iniciada pelo antecessor, Bento XVI, e terminada pelo novo papa

julho

Na primeira viagem oficial, Francisco encontra-se com migrantes africanos na ilha de Lampedusa e denuncia a “globalização da indiferença”

De visita ao Brasil, para participar na Jornada Mundial da Juventude, o Papa celebra uma missa para 3,5 milhões de fiéis na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. A sua passagem por território brasileiro é marcada por tumultos, numa altura em que as denúncias de abusos sexuais e desvio de recursos estão na ordem do dia

agosto

O arcebispo Pietro Parolin é indigitado como secretário de Estado do Vaticano, substituindo Tarcisio Bertone, um cardeal nomeado por Bento XVI ligado ao escândalo de corrupção Vatileaks

outubro

O Vaticano aprova legislação para combater a lavagem de dinheiro e pede ajuda às autoridades italianas para investigar o escândalo financeiro do Banco do Vaticano, que promete transformar numa instituição “honesta e transparente”

2014

novembro

Discursando no Parlamento Europeu, o Papa pede o tratamento digno dos migrantes que chegam à Europa

2015

maio

Produz a segunda encíclica, Laudato Si (“Louvados sejas”), onde critica o consumismo e a má utilização dos recursos do planeta

setembro

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Numa histórica deslocação a Cuba e aos Estados Unidos, dois países em conflito, o pontífice saúda a retoma das relações diplomáticas bilaterais suspensas desde há décadas

dezembro

Têm início as comemorações do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, uma iniciativa de Francisco para assinalar o apoio os mais pobres

2016

julho

Na Jornada Mundial da Juventude de Cracóvia, o chefe da Igreja visita o campo de concentração de Auschwitz e reúne-se com sobreviventes do Holocausto

novembro

Autoriza os sacerdotes católicos a concederem a absolvição a pessoas envolvidas na prática do aborto, incluindo mulheres, médicos e outros profissionais de saúde

2017

maio

O Papa assinala em Portugal o centenário das aparições marianas na Cova da Iria e preside à canonização de Francisco e Jacinta Marto

novembro

Visita Mianmar e Bangladesh, denunciando a crise dos refugiados muçulmanos rohingya

2018

agosto

Na Irlanda, onde o Papa se encontra para presidir ao Encontro Mundial das Famílias, os abusos sexuais por membros do clero na Pensilvânia, e não só, estão na agenda. Francisco escreve uma carta aos fiéis pedindo perdão em nome da Igreja e também uma atuação firme das autoridades competentes

2019

setembro

Moçambique é um dos países incluídos na viagem apostólica pela África Oriental

2020

março

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Francisco reza sozinho na imensa praça de São Pedro, e concede a benção “Urbi et orbi” à cidade de Roma e ao mundo

outubro

Publicação da terceira encíclica Fratelli tutti (“Todos irmãos”) dedicada à fraternidade e à amizade entre povos

2021

março

Pela primeira vez, um chefe da Igreja visita o Iraque. Francisco reúne-se com al-Sistani, líder dos xiitas iraquianos, e desloca-se a Mossul, cidade que esteve durante anos sob controlo do Estado Islâmico

2022

fevereiro

Francisco condena com veemência a invasão russa da Ucrânia e apela ao acolhimento dos refugiados

junho

É promulgada a constituição apostólica Praedicate evangelium, que reforma a Cúria Romana. O português José Tolentino de Mendonça assume funções de prefeito do novo Dicastério para a Cultura e Educação

2023

janeiro

Francisco preside ao funeral de Bento XVI, o papa emérito. Foi a primeira vez que um pontífice em exercício celebrou as exéquias do antecessor

março

Admite que o voto de celibato clerical, que obriga os padres a serem castos, pode ser revisto pela Igreja, causando o desconforto dos membros mais conservadores

abril

Autoriza o direto ao voto de mulheres e leigos no Sínodo dos Bispos. A medida é vista como um avanço em direção a uma Igreja mais inclusiva


agosto

Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, com a presença do Papa, que se desloca também ao santuário de Fátima

dezembro

É publicada a declaração Fiducia supplicans (“Suplicando a Confiança”), autorizando a benção (mas apenas isso) a casais homossexuais e a casais heterossexuais em “situação irregular” — que não são casados. A decisão foi uma das mais polémicas do pontificado de Francisco

