Quando, no final de 2016, se fizer uma seleção de palavras do ano, o termo “escorregadela” tem de lá estar. O setor financeiro, a banca e, mais concretamente, o Banif, está a ser o calcanhar de Aquiles do entendimento à esquerda, que permitiu a António Costa formar governo.
Esta sexta-feira, no debate quinzenal, na AR, Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, foi bastante clara: o orçamento retificativo que permitiu a venda do Banif ao Santander e a disponibilização de fundos públicos para arcar com os prejuízos foi uma “escorregadela” de António Costa e do seu Governo. Com essa “escorregadela”, diz a bloquista, “o Banco de Portugal fez o que quis, o Santander ganhou o que queria e o primeiro-ministro perdeu a maioria”. Como quem diz: “Outra assim e diz adeus à maioria”.
Mais, acrescenta, numa alusão ao alegado “banco mau”, que absorveria o crédito mal parado da banca portuguesa, foi um problema andar a discutir três milhões para prestações sociais urgentes, enquanto o mal parado dos bancos pode chegar a 20 mil milhões,sem que o Governo PS pestaneje. Um tiro em cheio.
Sim, porque Catarina Martins tem toda a razão. E a incomodidade evidente à esquerda, partilhada por Bloco e PCP, tem motivos mais do que válidos. A esquerda desconfia que a venda do Banif se parece, cada vez mais, com uma panelinha de interesses, que se aproveitou da incapacidade, da ingenuidade ou da conivência do poder político para prosseguir os seus fins.
O Banif continua a ser uma história mal explicada. Afinal, quem tinha pressa na venda do banco aos espanhóis? Quem colocou a notícia na TVI que precipitou o processo? Que email é aquele que Mário Centeno nega, mas que o PSD diz existir, e que o ministro teria enviado para que a Comissão Europeia desbloqueasse a venda ao Santander? Qual o papel de Vítor Constâncio – outra vez Vítor Constâncio!… – no processo?
Carlos Costa, por exemplo, não pode ser acusado de mentir quando diz que a decisão de cortar o financiamento ao Banif foi do BCE. Mas parece confirmar-se que o governador sugeriu essa mesma medida ao Banco Central Europeu. Claro que a decisão tinha de ser do BCE! Usá-lo como argumento justificativo, para sacudir a água do capote, é que assume laivos de chico-espertismo…
Um ex-administrador do Banif disse que não se tratou de uma venda, mas de uma doação ao Santander. Tudo o que vamos sabendo aponta nessa direção. Alguém tem de perguntar ao primeiro-ministro, e ao ministro das Finanças, porque é que é possível ter uma voz própria na Europa para negociar o Orçamento de Estado e não a ter para negociar um pequeno banco. O Governo regateou? Esgotou as possibilidades? Pediu mais tempo? Exigiu, a Bruxelas, outras condições ou outra solução, nomeadamente a integração do Banif na Caixa Geral de Depósitos? O Governo desculpa-se com Bruxelas: havia que cumprir um prazo, havia regras europeias, havia uma solução imposta. Todos os argumentos que este Governo critica ao anterior quando o acusa de… subserviência.
2. Numa entrevista ao El País, José Sócrates afirma que a Operação Marquês foi concebida para que o PS perdesse as eleições e para impedir a sua própria candidatura à Presidência da República. Portanto, o PS é um alvo da Justiça e ele próprio, Sócrates, o centro das atenções. Acrescenta, depois, que os dois objetivos foram conseguidos. Com isto, ficamos a saber várias coisas: que José Sócrates planeava lançar uma candidatura presidencial. Que (pode presumir-se ser esta a sua opinião), Marcelo estará em Belém por causa da Operação Marquês. E que o facto de António Costa ser hoje primeiro-ministro é um tanto ou quanto irrelevante. Isto é que é uma escorregadela.