Ilhas de lixo, praias interditas, rios contaminados. Ninguém gosta de imaginar cenários como estes – e muitos mais poderiam ser mencionados. Mas a preocupação com a redução da poluição e da contaminação da água, do ar e dos solos tem vindo a crescer tanto entre a sociedade como entre as entidades administrativas.
Foi neste contexto que nasceu a Azulfy, uma empresa portuguesa fundada em fevereiro de 2023 com o objetivo de fornecer soluções às Câmaras Municipais para monitorizar o mar, rios e barragens. Tudo começou em 2022, quando Fernando Bebiano Correia, diretor executivo (CEO) da empresa, participou numa maratona de programação (hackathon) organizada pelo Cassini, um fundo de investimento europeu dedicado ao setor espacial. Este evento, com a duração de 72 horas, reuniu programadores, designers e especialistas em negócios, desafiando-os a desenvolver e apresentar um projeto inovador num curto espaço de tempo.

Foi durante esta hackathon que Fernando Bebiano Correia conheceu Gustavo Dalmarco (diretor de tecnologia) e Jonatan Arboleda (diretor de operações). O trio, que o destino quis juntar, trabalhou em conjunto ao longo de três dias no projeto denominado “Green Travel Spots” e acabou por vencer a versão portuguesa do evento. Posteriormente, foram selecionados, para na semana seguinte, representar Portugal numa hackathon europeia, na qual a ideia da Azulfy começou a ganhar forma.
Durante a competição, apresentaram o projeto e conquistaram o reconhecimento dos júris, terminando em segundo lugar. Em entrevista à Exame Informática, Fernando Bebiano Correia recorda: “Ao longo do evento, recebemos feedback positivo de várias pessoas, incluindo dos próprios júris, que nos questionaram se seria mesmo possível monitorizar e identificar a poluição utilizando satélites no Espaço”. A atribuição do segundo lugar trouxe não só um prémio monetário, condicionado à criação de uma empresa para que pudesse ser atribuído, mas também cinco meses de mentoria, fundamentais para desenvolver e consolidar o projeto.
Como monitorizar a qualidade da água?
Atualmente, a medição da poluição da água baseia-se, na maioria dos casos, na recolha de amostras locais, conhecidas como amostras in situ, assumindo-se que estas representam toda a área circundante. No entanto, esta metodologia tem limitações e pode não refletir a realidade de forma precisa. “Isto é o que se faz na qualidade das águas balneares, na medição da concentração de dióxido carbono através de sensores ou na deteção de gases em áreas industriais. No entanto, sabemos, graças à tecnologia, que esta premissa nem sempre se verifica,” explica Fernando Bebiano Correia.
De facto, numa mesma praia podem existir manchas de poluição intensas ao lado de zonas de água perfeitamente limpa. Assim, a exatidão da medição depende inteiramente do local onde é recolhida a amostra, o que pode resultar em erros com potenciais consequências graves. “Um falso negativo é perigoso porque coloca a saúde pública em risco, mas um falso positivo pode resultar no encerramento desnecessário de uma praia, afetando a economia local,” acrescenta o diretor executivo da Azulfy.
Por essa razão, a empresa aposta numa abordagem diferente e utiliza imagens de satélite disponibilizadas diretamente pela Agência Espacial Europeia (ESA no acrónimo em inglês), sobre as quais são aplicados algoritmos para identificar diferentes variáveis, como presença de plástico, transparência da água, matéria orgânica, petróleo, carbono orgânico dissolvido, clorofila e coloração da água.
O produto desenvolvido pela Azulfy é um SaaS (Software como serviço), ou seja, trata-se de uma aplicação alojada na nuvem, acessível via internet, sem necessidade de instalação local. A tecnologia baseia-se nos dados recolhidos pela constelação Copernicus, da ESA, que inclui vários satélites equipados com câmaras hiperespectrais, capazes de captar imagens detalhadas da superfície terrestre. “Usamos essas fotografias e os algoritmos da Agência Espacial Europeia para identificar diferentes variáveis de poluição, sobretudo quando existem concentrações acima dos níveis de segurança,” acrescenta o diretor executivo da Azulfy.
Uma das grandes inovações da empresa reside na forma como disponibiliza esta tecnologia. Isto, porque no setor do Espaço, quando governos locais, administrações centrais ou grandes empresas necessitam de soluções de observação da Terra, estas costumam ser desenvolvidas à medida, resultando em projetos altamente personalizados, demorados e extremamente dispendiosos.
O projeto da Azulfy destaca-se por disponibilizar uma solução de fácil acesso. Para isso, foi essencial compreender especificamente as necessidades das Câmaras Municipais, que são o principal foco da empresa desde o início do projeto. Segundo Fernando Bebiano Correia, “começámos esta ideia com base no feedback do nosso mercado-alvo e mantivemos essa filosofia ao longo de todo o desenvolvimento, em colaboração com três Câmaras Municipais”, explica. No entanto, prefere não revelar quais os municípios envolvidos nos testes. A interface foi desenvolvida especificamente para responder às exigências das autarquias, garantindo uma ferramenta eficiente e adaptada à realidade da gestão ambiental.
O custo do serviço
Uma fotografia de satélite adquirida no mercado privado pode custar entre “3.000 e 3.500 euros”, de acordo com o líder da startup. Mas a Azulfy vai comercializar o serviço por 1.650 euros mensais (19.800 euros anuais), disponibilizando entre 15 a 30 imagens por mês, já processadas por algoritmos que identificam todas as variáveis de poluição.
“O nosso programa não entrega apenas as imagens, corremos os algoritmos e geramos alertas automáticos para as autarquias,” explica Fernando Bebiano Correia. A plataforma desenvolvida pela empresa centraliza toda a informação, permitindo que as Câmaras Municipais recebam notificações em tempo real sempre que há níveis de poluição acima do limite seguro. “As imagens demoram cerca de 12 horas a chegar à Terra, mas assim que entram na plataforma e se houver algo relevante, a autarquia recebe a informação em minutos”, acrescentou.
Ideias futuras
A empresa, que nesta fase conta apenas com os três sócios, quer expandir-se através de um marketplace (mercado digital, em tradução livre) de algoritmos, permitindo que investigadores desenvolvam soluções específicas para necessidades das autarquias. “Uma câmara pode contratar especialistas para criar algoritmos personalizados diretamente na nossa plataforma, adaptando a análise a variáveis específicas,” acrescenta o responsável de 43 anos, a pensar no futuro.
Com uma abordagem atualmente centrada nas Câmaras Municipais, a Azulfy pretende colocar o produto no mercado num futuro muito próximo e começar a atrair os primeiros clientes. O objetivo é disponibilizar ferramentas inovadoras que permitam monitorizar a poluição, contribuindo para um planeta mais sustentável. Só o futuro dirá se esta solução irá moldar o caminho para um mundo mais verde e saudável.