2024

junho

Francisco participa na cimeira do G7 e recebe, no mesmo dia, mais de uma centena de humoristas, entre os quais os portugueses Maria Rueff, Ricardo Araújo Pereira e Joana Marques

setembro

O Papa inicia a viagem mais longa do seu pontificado, pelo Sudeste Asiático e Oceânia. Em Timor-Leste, celebra uma missa para mais de meio milhão de pessoas

outubro

É divulgada a quarta e última encíclica, Dilexit nos (“Amou-nos”), sobre a espiritualidade e a devoção ao Coração de Jesus. É também publicado o primeiro relatório da Comissão de Proteção de Menores sobre os abusos sexuais na Igreja

dezembro

Início formal do Jubileu de 2025, com a abertura da porta santa da Basílica de São Pedro

2025

janeiro

A freira Simona Brambilla, 59 anos, nomeada prefeita do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, torna-se a primeira mulher à frente de um dos mais altos postos da Cúria Romana

abril

O Papa Francisco morre aos 88 anos em Roma, após doze anos como líder da Igreja Católica.

Por estes dias, um fragmento do tempo aparece em várias publicações e nas redes sociais. Numa carruagem de metro, em Buenos Aires, um sacerdote católico, reconhecível, como tal, pela roupa negra e o cabeção, interpela-nos com um olhar sereno, pacífico, levemente interrogativo, como se nos estivesse a perguntar: “E tu? Já fizeste alguma coisa, hoje, que mereça ser recordada?” Sentado num dos bancos da carruagem, o prelado segue, anónimo, entre outros passageiros. A carruagem vai quase cheia, mas, além do padre, apenas mais cinco pessoas, quatro homens e uma mulher, poderiam ser imediatamente identificadas pelos rostos, bem visíveis, fotografados praticamente de frente. O clérigo sentado e um homem que viaja de pé, em segundo plano, e que usa boné, são os únicos que olham para a objetiva. A foto parece uma pintura, lembra os jogos de luz e sombras ao estilo de Velázquez (As Meninas? A Refeição?), e, se fosse, bem poderia estar emoldurada numa das paredes mais nobres de qualquer museu do mundo ou no Vaticano (ver pág. 42, neste caso, em versão a preto-e-branco). Poderíamos dar-lhe um nome provisório: A Carruagem. Ou O Passageiro.

A foto é uma metáfora da vida de Jorge Bergoglio. Misturado na multidão, em hora de ponta, ele vai daqui para ali. Um viajante que segue junto dos simples, talvez tenha tirado passe, é visto como um igual. Ninguém mostra especial deferência, mas todos o reconhecem, pelo seu mediatismo. Estão habituados à sua presença. O arcebispo de Buenos Aires terá de mostrar o título de transporte a qualquer revisor, ou ultrapassar as cancelas da estação depois de encostar o bilhete ao sensor que as abre. A foto é de 2008, apenas cinco anos antes de ser eleito Papa. Jorge ainda não é Francisco, mas ninguém o obrigará a largar a simplicidade do santo de Assis. Nenhum daqueles passageiros lhe agradece o que já fez naquele dia, nos dias e nos anos anteriores, que mereça ser recordado. Entre os outros é um deles. Tudo corre naturalmente, como o Sol que nasce e se põe, nas várias longitudes deste mundo de Cristo.

Já hoje temos a noção. Aliás, tivemos a noção desde o primeiro dia: Francisco é um corte, uma rutura, uma trepidação telúrica que não vai deixar nada como era antes. Tivemos Sumos Pontífices dos mais variados perfis. Estes foram apenas católicos, aqueles foram burocratas, muitos foram administradores, outros grandes estadistas. Alguns, genuinamente bondosos e preocupados com o próximo. Outros, políticos argutos ou personalidades influentes. Houve pecadores corrosivos, dissolutos e tóxicos, mas também houve santos. Francisco será recordado como o primeiro Papa cristão dos últimos mil anos. Disso, talvez não tenhamos a noção.

Francisco não aspirava à santidade, essa que os critérios terrenos definem como a dos impolutos. Não escondia as suas fraquezas. Era Papa, era pecador e procurava melhorar. A sua principal característica era a da identificação imediata, a empatia radical, o carisma inexplicável. E, num mundo dominado pela comunicação de massas, a telegenia triunfante. Era humano, em vez de santo. E, sim, era um político arguto, influente e, se preciso fosse, calculista, pragmático e implacável, na recomposição do xadrez de poder no interior da instituição. A força da Igreja, onde não existe democracia, é o seu paradoxal pluralismo. Jogando com isso, soube sempre mover as peças, entre rasgares de vestes, rangeres de dentes e missas em latim.

