O espectro de uma nova crise financeira – com a falência de dois bancos nos EUA e uma situação de crise no Credit Suisse -, as medidas de combate ao aumento dos preços dos produtos alimentares e o “motim” (na expressão de um dos participantes neste debate) a bordo do navio de guerra português NRP Mondego foram os temas principais em análise no Olho Vivo, programa de política e economia da VISÃO. Rui Tavares Guedes, diretor executivo da VISÃO, considerou que “a revolta dos marinheiros do NRP Mondego criou uma nova oportunidade mediática para o almirante Gouveia Melo reforçar, junto da opinião pública, a sua imagem como paladino da ordem e da disciplina.” E acrescentou: “O almirante beneficiou, em certa medida, da reação menos disciplinadora e mais apaziguadora de Marcelo Rebelo de Sousa que, face ao ‘motim’ ocorrido na Madeira, preferiu apontar o dedo ao Governo, a quem pediu que resolvesse o problema da falta de meios nas Forças Armadas. “Há uma batalha naval entre Marcelo Rebelo de Sousa e Gouveia e Melo”, concluiu Rui Tavares Guedes.
Tiago Freire, diretor da Exame e responsável pela secção de Economia da VISÃO, reforça esta ideia: “As primeiras palavras de Marcelo Rebelo de Sousa não foram felizes, porque pareceram dar alguma cobertura à atitude dos marinheiros, que não é admissível numa força militar. Escolheu focar a sua intervenção na exigência ao Governo de que faça o investimento público necessário na Defesa, mas acabou por, com esse foco, desvalorizar de certa forma a recusa dos marinheiros em cumprir a missão que lhes foi atribuída.”
Para Filipe Luís, editor-executivo, “este episódio remete-nos para os tempos do PREC e dos SUV [Soldados Unidos Vencerão] em que as ordens eram discutidas em plenário de soldados”. Mais, para Filipe luís, se é verdade que o comandante do navio “concordou” com as razões dos marinheiros, “isso ainda piora mais as coisas, porque um comandante não tem de concordar nem deixar de concordar com os seus subordinados, nem colocar as missões à discussão… o que tem, isso sim, é de decidir e de assumir a responsabilidade. Se o navio não estava em condições – e parece que estava… – a decisão de não cumprir a missão teria de ser tomada pelo comandante e por mais ninguém”. Mais, “esta situação coloca Portugal em xeque na NATO: depois de termos generais pró-russos a perorar nas televisões, temos marinheiros que se recusam a vigiar um navio russo; e os nossos aliados interrogar-se-ão de que lado estamos nós, afinal… Para não falar da vergonha que António Costa passou ao ter de reagir ao caso ao lado de um líder estrangeiro, e logo o primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchez… Depois desta, só faltará que, daqui a nada, haja militares portugueses que se recusem a ir para cenários de guerra por não existirem ‘condições de segurança…’”, ironizou Filipe Luís. Sobre as palavras dissonantes entre Marcelo e Gouveia e Melo, o editor executivo alertou que “o PR tem de ter cuidado com o que diz… até parece que não sabe com quem se está a meter…”
Neste pingue pongue institucional, Rui Tavares Guedes considera que, “para já, o almirante acertou os primeiros tiros no porta-aviões do comandante supremo das Forças Armadas. Marcelo errou o tiro, ao centrar o seu discurso na falta de manutenção dos equipamentos, como a justificar a revolta, enquanto o almirante focou o seu discurso na disciplina – essencial nas Forças Armadas e… no país. Argumentos ideais para um futuro candidato à Presidência.”
Em relação à crise dos bancos, Tiago Freire dianostica que “este é o verdadeiro teste à capacidade dos bancos centrais e dos seus responsáveis. Eles estão a combater a inflação recorrendo a medidas académicas que estudaram, que dizem que a inflação se combate com juros mais altos. Mas não estamos a ver grande resultado disso na inflação, ao mesmo tempo que sentimos a dor que a subida das taxas de juro está a provocar, inclusivamente em parte do setor financeiro. Talvez fosse preciso pensar de forma diferente e ser mais original nas medidas, mas acho que eles não sabem quais e acho que na verdade ninguém sabe”. Filipe Luís lembrou que esta inflação é diferente das outras, pelo que talvez necessitasse de medidas diferentes: “Enquanto só tivemos as subidas das taxas de juro, a inflação continuou a aumentar; e se começou a moderar-se, isso coincidiu com o momento em que a China acabou com a política de Covd Zero e recomeçou a trabalhar. Não tem nada a ver com taxas de juros.” Filipe Luís salientou, ainda, que, “quando os políticos se apressam a dizer que está tudo muito sólido, que os bancos respiram saúde e que os contribuintes não serão afetados – como aconteceu quando António Costa prometeu que os contribuintes não gastariam um cêntimo com o Novo Banco… – é logo razão para começar a desconfiar…”
Rui Tavares Guedes preferiu olhar para as implicações geopolíticas da aparente crise financeira: “Há um cheiro a 2008 no ar, mas o mundo de hoje já não é o mesmo de 2008. Nessa altura, a China saiu em socorro da economia mundial, acabando por beneficiar com isso. Hoje, as relações entre a China e os EUA já não são as mesmas, e a China irá, naturalmente, aproveitar-se para demonstrar que o seu sistema bancário – completamente dominado por Pequim – funciona muito melhor do que o sistema americano e ocidental. No atual momento, isso pode ter grandes consequências no alinhamento de cada país, face a uma futura ordem internacional”
O diretor executivo também se pronunciou sobre a subida descontrolada dos preços, estranhando que o Governo tenha demorado tanto tempo a pôr a ASAE a fiscalizar as suspeitas que existem por parte dos distribuidores. “Por este andar, quando chegarem as conclusões já o mundo está diferente e, porventura, o problema será outro”, considerou.
Já Tiago Freire fala de bodes expiatórios: “António Costa já tinha encontrado um bode expiatório na habitação, quando decidiu fazer dos senhorios os maus da fita, apesar de em tantos anos de Governo não ter feito nada pela habitação. Até pelos problemas na saúde, já ouvi culpar os doentes por irem muitas vezes ao hospital. Agora o bode expiatório são as retalhistas. Estas empresas não são santas e estão a ganhar mais dinheiro com a inflação, mas também é verdade que estão a incorporar parte dos custos acrescidos, embora pudessem fazer mais, continuando a dar lucro. Mas os verdadeiros lucros excessivos disto tudo são os do Estado, que se recusa a abdicar de um cêntimo de receita fiscal, que também está a crescer muito com a inflação”.
Filipe Luís reforçou a ideia: “Aqui ao lado, em Espanha, a vida está mais barata do que em Portugal; ora, o governo espanhol baixou ou aboliu o IVA em certos produtos, enquanto o Governo português se recusa, sequer, a falar nisso. Porquê?”
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