Penso que é pacífico o facto de que somos um país europeu que vive um dos mais severos invernos demográficos, e que, por isso, necessitamos com urgência de medidas para o aumento da natalidade, até porque, de acordo com os estudos, os portugueses desejariam ter mais filhos do que os que têm ou pensam poder vir a ter.
Posto isto, o que faz o Governo em favor dos casais jovens que querem ter filhos? Assegura creches gratuitas para todos? Aumenta o abono de família significativamente? Intensifica a rede de cuidados de saúde para grávidas e puérperas? Alivia os impostos aos jovens casais mais necessitados? Baixa o IVA a produtos alimentares e de higiene para bebés? Estimula o mercado de arrendamento para habitação?
Não! Faz exatamente o oposto mas com requintes, como admitir o fecho recorrente de urgências obstétricas em zonas do País altamente populosas, levando cada vez mais crianças a nascer em ambulâncias, e prossegue o abandono do interior, impossibilitando a fixação de novas famílias. E, cúmulo dos cúmulos, procura retirar às mães trabalhadoras a facilidade e o direito legal de amamentar os seus filhos, considerando-as a todas, à partida, uma cambada de vigaristas, mesmo contra a evidência dos factos fornecidos pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), o organismo da administração pública que entretanto terá detetado algumas infrações do patronato nessa matéria e nenhuma por parte dos trabalhadores, ou a Comissão para a Igualdade no Trabalho, que nunca recebeu queixas desse tipo por parte das empresas.
Aliás, sabe-se que as dispensas para amamentação nunca foram discutidas entre Governo e patrões, pois estes não a consideram tema prioritário. Daí resulta a suspeita de que o Governo não quer bebés de famílias pobres e de classe média, que precisam de trabalhar para sobreviver. Só das outras… Se não é, parece.
Talvez a alternativa que resta aos pobres seja mesmo os bebés reborn, um brinquedo que se está a transformar numa aberração social e a promover perturbações na saúde mental de muita gente por esse mundo fora. Não tarda nada está a haver em estímulo fiscal para adquirir um reborn…
O Governo dá assim mais um sinal de que nos encaminhamos perigosamente para a sociedade do faz-de-conta.
Fingimos que temos um sistema democrático, com respeito por todos, sem corrupção nem discursos de ódio, e que não existem em Portugal grupos neonazis e fascistas que se movem à vontade apesar de proibidos pela Constituição portuguesa.
Fingimos que todos os cidadãos têm os mesmos direitos em matéria de justiça, de habitação, de saúde, de educação e de emprego. Fingimos que todos os cidadãos são livres, independentemente do sexo, da cor da pele, da idade, da educação e do nível social. Fingimos que as mulheres trabalhadoras têm os mesmos direitos dos homens e que são respeitadas dentro e fora do ambiente profissional como eles.
Fingimos que tratamos os mais velhos com o respeito que merecem e não como um peso-morto, empecilhos ou ativos descartáveis que já não interessam ao sistema produtivo. Fingimos que estamos a formar jovens nas universidades para o mercado de trabalho do país que neles investiu e não para exportação.
Fingimos que o governo central trata da mesma forma os cidadãos fixados no litoral e nas grandes cidades como lida com os que vivem no interior do País e na raia.
Ser contra o aborto e, ao mesmo tempo, não permitir às mulheres condições mínimas para gerar filhos em segurança e com dignidade é uma das maiores hipocrisias do nosso tempo. Impedir casais em idade fértil de terem filhos por falta de condições mínimas não será uma outra forma de aborto, neste caso de abortar os seus sonhos legítimos de constituírem família, de parentalidade e de perseguirem a sua realização plena enquanto seres humanos? Esta gente bate religiosamente no peito mas esquece-se do princípio bíblico: “Crescei e multiplicai-vos.”
Como bem escrevia Rita Lobo Xavier no Público, em 2014: “Do que se trata principalmente é de considerar a família como eixo central da Política da Família. A sociedade é plural e complexa, mas é possível unirmo-nos numa perspetiva comum de valorização da família como o ambiente humano onde se geram, cuidam, educam e acompanham os filhos.”
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.