Com efeito, uma certa igreja conservadora, ultramontana, viúva do reacionarismo de João Paulo II – mas também da sua santidade sobre-humana – ou da exegese conservadora de Bento XVI, que não percebe que Francisco era o seu único verdadeiro ativo, nunca lhe perdoou. Nunca lhe perdoou a agitação. Nunca lhe perdoou a heresia. Nunca lhe perdoou a simplicidade, quase exibicionista. Nunca lhe perdoou a piedade (por exemplo, para com homossexuais ou divorciados que tornaram a casar). Nunca lhe perdoou o diálogo ecuménico ou o desprezo pelos ritos vazios. Nunca lhe perdoou os sapatos não vermelhos nem a mudança para a Casa de Santa Marta. Talvez não lhe perdoe o testamento para que possa ter um funeral comum.

Hipócritas de várias latitudes vertem, agora, lágrimas de crocodilo, tentando aproveitar de forma “abutreana” a onda de comoção provocada pela sua morte. Entre nós, o “católico convicto” André Ventura prestou-lhe a sua homenagem, depois de, como Pedro, “três vezes o ter negado”. Ressalvou que nem sempre concordou com Francisco, como se um “católico convicto”, para quem a infalibilidade do Papa é inquestionável, pudesse, sequer, discordar. Uns e outros, os seguidores, os críticos ou os convertidos de última hora perderam um ente querido. O mundo perdeu um amigo. Nós perdemos um amigo.

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Palavras-chave:

Num mundo onde a cibersegurança depende cada vez mais de tecnologia avançada, há um elemento silencioso que continua a ser determinante, mas raramente discutido: a intuição humana.

A defesa de sistemas digitais assenta hoje em ferramentas como SIEMs (Security Information and Event Management), que recolhem e cruzam eventos para identificar ameaças, e em mecanismos de deteção de anomalias baseados em inteligência artificial, capazes de alertar para comportamentos fora do padrão. Contudo, estas soluções, por muito poderosas que sejam, partem sempre do que já foi definido como suspeito.

A intuição, por outro lado, entra em ação quando nada parece errado, mas o analista sente que algo não encaixa. Tal como um polícia experiente que observa alguém a atravessar a rua, sem fazer nada de ilegal, mas cuja postura ou hesitação lhe levanta suspeitas, também o profissional de segurança digital, com o tempo, aprende a reconhecer padrões invisíveis ou, melhor dizendo, a perceber quando um padrão é demasiado perfeito.

Intuição em contexto: O que é e como se forma?

Neste contexto, a intuição não é superstição nem um palpite. É um processo mental baseado em conhecimento implícito, um tipo de saber que não está sempre verbalizado, mas que foi sendo construído através da observação constante, da vivência de incidentes e da exposição a situações ambíguas.

Podemos compará-la à perceção de quem conhece bem uma casa e, ao entrar, repara que algo está subtilmente diferente. Uma janela está ligeiramente entreaberta quando deveria estar fechada. A luz está apagada, mas há um cheiro fora do habitual. Não é um detalhe evidente, é uma dissonância subtil, que só alguém com experiência naquele espaço consegue captar. Na cibersegurança, essa mesma sensibilidade pode ser o que separa a normalidade aparente da presença de um intruso discreto.

Essa percepção pode ser determinante para detectar, por exemplo, um acesso persistente, uma movimentação lateral ou uma exfiltração silenciosa.

Um acesso persistente ocorre quando um atacante consegue manter-se dentro de um sistema durante dias ou até semanas sem ser detetado. É como se alguém conseguisse entrar num edifício com um cartão legítimo e, sem levantar suspeitas, permanecesse escondido numa sala pouco utilizada, observando discretamente tudo o que se passa.

Movimentação lateral descreve a progressão do atacante dentro da rede, à procura de alvos mais valiosos. Pode imaginar-se como um intruso que, após entrar pela cozinha, se desloca silenciosamente pela casa, abrindo portas interiores com chaves encontradas dentro da própria habitação, até chegar ao cofre.

Já a exfiltração de dados consiste na extração de informação sensível para fora da organização, muitas vezes de forma lenta e impercetível. É como se, todos os dias, alguém saísse com uma folha de papel escondida no bolso. Nenhuma em particular causaria alarme. Mas, ao fim de algum tempo, o arquivo estaria vazio.

