Massacre
Em poucos dias assinalamos dois meses de massacre em Gaza. A sucessão dos acontecimentos é difícil de acompanhar, de tal forma que vale a pena situar este texto no início do mês de novembro, no dia 8, em que se contavam pelo menos 10 569 mortos, dos quais 4 324 crianças, e 2 823 mulheres. Nesse dia contavam-se entre os mortos 193 profissionais de saúde, havia 57 ambulâncias destruídas, e 18 dos 35 hospitais de Gaza tinham parado de funcionar. Já tinham sido bombardeados durante um mês, de forma indiscriminada, todo o tipo de edifícios, desde habitações a escolas, hospitais, campos de refugiados, mesquitas, igrejas, infraestruturas de água e saneamento. Israel cortou o acesso a eletricidade, alimentos, água, combustível. Na mesma frase em que anunciou este cerco, o Ministro da Defesa israelita acrescentou: “Estamos a lutar contra animais humanos”. Primeiro animais, depois humanos. Terá a desumanização dos palestinianos o propósito de aliviar as consciências dos criminosos de guerra? É pouco crível. Mas o ponto é que os seres humanos vítimas do conflito, que também lavra na Cisjordânia ocupada, não cabem neste pequeno espaço. E todos os dias são mais.
Palestina e História
Esta guerra é entre Israel e o povo palestiniano, não obstante o esforço feito pelos telejornais portugueses (seguindo as orientações internacionais) para nos apresentar outras nomenclaturas. O conflito também não começou a 7 de outubro, independentemente das diferentes estratégias que procuram consolidar uma amnésia coletiva, e que incluem a sobranceria, a fúria e o insulto dirigidos a qualquer um que evoque a História para se referir à actual situação. As operações que o Estado de Israel tem levado a cabo são contra um povo, um povo que há 75 anos é vítima de assassínios, ocupações, deslocamentos forçados, prisões políticas, torturas e é discriminado no acesso à educação, à saúde, ao trabalho com direitos e em tantos outros aspetos da sua vida.
Nestas décadas, Israel acumulou incumprimento atrás de incumprimento das resoluções da ONU, não permitindo o estabelecimento do Estado da Palestina, e usando quase todos os meios à sua disposição para o inviabilizar no futuro: o estabelecimento de colonatos, a ocupação militar, o recorte da Cisjordânia em dezenas de pedaços e o estabelecimento arbitrário de barreiras à circulação dos palestinianos no seu próprio país. Foi agente e fez vista grossa a todas as provocações ao povo palestino e aos seus símbolos nacionais e culturais, e a todas as humilhações. Prendeu, reprimiu e matou arbitrariamente milhares de palestinianos. Impede os jovens palestinianos de viverem, de ir livremente à escola, à universidade, de trabalhar, de criarem os seus filhos.
É burlesca a hipocrisia de quem, após desrespeitar consecutivamente as resoluções da Nações Unidas, rasga agora as vestes ao ouvir o seu Secretário-Geral.
As palavras de Guterres, de resto, são o mínimo que se impõe, não apenas para repor a veracidade dos factos históricos, mas também, e talvez mais importante, para trazer alguma luz sobre os caminhos que urge trilhar para alcançar a paz e romper com a lógica da guerra, do militarismo e da desumanização. São também o mínimo numa outra dimensão: Já foram assassinados em Gaza 89 funcionários da ONU.
E o que dizer dos EUA e da UE, que estão na primeira fila dos fornecedores de armamento que Israel utiliza em Gaza e cujos dirigentes têm nestes dias protagonizado atrozes exercícios de cinismo, hipocrisia e crueldade, enchendo a boca com o “direito de Israel à autodefesa” ou ainda outra expressão que dispara alarmes, “Guerra contra o terrorismo”. De facto, passam a Netanyahu e ao seu governo de extrema-direita, racista e xenófobo, um cheque em branco. Podemos dizer mesmo que foram a Telavive autorizar este massacre. O discurso apaixonado de um jovem Biden esclarece as motivações do imperialismo para a cobertura incondicional a Israel na sua agressão ao povo palestiniano. Disse então o congressista americano: “Não há desculpas a pedir [pelo apoio a Israel]. Nenhuma. É o melhor investimento de 3 mil milhões de dólares que fazemos. Não houvesse um Estado de Israel, nós teríamos de o inventar para salvaguardar os nossos interesses na região”. Os interesses americanos contam vários mártires na região: Iraque, Afeganistão, Líbia, Líbano, Síria.
Urgência
É preciso parar o massacre e alcançar um cessar-fogo. O isolamento da política dos EUA e de Israel na votação da resolução da ONU por “uma trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada levando à sucessão das hostilidades”, há um mês, com 121 votos a favor, 13 contra e 44 abstenções é significativo. Mas não há caminho para a paz sem o cumprimento da solução de dois Estados, o reconhecimento e a concretização do direito da Palestina ao seu Estado, soberano e independente, com as fronteiras de 1967, capital em Jerusalém Oriental e o direito de retorno dos refugiados palestinianos.
Cada vítima do conflito tem um valor incalculável, independentemente da nacionalidade. É com esta convicção, afirmada na primeira hora, que o PCP e a JCP colocam a urgência de uma Palestina independente em primeiro lugar, porque é condição necessária à paz.
As expressões de solidariedade com o povo palestiniano em todo o mundo e no nosso país são demasiado grandes. Não há tinta, proibições, cancelamentos ou silenciamentos mediáticos capazes de as calar e vão prosseguir, porque os povos não aceitam a barbárie e a desumanização, nem engolem eufemismos e justificações para massacres e genocídios.
Em Portugal já decorreram de norte a sul do País e envolveram dezenas de milhares de pessoas em manifestações, concentrações, vigílias, debates. Estão nas paredes. Como popular e redundantemente se diz, é olhar e ver. A Paz é cara aos portugueses, ao povo que fez Abril.
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