Nesta quinta-feira, 10 de outubro, chega às bancas mais uma edição da VISÃO, esta semana com destaque para um artigo “tranquilo” – que, estou certo, será também do agrado do primeiro-ministro, Luís Montenegro –, assinado pelo jornalista Filipe Luís, que acompanha o percurso pessoal e profissional de António Guterres, secretário-geral da ONU.

Dias depois de se ter assinalado o primeiro ano do massacre cometido pelo Hamas, em território israelita – que vitimou mais de 1.200 pessoas –, o antigo primeiro-ministro português é protagonista, não só pelos insistentes apelos diários “pela paz” no Médio Oriente, mas também por ter sido considerado “persona non grata” por Israel e proibido de entrar no País, ou ainda por integrar a short list de candidatos ao Nobel da Paz.

Hoje, António Guterres é um imperador sem exército. Um homem cada vez mais “solitário”, à frente das Nações (des)Unidas, refém de discursos pacifistas, desvalorizados ou ignorados por líderes extremistas e autoritários, que se recusam a tirar o dedo do gatilho, enterrando o mundo numa realidade incerta e cada vez mais perigosa.

Este artigo é exclusivo para assinantes. Clique aqui para continuar a ler.

Um ano e oito meses após a apresentação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica, na voragem monotemática (e muito enjoativa!) que domina o ciclo noticioso nacional, o tema dos abusos sexuais quase que desapareceu. Não espanta, na medida em que, com honrosas exceções, os assuntos “religiosos” acabam quase sempre remetidos para um nicho jornalístico (o que, aliás, para sermos rigorosos, não tem grande correspondência com a realidade sociológica do País). 

Os analistas mais bem informados consideram que será sobretudo nos efeitos do Sínodo dos Bispos – do qual, desde a semana passada e até ao fim de outubro, está a decorrer a segunda sessão – que o Papa Francisco joga o seu legado. Independentemente do que vier a mudar de substancial no Vaticano, para a História também ficará a sua absoluta intransigência face aos abusos sexuais, a “tolerância zero” e a maneira como – nas viagens que tem conseguido realizar, apesar da fragilidade física – pôs o assunto no topo da agenda mediática. A Francisco, não se poderá assacar a responsabilidade de ter varrido os abusos sexuais para debaixo do tapete das vergonhas do passado. Foi sempre claro e direto, não hesitou no caminho do esclarecimento da verdade, mesmo quando esta punha em causa aquilo que muitos consideram ser os alicerces fundacionais e a autoridade moral da instituição. 

No centro da atuação do Papa têm estado sempre as vítimas. E isto não só não é um pormenor mas também, infelizmente, contrasta com o tom geral com que a hierarquia da Igreja Católica Portuguesa tem lidado com o tema. Quando, em 2023, esteve em Portugal, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, Francisco fez questão de escutar as vítimas, e esse encontro foi agendado logo para o primeiro dia da sua estada em Lisboa. Na recente viagem à Bélgica, também esteve com vítimas de abusos sexuais. As suas palavras – duríssimas – foram muito para lá do que estava previsto no discurso previamente entregue aos jornalistas: “Irmãos e irmãs, isto é uma vergonha! A vergonha que hoje todos devemos tomar nas nossas próprias mãos e pedir perdão e resolver o problema: a vergonha do abuso, do abuso infantil.” 

Sabíamos que o 13 de fevereiro de 2023, o dia em que a comissão de Pedro Strecht apresentou as conclusões principais do estudo, ia ser apenas o princípio. Quem esteve na plateia da Gulbenkian, quem ouviu aqueles testemunhos, jamais poderá esquecer o choque do confronto com a vulnerabilidade, com o modo como todos – católicos e não católicos, crentes e não crentes – abandonámos aqueles seres humanos desprotegidos. Pela mão do bispo José Ornelas, e sobretudo pressionada por um grupo de leigos, a Igreja portuguesa seguiu as orientações do Vaticano e acabou por encetar o processo desenvolvido noutros países. Nunca preparou, porém, o dia seguinte ao 13 de fevereiro de 2023.

