Os sinais acumulam-se e só não os vê quem não quer: as inundações, devastadoras e repentinas, já não são apenas desastres que associamos a povoações desfavorecidas do Terceiro Mundo, matam também cada vez mais pessoas nos países desenvolvidos. Até porque se tornaram muito maiores e mais frequentes, conforme avisam, há muitos anos, os cientistas que estudam as consequências do aquecimento global.
A tragédia a que assistimos, nos últimos dias, na Comunidade Valenciana, em Espanha, é o culminar apocalíptico de uma sucessão de outros acontecimentos desastrosos que se têm repetido pelo mundo. As situações dramáticas, que na voragem das notícias e da informação em contínuo continuamos a ver, tantas vezes, como casos isolados, precisam de passar a ser olhadas por um mesmo prisma: o sinal de que as alterações climáticas estão mesmo a ocorrer, de forma perigosa, e que negar essa emergência é abrir caminho à destruição e à morte de inocentes.
Há um mesmo fio condutor a unir o que se passou em Valência com, por exemplo, o facto da região italiana de Emilia-Romagna ter sido atingida por três vagas de grandes inundações em apenas um ano e meio, causando quase duas dezenas de mortes, obrigando à deslocação de milhares de pessoas e provocando prejuízos de milhões de euros. Ainda em setembro, inundações severas espalharam também a destruição e a morte em diversas regiões da Áustria, República Checa, Polónia e Roménia. No verão, milhares de pessoas tiveram de sair das suas casas no Sul da Alemanha devido às chuvas fortes que provocaram cheias de enormes dimensões. Na memória de muitos, estão também as imagens das grandes inundações provocadas pelas maiores chuvadas jamais registadas nas paisagens desérticas dos Emirados Árabes Unidos e do Omã, bem como as enchentes que, durante semanas, obrigaram ao deslocamento de mais de meio milhão de pessoas no Brasil. E, já menos fora dos holofotes mediáticos, não podemos ignorar as centenas de mortes provocadas pelas enxurradas e inundações no Quénia, no Sudão e no Afeganistão.
Todos estes fenómenos de inundações estão ligados a chuvas intensas, com níveis de precipitação que, como aconteceu em Valência, descarregam num dia a quantidade de água que, em condições normais, deveriam ocorrer num ano. E sabemos, de ciência certa, que o aumento da temperatura global, devido à emissão de gases com efeito de estufa, faz aumentar a humidade na atmosfera e provoca chuvas mais frequentes e severas na maior parte do planeta – com particular incidência na bacia do Mediterrâneo, onde a temperatura da água do mar tem ultrapassado valores recorde, ano após ano.
O mais dramático, no entanto, é que este acumular de sinais, associado aos avisos repetidos dos cientistas, ainda não provocou a mudança de mentalidades que o assunto exige. Nem alterou o sentido de emergência, por parte de muitos decisores públicos, que o acumular destas tragédias mais do que justificavam.
Se há algo que a catástrofe de Valência demonstra é que o urbanismo e a organização das cidades precisam de se adaptar, rapidamente, aos novos desafios climáticos. Fenómenos que até há pouco tempo julgávamos ser excecionais, apenas repetíveis uma vez por século, podem agora bater-nos à porta com muito mais frequência e intensidade. Já começámos a perceber isso com os fogos florestais e, nos últimos meses, uma tendência semelhante tornou-se mais notória e presente em relação às tempestades, com grandes chuvadas e consequentes inundações.
Neste contexto, um negacionista do clima não é apenas aquele que diz, contra toda a Ciência, não acreditar no aquecimento global. Ser negacionista do clima é também quem, no exercício do poder, não toma as medidas necessárias para minimizar o impacto dos fenómenos extremos ou, perante a iminência de uma catástrofe, desvaloriza os sinais e demora a acionar os meios de proteção civil essenciais para salvar vidas. Ser negacionista do clima é igualmente quem permite a construção de habitações nas linhas de escoamento de águas ou, na ânsia de facilitar a vida aos condutores de automóveis, manda pavimentar, com material impermeável, arruamentos e avenidas que, em dias de chuva intensa, se transformam em rios, com uma força descomunal.
A emergência climática não exige apenas medidas de transição energética para evitar o aquecimento global. Exige, além do mais, planeamento urbanístico, ordenamento do território e meios preventivos para fazer frente às ameaças da Natureza. O negacionista climático é muito mais vasto do que aparenta – e o custo de vítimas cada vez mais elevado.
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