A reunião do Conselho de Ministros que aprovou o Orçamento do Estado para 2016 durou seis horas e meia. Apesar da delicadeza deste processo e de todas as dificuldades conhecidas, com o Governo a negociar em diversas frentes – Comissão Europeia, PCP, Bloco de Esquerda, Verdes, PAN – estamos muito longe dos longos conselhos de ministros do Governo de Passos Coelho, de 17 e 18 horas, que ocupavam sábados e domingos inteiros. Isto tem de ser creditado a uma forma muito mais eficaz de conduzir uma reunião.
Relativamente à discussão entre o Governo e a Comissão Europeia, António Costa disse, repetidamente, que não havia divergências políticas, mas sim técnicas, que estavam a ser trabalhadas. É precisamente isto que é preocupante. Não tinha de haver divergências políticas: para a Comissão, é indiferente se o Governo tributa a classe média, os ricos, as empresas ou o trabalho. Os comissários europeus não têm nada a ver com isso. Nem querem. O que querem mesmo é ver as contas a bater certo. Querem que dois mais dois somem quatro. Se, por acaso, a equipa de Mário Centeno disser que somam cinco… temos um divergência “técnica”. O que não é tranquilizador, ao contrário do que Costa quer vender…
Dito isto, há ouitros considerandos que julgo pertinentes. Este Orçamento foi considerado, por alguns economistas partidários da TINA (There Is No Alternative) como “ideológico”. O que querem dizer é que há oções políticas diferentes. Claro que sim. Se não fosse assim, não valia a pena haver eleições. O guião já estaria escrito e a qualquer empresa escolhida por concurso público poderiam ser adjudicadas as funções da governação. Há um aumento de impostos? Sim, claro, é o ADN da esquerda. Mas não dos impostos sobre o trabalho ou sobre as pessoas. Querem um exemplo? Se há um aumento da capacidade de consumo interno, isso reflete-se nas importações, o que é mau. E onde isso mais se nota é na aquisição de automóvel. Vai daí, o Governo tributa mais a utilização do automóvel, desencentivando a respetiva aquisição. Seja no IUC, seja no imposto automóvel, seja no combustível. “Ideologicamente”, procura fomentar o uso do transporte público. É uma medida ideológica, ou uma opção política. Querem outro caso? Os mesmos economistas TINA, e os empresários, queixam-se de que o aumento dos combustíveis (via agravamento fiscal) onera os custos de produção. Mas nunca os vimos congratularem-se pelo facto de a baixa dos preços do petróleo terem aliviado, muito para além das espectativas, esses mesmos custos de produção. Um carro com capacidade para 60 litros de gasóleo simples paga hoje, em cada depósito cheio, cerca de menos 25 a 30 euros do que há dois anos. Um aumento de seis cêntimos por litro colocará os preços ao nível de há três ou quatro meses, o que, mesmo assim, é baixo. Estas queixas são típicas, isso sim, da maneira de ser portuguesa de nos queixarmos de tudo.
Ainda dentro do mesmo exemplo, porém, há um reverso da medalha: este imposto é uma roleta russa, que aproveita a baixa do preço do petróleo. A câmara das balas está vazia. Mas o que acontecerá quando, um dia destes, o petróleo voltar a subir e a câmara já tiver quatro ou cinco balas?… Visto desta maneira, esta medida, que parece estrutural, não passa de um truque.
Entretanto, Pedro Passos Coelho lançou-se num périplo nacional, em campanha pela sua quinta candidatura à presidência do PSD. Sem concorrência: se o Governo durar quatro anos, ninguém quer fazer a travessia do deserto. Se durar um ou dois, ninguém estará em melhor posição do que ele para aparecer como salvador – o homem que ganhou as eleições e, como se comprovaria, tinha razão. Passos já disse que gostaria de governar sem ser em austeridade. Também estamos curiosos. Mas, se a austeridade deixar de ser necessária, é porque o atual Governo se terá saído bem. O que terá, então, o líder do PSD a dizer, para convencer os portugueses a mudar? Com ele, as reuniões de conselhos de ministros podiam ter 17 ou 18 horas de duração. Mas, para convencer os eleitores, vai precisar de mais tempo.