Não quis planear o dia seguinte ou apenas não o soube fazer? A avaliação é subjetiva, e o mais provável é a verdadeira razão residir num misto das duas hipóteses. Desde a extinção da Comissão Independente, o Grupo Vita, coordenado pela psicóloga Rute Agulhas, tem continuado a escutar e a acompanhar as vítimas. Os seus membros são profissionais reputados e credíveis, mas a natureza do Grupo Vita e os seus objetivos são diferentes dos da estrutura liderada por Pedro Strecht. Desde logo, porque trabalha em ligação estreita com as comissões diocesanas e com os institutos religiosos, nomeadamente no processo de atribuição de indemnizações. 

No último verão, a Conferência Episcopal Portuguesa divulgou o regulamento de acordo com o qual serão definidas as compensações financeiras que a Igreja vai atribuir às vítimas. Os pedidos de indemnização, a apresentar por escrito até ao fim do ano, deverão incluir dados tratados de forma preguiçosa e burocrática como “nome, e-mail e contacto telefónico do denunciante”, “nome da pessoa agressora, funções e local onde as exercia/exerce”, “data aproximada e local da prática dos factos”, “idade aproximada da vítima à data dos factos” e “descrição sumária dos factos”. 

Apesar do “formulário”, o Grupo Vita já recebeu 51 pedidos de compensação financeira por abuso sexual. Entretanto, as associações das vítimas vieram a público discordar do processo: criticam o facto de este exigir nova validação do testemunho e, por entenderem que “o sofrimento não é contabilizável”, defendem montantes iguais para todos. Muito haveria a dizer sobre o exercício da Justiça em causa própria, sobre a cultura impregnada e a insistência em tratar do assunto (crimes!) “dentro de portas” (não vá o escândalo cair na praça pública). Diga-se apenas que continua a chocar imensamente a falta de empatia – é assim tão difícil calçar os sapatos dos outros?

Breviário

Onde para o Moedas cosmopolita?

Nos anos em que foi comissário europeu (com a pasta da Investigação, Ciência e Inovação) e não só, Carlos Moedas passava a imagem de um homem deste tempo. Como presidente da Câmara Municipal de Lisboa, porém, não se vislumbra réstia desse espírito viajado, aberto ao mundo e aos outros. É certo que as eleições autárquicas estão aí, mas da sanha persecutória contra as bicicletas ao recente discurso das “portas escancaradas” à emigração (estranhamente a propósito das celebrações do 5 de Outubro), onde para esse Moedas cosmopolita?

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Carta aos professores

+ “Vive la France!”

+ Estamos a viver a era dos extremos?

Palavras-chave:

A vida na Terra, tal como a conhecemos hoje, vive, provavelmente, o maior desafio de sempre: alimentar mais de 8 mil milhões de pessoas de forma sustentada. Chegados aqui, não podemos deixar de perguntar: os caminhos e as soluções propostas, globalmente, têm sido as melhores? Por quanto mais tempo a insustentabilidade em que vivemos é suportável pela Terra?

Este ano, mais uma vez em julho, atingimos o Earth Overshoot Day (dia da sobrecarga da Terra). Todos os anos, este dia é antecipado. Em Portugal, chega mais cedo cerca de dois meses, em maio, o que significa que vivemos 7 dos 12 meses com os recursos que não temos, o que torna o nosso país absurdamente insustentável.

