Este ano registou-se o verão mais quente da nossa história, confirmou a NASA na passada semana. A Antártida chegou ao seu pico de gelo anual com um milhão de quilómetros quadrados a menos do que o mínimo que já havíamos verificado. As temperaturas dos oceanos estão em máximos, propiciando o risco de furacões e cheias calamitosas. Foi isso que vimos com as cheias na Líbia, onde quase 4000 pessoas morreram, ou na Grécia, onde se perdeu 25% da produção agrícola, ou até na Eslovénia, cujas cheias provocaram uma disrupção no fornecimento de uma componente automóvel que deixou a Autoeuropa e milhares de trabalhadores em crise.
Não há outra forma de o dizer – a crise climática está aí, com consequências catastróficas para todos nós, nas mais variadas áreas. Portugal não é imune ao problema das cheias como se viu em dezembro e janeiro passados, com prejuízos a superar a centena de milhões. Todavia, o maior risco que o país tem enfrentado anualmente são os incêndios rurais. É uma realidade angustiante, que nos custa vidas e destrói não só paisagem como também economia e biodiversidade. Segundo a recente análise do Banco de Portugal, requerida pela Lei de Bases do Clima, 41% do crédito às empresas tem um risco de crédito alto devido ao risco de incêndios. Este ano viu-se bem, nomeadamente no Canadá, onde arderam 15 milhões de hectares, que as alterações climáticas vão agravar este risco. Está estimado que se o planeta aquecer 2 graus face a níveis pré-industriais, como atualmente projetado, deverá arder todos os anos, em média, 3 vezes mais área do que no trágico ano de 2017.
É, por isso, fundamental que o nosso país continue a apostar num melhor combate e, sobretudo, numa melhor prevenção dos incêndios rurais. Infelizmente, como habitual, as más notícias dão que falar e as boas não passam. Este ano tivemos, até 25 de setembro, 7111 incêndios rurais que consumiram uma área de 33.009 hectares. Este é o 2.º ano com menos incêndios desde 2010 e representa uma redução de 60% face à média da área ardida nesta altura do ano desde então, segundo dados do ICNF. Não querendo deitar os foguetes antes da festa, foi um ano em que o combate aos incêndios correu bem. Esta é uma redução consistente ao longo dos últimos anos, tendo-se verificado um número mais reduzido de incêndios desde 2018. É merecida uma palavra de reconhecimento a todos os soldados da paz, na pessoa do seu Comandante Nacional, André Fernandes, pelo trabalho que têm feito sempre em condições tão adversas. É justo também referir que estes resultados acompanham um acréscimo de 40% nas equipas de intervenção permanente, um reforço orçamental de mais 20 milhões no Dispositivo Especial de Combate e, ainda, de um aumento de 7% no financiamento às associações de bombeiros, só este ano.
Mas outra dimensão que injustamente não deu que falar é a prevenção, através da execução do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais, liderada pelo Eng. Tiago Oliveira na AGIF. Na passada semana, a OCDE publicou um estudo-caso de Portugal e das reformas que tem empreendido no sentido de estar melhor preparado para combater o fogo. A sua conclusão não podia ser mais clara – “as práticas de gestão de incêndios de Portugal melhoraram significativamente”, sendo ainda enaltecido o incremento no financiamento. Em 2022, houve dez vezes mais investimento na prevenção (mais precisamente, 324 milhões de euros) do que antes desta reforma.
Se tanta coisa já foi feita, sabemos que importa continuar. Apenas agora foi aprovado na Assembleia da República o último pilar da reforma florestal lançada em 2017: um banco de terras para disponibilizar milhares de hectares a quem os quiser cultivar, ordenar e gerir. A propriedade rural continua muito fragmentada, apesar do sucesso do BuPi em conseguir fazer o registo predial simplificado. Temos de emparcelar mais, implementando as áreas de gestão integrada e desbloqueando heranças indivisas. O ordenamento florestal tem, com isso, de se tornar mais rigoroso, impedindo o avanço desregrado do eucalipto e dando melhores condições de rendibilidade a espécies autóctones. Por fim, há que melhorar o funcionamento do mercado de biomassa residual, permitindo que os milhares de proprietários florestais encontrem quem lhes limpe os terrenos e quem lhes compre a madeira que daí resulte.
Não se resolve décadas de abandono da floresta em meia dúzia de anos. Não se conseguirá completamente evitar os riscos que as alterações climáticas apresentam. Todavia, na floresta poderemos encontrar não só um espaço que temos de adaptar, como também um contributo verde para mitigar as alterações climáticas e um vasto pedaço do nosso território com rendimento para mais famílias habitarem. A catástrofe climática está aí, mas implementando políticas com foco nas pessoas e na natureza que poderemos desbravar um outro caminho.
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