A rentrée depois das férias é um período de grande adaptação para muitos portugueses. O verão dá-nos, exceto para quem está a trabalhar neste período, uma oportunidade para descansar e reconectar-nos com a nossa terra, a nossa família e os nossos amigos. Se forem como eu, já começam a pensar com alguma ansiedade sobre o que vem em setembro.
Seja a criança que começa na creche, pré-escolar ou um novo ciclo, seja o jovem que parte para o ensino superior em busca dos seus sonhos, ou mesmo qualquer jovem adulto que está prestes a iniciar a sua carreira profissional e que, com isso, semeie a aspiração de casa própria. Não nos podemos esquecer também dos professores que vão agora começar um novo ano letivo, alguns dos quais fixando-se numa nova cidade. Cada um destes momentos traz a sua ansiedade, a que tantas vezes ouvi os meus pais chamar de “dores de crescimento”.
Acreditar no potencial transformador da política é acreditar que, perante cada um destes desafios, enquanto sociedade, podemos cooperar para tornar essa “primavera da vida” mais bonita, simples e acessível para todos. É por acreditarmos que o bolso e o berço de cada um não pode ser um obstáculo a estas oportunidades que se criou o Estado Social e que se pagam impostos. Reconhecemos, desse modo, que as responsabilidades pelo sucesso da nossa vida são partilhadas (ainda que naturalmente a ação individual tenha um papel preponderante) e, por isso, partilhamos também os custos dessa responsabilidade comum. Cabe-nos, como sociedade, definir o grau de responsabilidades que estamos disponíveis a assumir e pagar.
É indesmentível o crescimento que o País conseguiu lograr nestas áreas. Crescemos do país onde 50% dos jovens abandonavam precocemente o ensino, em 1990, para, hoje, termos metade dos jovens a entrarem no ensino superior. Isso permite que a minha geração possa já ser mais qualificada do que a média europeia. A propina baixou e há bolsas em maior número e valor. Entre este reforço da ação social está o investimento de 450 milhões em residências universitárias, a duplicação do complemento de alojamento de 130 para 260€ e a criação do complemento de deslocação para estudantes bolseiros deslocados. Nos últimos 8 anos, o desemprego jovem reduziu-se de 30 para 15,5% e um em cada quatro dos jovens conseguiram ultrapassar a barreira de um salário acima dos 1000€. Ao aumento do salário bruto teremos de somar o aumento do salário líquido fruto do IRS jovem. A isto não será indiferente a redução na precariedade em 10%, redução que será agora acelerada pela Agenda do Trabalho Digno e as fiscalizações aos contratos a termo, propostas pela JS e realizadas pelo MTSSS – e que já identificaram 350 mil falsos contratos a termo. Começámos (até que enfim!) a reforçar o apoio ao arrendamento e a oferta pública de habitação, tendo ultrapassado 7 países na idade de saída de casa dos pais. Somos, por fim, um dos países com mais crianças inscritas em creches e no pré-escolar, tendo-nos tornado no ano passado um de cinco países no mundo com creches gratuitas.
Este país enfrenta, seguramente, as suas próprias “dores de crescimento” no apoio que dá para que cada jovem se possa realizar. A escola ainda reproduz muitas desigualdades, com o os exames nacionais a favorecerem ainda aqueles que conseguem pagar mais explicações, e ainda a sentir-se a diferença de qualificações dos pais no sucesso escolar dos filhos. Falta educação para a cidadania, educação sexual e psicólogos nas escolas. Falando do hardware e não só do software, a transferência das escolas para as autarquias obrigou a que o Estado se comprometesse a financiar obras em 450 escolas ao longo dos próximos dez anos.
No ensino superior, as propinas – sobretudo de mestrado – constituem, ainda, um entrave relevante ao acesso. As obras nas residências ainda se atrasam e o custo do alojamento estudantil supera ainda largamente o valor do complemento, deixando até bolseiros desamparados economicamente. No mercado de trabalho, os salários continuam teimosamente baixos, sobretudo comparado com o que pagam no exterior, e a falta de habitação faz-se sentir, sobretudo na compra da habitação que representa pelo menos 75% do mercado habitacional Por fim, apesar de termos vinculado 14 mil professores e acabado com a casa às costas, designadamente com a pulverização dos Quadros de Zona Pedagógica, muitos sentem ainda a frustração de uma carreira pouco valorizada e envelhecida.
O País tem de saber estar atento a estas “dores de crescimento” e a outras que possam surgir. As Jornadas Mundiais da Juventude evidenciaram como é possível e desejável oferecer transportes públicos gratuitos a milhares de pessoas. No “novo normal” pós-Covid, de que parece que já nos esquecemos, seria importante continuar a olhar para a saúde mental e para as condições do teletrabalho, quando 1 em cada 4 jovens sofrem com uma pandemia silenciosa de saúde mental, praticamente sem resposta no SNS, e 882 mil portugueses encontram-se em teletrabalho. E para lidarmos com tudo isto, teremos a necessidade do Estado não só ser mais proativo, como tem sido através do processamento automático do subsídio de renda e dos apoios trimestrais contra a inflação, como também apostar mais na prevenção e em ser mais amigável ao cidadão.
Já cantava Rui Veloso que “a primavera da vida é difícil de viver”. Reconhecer o tanto que temos feito permite-nos encarar estas “dores de crescimento” – as dos jovens e as do Estado – com mais esperança do que frustração. Afinal, se alguns só sabem criticar, e outros querem mesmo é desistir do Estado Social, só a nossa audácia, exigência e humildade nos vai permitir insistir e continuar a fazer, fazer, fazer.
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