Um pouco ao revés do que tem sido proposto, a vida local ajuda-nos a perceber o que podemos e devemos fazer pelo bem comum. Chamo a este claro caderno de encargos Transição Local. É à nossa porta, na escala local, que tudo se passa e, obviamente, se torna mais claro e percetível. É também no local que os recursos essenciais à vida, solo e água, existem e agimos sobre eles. É também na vida local que os 5 sentidos, de que somos privilegiadamente dotados, se manifestam/expressam. Na verdade, quase tudo nos afasta do tato, que nos transporta ao incontornável toque; do olfato, que nos faz sentir de maneira clara as estações do ano; e do paladar, que nos liga, como nenhum outro sentido, à nossa terra. O local onde nascemos, ou vivemos, marca-nos profundamente. No sentido inverso, muito além do contexto geográfico, “contaminamos” e apropriamo-nos do “nosso” lugar, há como que uma fusão e as duas partes são uma. Muito mais do que espaço ou território, o local tem identidade física, mas também cultural. É por tudo isto que os lugares têm escala, isto é, uma dimensão adequada para quem neles vive. Será que as realidades políticas são condicionadas e moldadas pelas contingências biofísicas mais básicas? Julgo que sim, já isto dizia o mestre Orlando Ribeiro. Mas, entretanto, outros autores veem, não o contrário, mas o complemento, uma espécie de “territorialidade relacional”. Assim, não há uma, mas múltiplas territorialidades, no mesmo país; a mesma paisagem, o mesmo bairro, encobrem uma vastidão de processos relacionais entre as pessoas e entre estas e o meio. Quando, quase nada sobra, resta o local e a sua alma, a identidade, os vizinhos de sempre, ou os novos que chegam. Este espaço geográfico a que chamamos lugar é muito mais do que uma posição e uma situação geográfica, assume uma natureza essencial, a ideia de que existe uma relação entre o lugar e as coisas ou os indivíduos que aí se encontram. Se o espaço é infinito, o lugar é circunscrito, associado a um limite, isto conforta-nos e compromete-nos. O lugar remete para a segurança, a estabilidade. Assim, o lugar é menos abstrato que o global, sendo composto por um certo número de valores que cada indivíduo apropria, alimenta e transforma. E, felizmente, tudo isto temos em quantidade suficiente para mantermos a esperança de lugares vivos e vividos. É aqui e agora, em cada lugar, que os recursos naturais e a própria vida têm expressão.

Entretanto, não parece, mas vivemos a década da Restauração dos Ecossistemas lançada pela ONU em 2021. “A missão da Década das Nações Unidas, a Restauração de Ecossistemas, é tão importante quanto assustadora”, diz Tim Christophersen, coordenador da Década das Nações Unidas com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Antes disto, a ONU lançou os conhecidos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com metas para 2030, um perfeito fiasco. Numa desesperada fuga para a frente, ou para nos distrair, eis que em meados de setembro, em Nova Iorque, a ONU na Assembleia Geral das Nações Unidas realiza a Cimeira do Futuro de onde resultaram, segundo a sua retórica, “três importantes e históricos programas”: Pacto para o Futuro; Declaração sobre as Gerações Futuras e Pacto Digital Global. Obviamente que tudo isto vai dar em nada.

Como resolvemos esta encruzilhada civilizacional? Não há solução mágica, muito menos uma resposta única, a situação é verdadeiramente muito complexa para que assim seja. Temos de ponderar várias respostas, experimentar e implementar várias soluções parciais que todos compreendam e se possam envolver. É aqui que a Transição Local, como um somatório de várias e pequenas ações, se assume como um caminho credível e sustentável para que todas as comunidades o possam cumprir. O local é a escala em que todos vivemos e compreendemos, só aqui conseguimos envolver verdadeiramente as pessoas, é tempo para que as diferentes organizações decisoras o saibam e façam. 

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Portugal perigoso

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O Presidente da Assembleia da República continua a ignorar olimpicamente atentados flagrantes a princípios fundamentais à nossa Constituição verberados em pleno hemiciclo. Foi exatamente isso que aconteceu na última quinta-feira quando o deputado Ventura atribuiu culpa coletiva a um conjunto de portugueses na sequência do triplo homicídio de Lisboa. O mais impressionante nem foi a impassividade de Aguiar-Branco, já sabemos que se vê somente como um árbitro de boas maneiras e que crê não ter de advertir um deputado se ele disser que o Holocausto nunca existiu. Não, pior foi a impavidez e serenidade de todos os grupos parlamentares (a exceção foi o Livre) face não só à conduta de André Ventura como à de Aguiar-Branco.

