Com início em finais de 2019, a trágica pandemia do SARS-CoV-2 afetou drasticamente a vida quotidiana da população mundial, nomeadamente do ponto de vista da saúde, mas, também, do distanciamento físico, confinamento, isolamento social, das práticas de sociabilidade, com forte impacto na vivência religiosa.
No dia 27 de março de 2020, num dia escuro, frio e chuvoso, o Papa Francisco, na imensa praça central do Vaticano, agora totalmente vazia, na sua homilia, resumiu desta forma os efeitos da pandemia na vida das pessoas:
“Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem… fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda” (Vatican News).
O momento, sem a presença física dos fiéis, no entanto, foi (re)transmitido para o mundo todo, através dos canais de televisão, web TVs, mas, principalmente, pelas poderosas redes sociais. É o espaço sagrado, o centro geográfico e religioso-espiritual (de Pedro) conectado ao mundo (virtual); é a religião (católica) online no seu máximo esplendor.
No caso de Portugal, a pandemia, com início em março de 2020, impôs inúmeras e expressivas mudanças de comportamentos nas várias religiões presentes no país, alterando as suas dinâmicas de atuação, nomeadamente no que se refere às estratégias de proselitismo, práticas de cultos e sociabilidade religiosa.
Para entender melhor esta nova realidade, analisamos o segmento protestante-evangélico. É justo dizer que, especificamente sobre a realidade vivida em Lisboa, a etnografia contou com a valiosa ajuda do Kaique Cardoso, doutorando em Sociologia na Universidade da Beira Interior.
Cumprindo as normas de confinamento impostas pelo governo, em março de 2020, as igrejas evangélicas fecharam as suas portas e encerraram as suas atividades religiosas presenciais. Para além da suspensão dos cultos, foram também cancelados os grandes eventos e encontros já planeados para o ano de 2020.
Apesar da forte valorização do culto presencial e do convívio social, o fechamento dos templos (como espaço físico) não foi um grande problema, pois esse tipo de igrejas normalmente utiliza maciçamente (e de maneira muito eficiente) o ‘espaço virtual’ – as plataformas virtuais e redes sociais, tais como Youtube, Instagram, Facebook, Zoom, Google Meet e Whatsapp.
As transmissões dos cultos são livres e não possuem nenhum tipo de restrição, sendo amplamente divulgadas nos sites oficiais e nas redes sociais das instituições religiosas. Além disso, é comum os fiéis, a partir das suas próprias redes sociais, retransmitirem os cultos em live, visando, assim, atingir o maior número possível de visualizações. Com o aprimoramento das plataformas de transmissão, e numa estratégia de adaptação, foi possível realizar alguns eventos online, como o ‘acampamento/retiro virtual’.
Apesar da experiência da ‘religião online’, as igrejas fizeram um grande investimento e rapidamente aperfeiçoaram, não apenas as suas ferramentas digitais, mas, também, a mão de obra especializada neste tipo de ferramenta digital. A necessidade de aprimoramento tecnológico para alcançar o maior número possível de fiéis – e para atrair novos membros – algumas igrejas criaram um “Ministério de T.I” (tecnologia de informação). Este grupo especializado tem como missão instruir e auxiliar os membros com maior dificuldade em aceder aos canais e plataformas de reuniões virtuais, nomeadamente os de idade mais avançada.
A partir do verão até dezembro de 2020, com o abrandamento das regras de confinamento, algumas igrejas, respeitando as normas da DGS, voltaram a realizar alguns ritos/rituais, nomeadamente cultos, baptismos e casamentos. Porém, para proporcionar a necessária segurança dos fiéis, as igrejas tiveram que se adaptar: incentivaram a participação online e os cultos presenciais foram divididos em vários turnos. Uma igreja criou inclusive uma App para os fiéis confirmarem a presença nos cultos, restringindo, desta forma, o número de pessoas presentes fisicamente. Portanto, com as ruas e templos fechados, em alternativa, abriram-se novos caminhos, novas práticas (virtuais) de vivência religiosa.
A partir de janeiro de 2021, com o agravamento da pandemia, voltaram as regras mais duras de confinamento e o consequente novo fechamento dos templos religiosos.
A partir de abril, com as novas normas de desconfinamento, os fiéis poderão novamente dirigirem-se aos templos para rezar/orar para os seus deuses, para as suas entidades religiosas-espirituais. Mas atenção: o vírus é um demónio e anda à espreita. Felizmente, o vírus é poderoso, mas não é mais forte do que Deus.