O Reino Unido vive, hoje, o reflexo de uma decisão histórica cujas implicações estão longe de estar encerradas: o Brexit. Quando, em 2016, uma maioria de eleitores britânicos votou pela saída da União Europeia, abriram-se portas para um futuro incerto, ancorado numa promessa de soberania recuperada e de prosperidade renovada. Quase uma década depois, a realidade é outra. Hoje, começa a ganhar tração um conceito que, ainda que embrionário, tem peso simbólico e político: o “Brentrance” — o regresso do Reino Unido ao projeto europeu.
Este termo, ainda em disputa com outras variantes como “Brejoin” ou “Breturn”, representa mais do que um simples jogo linguístico. Encapsula uma revisão profunda da relação entre os britânicos e a Europa, motivada por desafios que transcendem o plano económico. As ameaças geopolíticas, a crise climática, a erosão da ordem internacional e o enfraquecimento das democracias liberais tornaram a cooperação europeia uma necessidade existencial, não apenas uma escolha estratégica.
O custo silencioso do Brexit
Os defensores do Brexit prometeram um Reino Unido mais forte, mais ágil, com maior controlo sobre as suas fronteiras, leis e economia. No entanto, o que se verifica é uma economia a crescer mais lentamente do que os seus vizinhos, dificuldades nas trocas comerciais, escassez de mão de obra em setores essenciais como a saúde e a agricultura, e um isolamento crescente em matérias de segurança e investigação científica.
As PME britânicas enfrentam entraves burocráticos antes inexistentes, o setor dos serviços financeiros perdeu parte da sua influência em relação a centros europeus como Frankfurt ou Paris, e a juventude britânica viu-se excluída de programas como o Erasmus+. É uma geração que paga o preço de uma decisão tomada por outras, mais velhas.
A nova ordem geopolítica e o imperativo da unidade
O regresso da guerra em solo europeu, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, expôs a fragilidade de um continente dividido. A NATO tem sido um pilar de defesa, mas a União Europeia tem vindo a assumir um papel crescente na área da defesa comum e da segurança energética. Neste contexto, o Reino Unido encontra-se numa posição ambígua: uma potência militar que partilha interesses estratégicos com os seus vizinhos, mas que está fora dos mecanismos de decisão europeus.
A cooperação na defesa, na cibersegurança, no combate à desinformação e na resposta a pandemias exige estruturas de articulação que vão para além de alianças militares. A União Europeia, com todas as suas imperfeições, tem sido capaz de articular uma resposta coordenada. Para o Reino Unido, continuar de fora é abrir mão de influência onde ela é hoje mais necessária.
Reentrar na Europa: um caminho complexo, mas possível
Naturalmente, um eventual Brentrance não seria simples. A União Europeia não está de mãos abertas incondicionalmente. A reintegração exigiria concessões políticas significativas: possivelmente o abandono de opt-outs históricos, uma maior integração política e, talvez, a aceitação do euro. Além disso, haveria um ceticismo natural por parte dos Estados-membros, receando uma repetição do ciclo de divergências.
Ainda assim, as circunstâncias mudaram. A geração mais jovem é maioritariamente pró-europeia. Os setores empresariais pedem estabilidade e acesso ao mercado comum. E, nos bastidores, começam a surgir movimentações diplomáticas discretas que apontam para um realinhamento progressivo.
Portugal e o papel dos parceiros europeus
Portugal, como parceiro histórico do Reino Unido, pode desempenhar um papel relevante nesta fase de reconciliação. As ligações comerciais, culturais e políticas que unem os dois países são profundas. Lisboa pode ser uma voz ativa em Bruxelas, defendendo uma abordagem pragmática e construtiva ao eventual regresso britânico, mesmo que esse regresso se inicie por fases: adesão ao mercado único, à união aduaneira, ou participação em programas europeus estratégicos.
O futuro é europeu
Num mundo em transformação acelerada, nenhuma nação europeia consegue, sozinha, responder aos desafios globais. O Brentrance não é apenas uma possibilidade técnica ou diplomática; é uma necessidade histórica, ditada pela realidade.
Reatar laços com a União Europeia não significa abdicar da identidade britânica, mas sim reconhecer que essa identidade foi, durante décadas, também profundamente europeia. O futuro do Reino Unido, para ser relevante e sustentável, passa por regressar à mesa onde se decidem os destinos da Europa.
O tempo de divisões passou. É tempo de reconstruir pontes. E de regressar ao futuro.
Reflexão final: para lá da política, a responsabilidade geracional
Um eventual Brentrance não é apenas uma decisão de governo. É uma escolha que exige visão, coragem e responsabilidade intergeracional. Reentrar na União Europeia é reconhecer os erros cometidos, mas também aprender com eles. É compreender que a soberania, nos dias de hoje, é partilhada para ser protegida, não isolada para ser perdida.
Num momento em que tantas democracias estão ameaçadas por extremismos e polarizações, a União Europeia continua a ser um dos projetos de paz, cooperação e prosperidade mais bem-sucedidos da história moderna. O Reino Unido tem lugar nesse projeto, se assim o desejar. E, talvez mais importante, se tiver a coragem de olhar para o futuro com humildade, convicção e esperança renovada.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.