Tendo o deputado do Chega atribuído uma espécie de culpa coletiva à comunidade cigana por um dos seus elementos ter cometido os referidos crimes, pensei que alguém podia lembrar que os que recentemente foram acusados de forçar mulheres a prostituírem-se são polícias, ou seja, e segundo o raciocínio, todos os polícias são lenocidas.

O adormecimento face a atitudes e afirmações que há muito pouco tempo chocariam e fariam soar os sinos da indignação é um sinal dos tempos particularmente perigoso. Casa muito bem com a criação de perceções e como estas estão a ser utilizadas para o discurso político.

A questão começa logo na enunciação do problema. O que está primeiro, a criação da perceção ou o discurso político que se aproveita dela?

Tomemos como exemplo a suposta insegurança que estaremos a viver e serem os imigrantes os possíveis responsáveis por isso.

Por muito que os dados empíricos nos digam claramente que vivemos num dos países mais seguros do mundo e que não há nenhuma evidência de que os imigrantes tenham contribuído para qualquer aumento da criminalidade, não há dia sem que essas mentiras sejam propagadas aos quatro ventos.

Claro que não é de agora que existem órgãos de comunicação social ‒ faltando melhor expressão ‒ que vivem de vender o medo e que gastam diariamente dezenas de páginas e horas de televisão com crimes ‒ sendo que, a maioria das vezes, é o mesmo crime durante semanas inteiras. A isto veio juntar-se o estupidamente chamado jornalismo de cidadão, que através das redes sociais amplifica qualquer crime e dá-lhe contornos sempre mais brutais através de imagens e descrições que até o jornalismo de sarjeta evita.

No mesmo sentido, é fácil vender um estrangeiro como mau e causador de problemas: o medo do desconhecido é inerente à condição humana. Muita gente de cores, hábitos, religiões, modos de vida diferentes serão sempre alvo de apreensão e uns excelentes bodes expiatórios.

Tudo isto pode criar perceções, mas não cria um discurso político.

É realmente difícil lutar contra perceções erradas com factos, sobretudo quando são tão difundidas e ampliadas. Mas torna-se possível com empenho, utilizando as mesmas armas de quem as cria e mantendo constante a repetição da verdade.

Contudo, a dificuldade aumenta quando as perceções se tornam discurso político, criando-se uma narrativa legitimada por uma base ideológica, uma verdade, uma visão do mundo. Basta recordar, por exemplo, que em Portugal sempre se fez alarido da suposta corrupção sem freio ou dos perigos de imigrantes de certas cores e origens. O que não havia era enquadramento desse discurso numa proposta política.

É esse o momento-chave, conseguir converter uma mentira ou um primarismo irracional numa opinião sustentada por uma ideologia.

A perceção é assim transformada em discurso para que se venda a necessidade de políticas que, claro está, põem em causa a democracia liberal.

Já sabemos que há um movimento político com muito sucesso por esse mundo fora que cavalga estas e outras perceções sem qualquer cabimento empírico.

Como todos os movimentos políticos, o meio para alcançar o objetivo é alargar a sua base de apoio e para isso é preciso que mais pessoas partilhem as ideias que proclamam.

O centro-direita tem aguentado a pressão da extrema-direita. Bom exemplo, aliás, é a forma como Luís Montenegro tem aguentado a pressão em fazer acordos com o Chega. No entanto, há uma fação do PSD que parece estar disposta a seguir o caminho de vários partidos da sua família política europeia.

O discurso de Carlos Moedas nas cerimónias do 5 de Outubro e o que os seus ideólogos na comunicação social propagam nas suas recentes intervenções mostram que há uma direita que se está a extremar. A conversa da insegurança, a subtil ligação com a imigração e mentira das portas escancaradas é o discurso do Chega feito de maneira polida.

