Há muito que o discurso de taberna ganhou foros de normalidade, entrou na vida política e subiu aos parlamentos. Esta regularização do inaceitável que passa pela diabolização persistente de grupos étnicos, dos estrangeiros e das instituições democráticas, faz lembrar o alvor do nazismo, a revolução soviética, o estalinismo e todas as muitas desgraças subsequentes que marcaram a nossa história.
Quando a emoção vence a razão, quando a ignorância ganha à informação, quando o ressentimento supera o bom senso as sociedades descambam em situações incontroláveis das quais resultam invariavelmente a guerra, a destruição e a morte, algo vai muito mal.
Não é possível criar uma sociedade harmoniosa quando o discurso e a praxis política se baseiam no acto de eleger inimigos internos e externos e de lhes dar luta. Quando se guerreia contra pessoas, grupos sociais, etnias, emigrantes e refugiados, o fim é sempre mau. Quando se combatem as instituições democraticamente eleitas e se substituem por caudilhismos e poderes unipessoais, está aberto o caminho para a degradação do tecido social.
O populismo de direita e esquerda é um cancro que vem corroendo o nosso mundo, em particular na Europa e nas Américas. Nalguns casos os populistas ascenderam ao poder através do voto, de truques palacianos ou movimentos revolucionários. Há de tudo.
Uma vez instalados no poder, os populistas começam por destruir toda a harmonia social segundo a velha máxima do “dividir para reinar”. Se para uns a culpa é dos comunistas ou da esquerda, para outros será dos capitalistas ou da direita, para outros é dos ciganos, e ainda para outros é dos imigrantes. Em qualquer caso tem sempre que de apontar o dedo a alegados culpados a fim de se dirigir a frustração do cidadão contra um alvo definido. E enquanto alguns se entretêm a perseguir, expulsar ou dificultar a vida aos “inimigos”, crendo que uma vez castigados ou erradicados do mapa se entrará num tempo de paz e prosperidade, a seguir há necessidade de eleger novos demónios para manter o povo focado a dirigir contra outros alvos a sua frustração.
Portanto, se nalguns casos à luta de classes sucede a luta contra a corrupção, contra o imperialismo e por aí afora, à luta exacerbada por motivos xenófobos, segue-se a luta por razões racistas, e o mais que se invente.
Mas, ainda pior do que isso é a tendência geral para elevar indivíduos de mau carácter e idiotas ao poder. O caso mais acabado é o do novo presidente argentino, um excêntrico conhecido como “El Loco”, que fala com o cão morto e que mandou clonar não sei quantos cães.
Suspeito, porém, que uma boa parte dos eleitores se diverte a votar nesta gente, talvez por que os regimes democráticos não estão a responder aos seus anseios pessoais. Como escreveu Victor Ângelo no DN: “Voltando a Milei, ficou provado que zurrar é um trunfo político. Temos aí um triste exemplo do impacto nefasto que os maus editores-gerais das redes de televisão podem ter: levar um louco, um brutamontes ou um desmiolado à chefia de um país. Hoje, aconteceu na Argentina, amanhã poderá ser nos EUA, ali ou acolá, ou em Portugal. A rádio, uma novidade na altura, permitiu a chegada de Adolfo Hitler ao poder e a propagação das suas ideias criminosas. Agora, o digital, a inteligência artificial e a televisão abrem a via a uma outra geração de alienados igualmente perigosos.”
Claro que isto não surge do nada. As redes sociais têm desempenhado um papel relevante para dar voz aos que zurram e algum jornalismo vai atrás por causa dos algoritmos, assim como os canais televisivos de informação no cabo, que precisam de encher a programação vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, sempre de olho nos shares.
Uma coisa é certa. Boa parte da população não viveu os tempos de ditadura e não sabe o que custou conquistar a democracia e a liberdade, em tempo, sangue e lágrimas. Quem não cuida da democracia merece a ditadura. Depois não se queixem. São como aqueles filhos de famílias ricas que receberam uma herança fabulosa, mas delapidaram-na rapidamente ficando depois remetidos à miséria.
Deixem os bêbados discorrer sobre os males da sociedade, mas apenas na taberna. E já agora, deixem também os burros a zurrar ao vento, só não os alimentem.
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