A pesquisa, que foi realizada à saída da pandemia, demonstra que a situação se vai agravando com o avançar da escolaridade, em especial entre as raparigas em termos de sofrimento psicológico e défice de competências socio-emocionais. Curiosamente o olhar da coordenadora do estudo é optimista pois acredita que a esmagadora maioria dos alunos irá recuperar dentro de algum tempo, mas não se compreende muito bem de que modo: “Isto não é uma catástrofe nacional, é apenas um período de vulnerabilidade nacional”.
A verdade é que o estudo conclui que quase uma em cada quatro crianças são irrequietas (23,2%) e se distraem muito facilmente (24,9%), o que pode resultar dos poderosos estímulos a que hoje estão sujeitas. Mas entre os alunos mais velhos “mais de um quarto disse sentir tristeza (25,8%), irritação ou mau humor (31,8%) e nervosismo (37,4%) várias vezes por semana ou quase todos os dias.” Um terço dos alunos considerou que a vida escolar, a vida pessoal e a relação com os amigos pioraram durante a Covid-19, embora a maioria tenha considerado que a vida familiar se manteve sem grandes alterações.
Quanto aos docentes, e apesar de a maioria confessar que a docência é motivo de satisfação pessoal, o facto é que cerca de metade (48,5%) afirma que se sentem frequentemente nervosos, irritados ou de mau humor e alguns indicam até dificuldades em conciliar o sono. Vinte por cento dizem que se sentem profundamente tristes, uma situação que pode estar relacionada com o cansaço devido ao tempo de serviço e ao avançar da idade, sendo que os inquiridos apresentam uma média de idades de 51 anos e tempo médio de serviço de quase 26 anos.
Mas idade e carreira mais longa traduzem-se normalmente em maior tendência para sintomatologia de ansiedade e depressão, assim como a percepção duma menor qualidade de vida. Segundo a coordenadora do estudo, Margarida Gaspar de Matos: “Os professores estão muitos doentes. A minha preocupação é muito com os professores, porque um professor perturbado com 30 alunos à frente não vai conseguir fazer um bom serviço nem para ele nem para os alunos.” A capacidade de iniciativa vai-se reduzindo e não podemos esquecer que a comunidade escolar sentiu muito a pandemia, com reflexo nas relações sociais e no âmbito escolar.
É sabido que a escola que temos ainda é herdeira do século XIX, quando o ensino era massificado no âmbito da sociedade industrial, e que o mundo e a sociedade estão a mudar tão rapidamente que o sistema de ensino tem muita dificuldade em acompanhar essas mudanças. Urge centrar cada vez mais a escola no aluno e não nos conteúdos curriculares. Numa altura em que se começa a falar em produzir medicamentos a la carte, de acordo com as características clínicas e biológicas de cada utente, como é que podemos continuar a pensar que os trinta alunos duma turma têm os mesmos interesses, a mesma capacidade intelectual e cognitiva, as mesmas aspirações e a mesma vocação? Torna-se impossível a qualquer professor conseguir chegar com eficácia a cada aluno, a apoiá-lo e orientá-lo devidamente.
A primeira tarefa da escola não é ensinar conteúdos mas ensinar a aprender. Depois, a escola precisa de preparar os adolescentes para a vida em sociedade e a cidadania. Além da sensibilização para as questões ambientais, da familiarização com os direitos humanos e do respeito pela dignidade da pessoa independentemente do sexo, cor da pele, etnia, religião, idade, condição social, física ou mental, torna-se necessário na sociedade contemporânea fornecer-lhes uma introdução consequente ao fenómeno religioso (isto nada tem que ver com o ensino religioso confessional).
Mas também noções de economia doméstica, e coisas práticas como elaborar um CV, preparar uma entrevista de emprego, preencher a declaração do IRS e, no último ano do secundário, sair com o exame do Código da Estrada feito já que todos eles vão ser utentes da via pública, sem esquecer as competências emocionais. Chama-se a isto preparar para a vida.
Há muito tempo que se anda a dizer que a escola precisa de mudanças profundas. Mas as receitas dos sindicatos, que se centram quase sempre na carreira dos docentes e seus (legítimos) interesses não respondem por completo às necessidades, nem as políticas dos sucessivos governos, centradas por norma em resultados estatísticos imediatos. Se um aluno tiver notas excelentes nos exames mas for um péssimo cidadão não se pode dizer que a escola o preparou devidamente para a vida em sociedade.
Não creio que o facto de um terço dos alunos estarem em sofrimento psicológico, assim como metade dos professores se deva exclusivamente à pandemia. O problema tem que ser mais fundo. O alcoolismo juvenil, a violência no namoro e a criminalidade nos jovens comprovam-no pois já são anteriores à Covid-19. Mas também não pode deixar de se dizer que a escola confere instrução e forma cidadãos, mas é à família que compete dar educação e formar seres humanos responsáveis, embora alguns pais empurrem essa responsabilidade para as escolas e as igrejas.
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