Como por esta altura só alguém muito distraído ignora que um discurso de extrema-direita não traz um voto ao centro-direita, bem pelo contrário, só se pode pensar que Moedas quer liderar um PSD de extrema-direita ou o Chega ou qualquer coisa de semelhante.

Talvez fosse melhor concentrar-se na gestão da cidade de que é presidente da câmara. Essa, sim, seria a boa forma de projetar as suas legítimas ambições.

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ O Dom Sebastião vem de submarino

+ Quem quer eleições e quem não quer

+ Os reclusos não interessam nada

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Palavras-chave:

Àboleia do crescimento económico e da aceleração da inflação, a receita fiscal do Estado por conta do IRC atingiu o montante máximo de 8,7 mil milhões de euros em 2023. No final deste ano, poderá alcançar um novo recorde. Os dados da execução orçamental mostram que, até julho, o encaixe com o imposto sobre os lucros das empresas superava em 36% o valor alcançado no mesmo período no ano anterior, atingindo já 85% da receita estimada para todo o ano de 2024. Num encontro recente com jornalistas, especialistas da Deloitte Tax admitiram que a receita venha a ultrapassar a barreira dos 10 mil milhões de euros no final do ano.

O IRC é o terceiro maior imposto em Portugal, a seguir ao IVA (24,3 mil milhões de euros em 2023) e ao IRS (18,4 mil milhões de euros), mas o seu peso na carga fiscal é relativamente baixo. Em média, representa 9% do valor dos impostos totais arrecadados pelo Estado. De acordo com dados do Portal das Finanças, são as grandes empresas as que mais contribuem para o IRC: apenas 5% pagam 65% do total da receita arrecadada pelo Estado.

Se somarmos todas as taxas de imposto que recaem sobre os lucros das empresas, Portugal não se sai muito bem da comparação com os outros países europeus. A taxa estatutária é de 31,5%, o segundo valor mais alto da União Europeia e também um dos mais altos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

No entanto, um estudo do Banco de Portugal indicava, em 2022, que a taxa de impostos efetiva média aplicada às empresas permanecia “relativamente estável em torno de 25%” na última década, período em que a governação alternou entre o PSD/CDS e o PS. E, nesse caso, Portugal já se compara melhor com os outros Estados europeus. Como se passa de 31,5% de taxa estatutária para 25% de taxa efetiva no IRC?

Desde 2015 que a taxa nominal de IRC se mantém inalterada em 21%. A este valor, acresce 1,5% da derrama municipal, um adicional que o poder local pode ou não aplicar às empresas. Em cima disso, é aplicada a derrama estadual, criada em 2010, em plena crise financeira, como uma espécie de sobretaxa de IRC sobre as empresas com lucros tributáveis mais altos, e que pode chegar a 9%, perfazendo os tais 31,5% da taxa estatutária. Mas a mera soma aritmética destes números esconde que a tributação é progressiva, fazendo com que não seja sempre igual em cada uma das parcelas, e não tem em conta o “desconto” dos benefícios, deduções e incentivos fiscais concedidos às empresas. Em 2019, um grupo de trabalho criado pelo governo para estudar os benefícios fiscais contou 121 tipos diferentes destinados às empresas…

E assim chegamos à taxa efetiva média de 25%, que já não andará tão longe da média europeia ‒ apesar de ser muito difícil comparar as taxas efetivas entre países com regimes fiscais muito diferentes uns dos outros.

