Pedro Nuno Santos quis dar uma entrevista sobre imigração. Fez bem. É um tema importante para um país que recebeu tanta gente em tão curto espaço de tempo. Todos os seus contornos têm de ser alvo de debate público, é uma realidade com que vamos ter de conviver como comunidade agora e no futuro. Uma alteração no nosso quadro social desta dimensão não pode ser ignorada. Não olhar para o fenómeno de frente é abrir espaço para preconceitos ou moralismos bacocos.
Esperava-se, portanto, uma análise cuidada e propostas sérias e fundamentadas. Talvez reforço do ensino do Português para os imigrantes e seus filhos, promover a vinda das famílias, formação específica para uma melhor integração, centros para encaminhamento profissional e mais umas quantas que, com certeza, os especialistas dos socialistas saberão.
Afinal, o líder do PS limitou-se a umas considerações pouco rigorosas sobre o passado recente, a enunciar pregões próprios de uma direita serôdia (para não dizer extremada) e a trocar o património político PS por um prato de lentilhas que nem oportunistas chegam a ser.
Pouco importa lembrar o que o próprio disse em pleno Parlamento sobre o fim da manifestação de interesse ou que tenha mandado às malvas tudo o que defendeu como membro do governo e já líder da oposição. Mudou de ideias, nada mais legítimo.
Aguarda-se, já que não a disse, a proposta dos socialistas.
Convém recordar, ao contrário do que disse o governante dos últimos governos, que o instituto da manifestação de interesse não era nenhum decreto de escancaramento de portas nem tinha o tal efeito de chamada.
As pessoas teriam autorização de residência se cumprissem certos requisitos e mostrassem que tinham contrato de trabalho.
E não houve nenhum efeito de chamada, os imigrantes foram, sim, chamados. Foram as nossas empresas que precisavam de mão de obra para o crescimento económico que existiu e existe e que não a encontravam dentro das nossas fronteiras. Não foram chamados, mas ainda bem que vieram para trabalhar, para equilibrar a nossa Segurança Social e para nos equilibrar demograficamente e é fundamental que continuem a vir – agora pagamos com discursos xenófobos e velhacarias. Aliás, onde está o problema dessa suposta chamada se o nosso desemprego é residual e as empresas continuam a queixar-se de falta de gente para trabalhar?
Quem será o tonto que ainda acredita que um empresário que necessita de meia dúzia de empregados para a sua exploração agrícola ou para o seu restaurante se vai dirigir ao consulado do Paquistão para ver se alguém quer vir para Vila Real ou Portimão trabalhar? Mas será que ninguém conhece os nossos consulados e o que custaria prepará-los para este tipo de funções? E quanta mais burocracia os empresários têm de aguentar?
Pronto, aguardemos pela solução socialista. Esperemos que não parta de pressupostos como os que Pedro Nuno Santos utilizou para analisar a crise da habitação, culpando em larga medida a vinda dos imigrantes por ela. Alguém diga ao ex-ministro responsável pela pasta o que (não) tem sido a construção pública, a especulação, a burocracia para construir, a pressão da indústria turística e mais uns etcéteras.
O mais surpreendente da entrevista foi o espantoso discorrer sobre a nossa cultura e os nossos valores que os imigrantes têm de respeitar.
De que raio estaria Pedro Nuno a falar? Presumo que estivesse a falar de direitos e deveres. Espero que não estivesse a querer obrigar quem imigra para Portugal a gostar de futebol e não de cricket, que passe a apreciar cozido à portuguesa e desista da cachupa ou de caril ou que deixe de frequentar a mesquita ou a sinagoga.
No mesmo sentido, este português não partilha valores com o juiz que achava que as mulheres não deviam provocar o macho luso nas suas pastagens, com os inúmeros praticantes duma espécie de desporto nacional que é a violência contra as mulheres, nem com os padres praticantes de pedofilia. Será que não mereço a nacionalidade?
E sejamos justos, não creio que Pedro Nuno Santos também partilhe valores com a Rita Matias ou se sinta culturalmente próximo da irmã Lúcia.
Convém recordar que o respeito pelos direitos humanos e pelas mulheres é muitíssimo recente na História deste país. Lembremos apenas o que eram os direitos das mulheres até à reforma do Código Civil em 1977 (para não ir mais longe) ou o respeito pelos direitos humanos até 1974.
Nós, em democracia, resolvemos a questão de definir quais os valores fundamentais e o que para nós é inegociável e assim consagramo-los na nossa Constituição da República. Destaco um artigo: o 13º. É sempre importante ir lê-lo, mas avanço que fala de igualdade perante a lei e da impossibilidade de discriminação em função de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Ouvi dizer que esta coisa de estar a pensar numa nova política de imigração e a conversa dos valores e da cultura eram um recentramento de Pedro Nuno Santos. Não me parece. É, sim, uma ignorância total sobre o que é viver em democracia, o que é a coexistência de pessoas numa comunidade e o valor da Constituição e da lei. Como sei que Pedro Nuno é um democrata, não posso dizer que é um fã de regimes autoritários, mas é nesses que se impõem formas de pensar, de agir e até de nos relacionarmos com entidades celestiais.
Insisto, não é recentramento nenhum, é só errado. Mas se formos por essas fórmulas gastas, é, sim, uma viragem para uma direita extremada, a das tradições conservadoras, a do fado, futebol e Fátima como espécie de modelo cultural. Aprecio muito os dois primeiros, bem como muita gente que não nasceu cá e mal fala a minha língua, como sei de muitos patrícios que odeiam bola e fado.
Pouco importa que ache que com este discurso fica mais bem-visto pelos autarcas socialistas ou que pense que com estas barbaridades pode roubar votos ao Chega ou a quem quer que seja. Não interessa. Tenha chegado a estas convicções agora, estivessem escondidas, seja apenas por mero oportunismo, não são com certeza próprias de um social-democrata, nem de um líder do Partido Socialista de Soares, Sampaio e Guterres.
Mais, se Montenegro, nesta área, tem amplificado as teses do Chega, Pedro Nuno legitima-as de uma forma que nem nos seus melhores sonhos Ventura podia esperar.
O líder do PS fez o verdadeiro toque de Midas ao contrário: não conquistou um único eleitor que se revê nas ideias de extrema-direita sobre imigração e perdeu muita gente que, apesar de todos os erros, ainda o achava um abrigo de decência. Sendo isso o menos, não deixa de ser obra.
Pedro Nuno Santos é o funcionário do mês do projeto Chega. No mês passado foi Montenegro, mas o líder do PS consegui suplantá-lo.
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