Porque falham os sistemas automáticos no que parece normal

Grande parte das ferramentas modernas de deteção está orientada para identificar anomalias. Um IDS (sistema de deteção de intrusões) ou uma solução de machine learning procura desvios estatísticos, como tráfego fora do habitual, alterações súbitas no comportamento dos utilizadores ou modificações inesperadas em ficheiros. No entanto, se o atacante imitar com rigor os padrões normais da organização, pode passar completamente despercebido.

É neste ponto que a intuição humana se torna uma mais-valia. Imagine um colaborador que acede todos os dias às nove da manhã, trabalha até às cinco da tarde e utiliza sempre o mesmo equipamento. Um atacante que reproduza estes horários e rotinas parecerá, aos olhos de um sistema automático, perfeitamente legítimo. Mas um analista que conheça os hábitos reais dessa conta pode estranhar que a duração das sessões seja sempre exatamente igual ou que a navegação entre pastas siga um padrão demasiado uniforme. Tal como um detetive que suspeita de um crime por tudo parecer limpo demais, também o analista pode pressentir que há ali qualquer coisa que não está bem.

É esse desconforto, essa pequena dúvida, que pode iniciar uma investigação certeira.

Treinar a intuição: Pensar como um adversário!

A intuição não se ensina como se ensina o funcionamento de uma ferramenta. Mas pode, e deve, ser treinada, desde que o ambiente formativo esteja pensado para isso. A CybersecPro, a Academia Nacional de Cibersegurança e o Técnico+ são exemplos de instituições que têm vindo a desenvolver programas com base em cenários reais, desafiantes e imprevisíveis, onde os formandos são confrontados com situações em que não há respostas óbvias nem indicadores evidentes. A aprendizagem passa por interpretar o contexto, questionar o que parece certo, detetar padrões anómalos mesmo quando os dados estão dentro da norma.

Ao longo dos módulos, o foco não está apenas em identificar vulnerabilidades ou replicar técnicas conhecidas, mas em observar o comportamento do sistema, cruzar pequenos sinais e tomar decisões baseadas em indícios ténues. Esta abordagem leva os formandos a pensar como atacantes, a antecipar caminhos e a explorar pontos de falha não óbvios. Mais do que aplicar comandos ou seguir listas de verificação, treina-se o pensamento crítico e a atenção ao detalhe.

Este tipo de preparação torna-se essencial quando se pretende formar profissionais que estejam realmente prontos para defender uma organização num ambiente onde a normalidade pode ser o maior disfarce de uma ameaça.

Exemplo prático: Quando o alerta foi não haver alerta.

Num dos exercícios conduzidos num cenário simulado, foi construída uma rede empresarial com utilizadores, tráfego, dispositivos e acessos aparentemente legítimos. À superfície, tudo funcionava como previsto. As ferramentas automáticas não identificaram qualquer atividade suspeita. Os horários eram consistentes, as credenciais eram válidas e os sistemas estavam estáveis.

Contudo, um dos participantes observou um padrão demasiado regular. Havia uma ligação que se iniciava todos os dias à mesma hora, com a mesma duração, seguida de um novo acesso momentos depois. O comportamento, em si, não violava nenhuma política, mas era artificialmente perfeito.

Seguindo esse pressentimento, decidiu investigar. Aprofundou os registos, analisou os dispositivos e identificou que o acesso estava a ser feito por um script automatizado que usava credenciais comprometidas. O atacante encontrava-se dentro da rede, em silêncio, a mapear os recursos da organização.

Não houve alarmes. Não houve alertas. Houve apenas uma intuição, construída por exposição a contextos semelhantes, que gerou a dúvida certa. E com ela, a interrupção de uma intrusão que poderia ter evoluído.

A cibersegurança moderna exige mais do que ferramentas avançadas. Exige a capacidade de interpretar o que não está escrito, de reconhecer o que não se vê, de agir perante o que ainda não é evidência. A intuição, quando cultivada em contextos reais e exigentes, é a última linha de defesa. E, muitas vezes, a única que permanece quando tudo o resto parece normal.

A Agência Espacial Europeia (ESA) quer colocar uma instalação de produção de comida na Estação Espacial Internacional (ISS) dentro de dois anos. Para alcançar esse objetivo, foi agora lançado o primeiro passo, com a colocação de um mini-laboratório em órbita através do qual será testado o cultivo de comida. A meta final passa por poder produzir comida no espaço e assim reduzir os custos associados com a alimentação dos astronautas em missão. Como subproduto desta vitória, a Humanidade ficaria mais perto de poder ser uma espécie multiplanetária.