Corte “transversal” no IRC

O aumento da concorrência fiscal entre países, sobretudo no espaço europeu, tem-se traduzido por uma tendência para aligeirar as taxas de imposto sobre as empresas. Portugal não quer ser exceção, seguindo a tendência internacional. PSD, CDS e Iniciativa Liberal têm erguido a bandeira dos impostos e apontam a fiscalidade, sobretudo das empresas, como uma das principais causas da falta de competitividade da economia nacional. Do programa económico da AD fazia parte a descida do IRC em dois pontos percentuais ao ano, de modo a permitir reduzir a taxa dos atuais 21% para 15% no final da legislatura. Até no anterior governo do PS houve quem defendesse a descida da fiscalidade sobre as empresas. Agora, nas negociações para o Orçamento do Estado para 2025, a descida da taxa do IRC – mesmo apenas num ponto percentual – passou a linha vermelha.

O Orçamento do Estado para 2023 estava em preparação quando o então ministro da Economia, António Costa Silva, anunciou um corte no IRC, durante uma visita à feira de calçado de Milão. “Hoje, face à crise que temos, seria extremamente benéfico termos essa redução transversal [de IRC]”, disse o governante. No programa do anterior governo (de maioria PS), estava inscrita a ideia de um corte seletivo no IRC, de forma a beneficiar as empresas que reinvestissem os lucros e contratassem jovens qualificados. Mas o contexto inflacionista, causado pela guerra na Ucrânia, levou o ministro a ir mais além e a defender um corte transversal no imposto, ou seja, para todas as empresas, o que acabou por não acontecer.

Dois anos depois, o líder do PS, Pedro Nuno Santos, depois de se mostrar contra qualquer redução no imposto, chegou a admitir o corte de apenas um ponto no IRC, já em 2025, propondo trocar a medida do governo pela recuperação do crédito fiscal ao investimento. Até ao momento do fecho desta edição, o primeiro-ministro Luís Montenegro não tinha dado nenhum sinal de vir a aceitar a proposta.

Poucos pagam muito

5%
das empresas (volume de negócios > €2 mil milhões)

Pagam
65% de imposto

95%
das empresas (volume de negócios < €2 mil milhões)

Pagam
35% de imposto

Fonte: Deloitte Tax, a partir de dados de 2022 do Portal das Finanças

Palavras-chave:

1. Mais de 600 iniciativas

O programa com quase cem páginas é uma boa imagem para descrever a edição deste ano do FÓLIO, o Festival Literário Internacional de Óbidos promovido pela câmara municipal, pela Fundação Inatel e pela Ler Devagar. São mais de 600 iniciativas, entre debates, conversas, exposições, concertos e lançamentos de livros. No FÓLIO a grande e a pequena escala conjugam-se, com sessões para uma audiência maior numa tenda central e outras nos mais variados espaços da vila. Este ano, o mote é dado pelo tema da Inquietação: da guerra, do futuro, da incerteza e da própria literatura.

2. Ilustrações e exposições

Se o FÓLIO transforma Óbidos numa festa da literatura, não faltam outros atrativos. PIM! Mostra de Ilustração para Imaginar o Mundo é um deles, com inauguração no dia 12, na Galeria Nova Ogiva, e a entrega do Prémio Nacional de Ilustração, que distingue em 2024 Catarina Sobral. Este ano, cada ilustrador foi convidado a propor uma manifestação por uma causa, só sua ou de todos. A PIM é uma das 27 exposições, individuais (André Letria, João Abel Manta ou João Francisco Vilhena) e coletivas (BD, Mulheres Saramaguianas, Ilustrar o Zeca), do festival.

3. Concertos

A Fundação Inatel volta a assumir a curadoria da secção Folia, que propõe oito concertos (sempre às 22h) ao longo de festival, com músicos consagrados e emergentes: LINA, numa evocação de Camões (dia 10), Nancy Vieira (11), Maria João (12), Entre Nós (13, mas às 19h), Miss Universo (16), Luta Livre (17), Emmy Curl (18) e BATIDA (dia 19).

4. Dos cinco continentes

A neozelandesa Eleanor Catton participa numa das conversas. Foto: DR

Em 14 sessões, o tema da Inquietação leva à tenda principal, no centro da vila, escritores dos cinco continentes, muitos com livros já traduzidos ou a chegarem às livrarias. Conversas com a holandesa Hanna Bervoets, a neozelandesa Eleanor Catton, os franceses Jean-Baptiste Andrea e Bruno Patino, a etíope Maaza Mengiste, o turco Burhan Sönmez, a espanhola Beatriz Serrano, a norte-americana Danya Kukafka, a sul-coreana Anna Kim e o bósnio Velibor Čolić, nos dias 11, 12 e 13. E a equatoriana Mónica Ojeda, o inglês Max Porter, os brasileiros Tiago Ferro e Natalia Timerman, os espanhóis Manuel Jabois e Irene Vallejo, a venezuelana Karina Sainz Borgo, a ruandesa Scholastique Mukasonga, o argentino Alberto Manguel, a dinamarquesa Katrine Engberg e o ucraniano Andrey Kurkov, nos dias 18, 19 e 20.

5. Casas

Por iniciativa dos organizadores ou promovidas por algumas editoras, há cada vez mais casas temáticas durante o FÓLIO, com várias conversas entre escritores e artistas. Na secção Fólio Mais, que agrupa propostas de vários parceiros, surgem as casas Escrevivência, em torno da obra de Conceição Evaristo, escritora brasileira agora editada em Portugal pela Orfeu Negro; Fulgor evoca Maria Gabriela Llansol; e Floresta, com uma literatura em “conexão com o ancestral, a comunidade e a Natureza”. As editoras Abysmo, Penguin Random House e Tinta-da-China também têm casa própria e encontros com os seus autores.

6. Que Educação?

Com olhos postos nos desafios do presente e do futuro, a área da Educação tem no FÓLIO um espaço privilegiado de reflexão e formação. No dia 17, decorre o seminário A Inquietação da Leitura para Tod@s, ponto alto de uma secção que inclui lançamentos de livros, oficinas e conferências.

7. Andar pelas ruas

Com ou sem programa na mão, o FÓLIO convida a uma deambulação pelas ruas da vila, um pretexto para conhecer os seus monumentos, centros culturais ou novos espaços e para ser surpreendido por uma sessão que está a decorrer. A variedade e a inclusão são duas palavras-chave do festival, num cruzamento de culturas e artes.

FÓLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos > Óbidos > 10-20 out > programação completa em foliofestival.com

A entrevista de Luís Montenegro à SIC – excecionalmente bem conduzida por Maria João Avillez – mostrou um primeiro-ministro politicamente empenhado em puxar por Portugal, absolutamente consciente das dificuldades que enfrenta do ponto de vista da sua base parlamentar de sustentação, mas totalmente focado no cargo que os portugueses lhe conferiram, garantindo que nada mais fará politicamente quando cumprir a sua missão e sair de S. Bento.

Montenegro tem um estilo muito próprio no exercício do cargo: não gosta de perder tempo com matérias laterais, nem com jogos políticos ineficazes, e muito menos com a imobilidade na tomada de decisões. Está sempre presente, aqui e ali, no país, convoca Conselhos de Ministros a qualquer momento e em qualquer lugar, e imprimiu um ritmo elevado ao seu Governo, como se viu nos últimos seis meses.

Fechou o Orçamento do Estado para 2025, sem saber o que o PS vai fazer, e com isso afastou-se da posição difícil onde o queriam encurralar. No final deste mês se verá. Nunca poderá ser acusado de não conceder, negociar e tentar ultrapassar as dificuldades. O facto de ter sido o programa de televisão mais visto da noite passada diz tudo sobre o interesse nacional.

Só mais um pormenor muito pessoal: detesto a mudança nos interiores que foi feita em S. Bento. Aquilo não é uma residência oficial do primeiro-ministro, é um cenário da série “Star Trek”. Perdoem-me os arquitetos e designers de interiores que estiveram envolvidos naquela nave espacial. Há ali qualquer coisa de hotel experimentalista ou “b&b” futurista. Por mim, já teria virado tudo do avesso.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.