Uma equipa de investigadores do Imperial College de Londres e da empresa Frontier Space quer produzir comida nutritiva no Espaço a partir de “energia pura”, descreveu Aqeel Shamsul, o diretor executivo da empresa que, garante, “não é coisa de ficção científica”.

Os investigadores usaram um biorreator no Bezos Centre for Sustainable Proteins, no Imperial College, para criar geneticamente comida seguindo o processo de “fermentação precisa”, semelhante ao processo de fermentar cerveja. Os cientistas adicionaram um gene à levedura para produzir “vitaminas extra”, e explicam que a mesma abordagem pode ser usada para produzir tudo na comida, como proteína, gordura, hidratos de carbono, fibras e até refeições completas, noticia o Interesting Engineering.

O desafio é conseguir replicar o mesmo funcionamento, mas agora no Espaço. A equipa enviou uma amostra desta levedura e uma versão mais pequena do biorreator para avaliar se o processo é possível. O foguetão Falcon 9 da SpaceX vai lançar um pequeno satélite cubo com este mini-laboratório e este irá orbitar a Terra durante cerca de três horas a bordo da Phoenix, a primeira nave comercial europeia que irá retornar ao planeta. O regresso desta exploração deve amarar junto da costa portuguesa e as amostras serão recolhidas por uma embarcação que as irá transportar para Londres para serem analisadas.

Nesta fase a comida produzida assemelha-se a uma massa disforme, mas os cientistas estão já a tentar obter aprovações para produzir alimentos ricos em nutrientes e que se assemelhem a qualquer comida do planeta.

“O sonho é ter fábricas em órbita e na Lua. Temos de ser capazes de construir instalações de produção lá em cima para fornecer a infraestrutura para permitir aos humanos viver e trabalhar no Espaço”, ambiciona Shamsul.

Hoje em dia é fácil morrer. Estamos a andar na rua e zás! Interpretamos mal o semáforo e pronto já fomos. Ainda no outro dia, um turista asfixiou num pastel de nata, só que não é verdade e acabei de o inventar. Mas quando passeio pelos cemitérios, vejo a quantidade de mãos dadas que a terra uniu. Lápides com inscrições e túmulos antigos cujas vozes os séculos silenciaram. Tudo é frágil – qual folha ao vento – e uma tosse que se prolonga já anuncia qualquer final.

Lembrei-me disto enquanto preenchia o IRS, porque há algo de memento mori em tratar das finanças. Lembrei-me que sou um número e que outros são os números deste grande baile: o número de telefone que não tocou mais; o 334 do hospital que, pelo Natal, parei de visitar; a ambulância a riscar a noite numa onomatopeia tensa.

Mas quem diz números diz palavras. Num vídeo que circulou, um soldado ucraniano dizia poesia persa em plena guerra: “o teu amor ardeu até às cinzas a selva do meu coração”, e são estas coisas que me lembram o quão fácil é hoje em dia morrer. É tão fácil, que deveríamos, por exemplo, apostar mais nos “bons-dias”, buzinar menos, sair mais cedo do trabalho… Inclusive amanhã escrevo finalmente uma carta para o estrangeiro, daquelas bonitinhas como nos ensinaram na escola, assim com um P.S. “Não te esqueças de responder, Inês”.

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O Governo vai pedir à Comissão Europeia a ativação da cláusula que permite uma exceção ao cumprimento das regras orçamentais para acomodar o aumento de despesa com a área da Defesa.

O Ministério das Finanças explica que a ativação desta cláusula permite que as despesas relacionadas com a área da Defesa, até ao limite de 1,5% do PIB, não sejam contabilizadas nos limites impostos pelos tetos da despesa primária líquida, definidos no Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo (POENMP), para 2025-2028.

Do mesmo modo, acrescenta a nota divulgada esta quarta-feira, as despesas relacionadas com a área da Defesa, até ao limite de 1,5% do PIB, não serão contabilizadas na avaliação do cumprimento do valor de referência para o défice (3%).

“Esta decisão foi consensualizada com o maior partido da oposição, tendo o Partido Socialista sido ouvido pelo Governo neste processo”, refere a nota.

O Ministério das Finanças lembra que a Comissão Europeia “tem envidado esforços para que haja uma adesão significativa por parte dos Estados Membros a esta cláusula de derrogação nacional”, de forma a aumentar a capacidade de financiamento neste setor.

Após a submissão dos pedidos pelos Estados Membros, que deverão ser apresentados até ao final do de abril, competirá à Comissão Europeia avaliar e validar os pedidos apresentados.