O crescente rebuliço dos últimos dias tem tornado difícil a paragem para uma reflexão sobre o atual estado de coisas. A acção da Iniciativa Liberal, que desencobriu o fio do novelo TAP na Comissão de Inquérito Parlamentar onde tem assento, dando nota de uma reunião entre Christine Ourmières-Widener e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista prévia a uma audição da mesma pelos deputados, onde é praticamente certo que houve combinação de perguntas, deu início ao desenrolar de descobertas e episódios que estão a causar grande embaraço ao governo.
Muitas ações por parte dos governantes, procurando controlar atabalhoadamente a narrativa em torno deste caso, demonstraram mais uma vez aquilo que os liberais dizem há muito: os socialistas colocam o Estado ao serviço dos interesses partidários, do qual é exemplo cabal a instrumentalização das Secretas na recuperação de um computador que pudesse conter informação classificada de um funcionário do Ministério das Infraestruturas, fora das suas competências definidas por lei.
Perante o desconforto manifestado pelo Presidente da República com o atual Ministro das Infraestruturas, João Galamba – fatalmente ferido politicamente -, António Costa decide jogar a carta de “strong man” e fincar o pé a Marcelo Rebelo de Sousa. Poderia ter decidido a não aceitação da demissão de Galamba nas duas horas de reunião em que privou com ele, mas escolheu engendrar um teatro onde João Galamba se demite para depois recusar a sua demissão em público passado poucos minutos. Tratou-se de uma humilhação e desautorização deliberada da primeira figura do Estado, onde António Costa, depois de ter “parlamentarizado” o governo em 2015, insere uma nova tentativa de alteração ao paradigma politico-partidário: é o Primeiro-Ministro quem decide a composição do governo e mais ninguém.
Marcelo terá obviamente que reagir, por acção ou omissão. Felizmente deu-nos pelo menos um dia de folga, que serviu quanto mais não seja para escrever este artigo. Que opções tem então o Presidente da República?
1. Dissolver a Assembleia. Marcelo poderá reagir de sangue quente e provocar novas eleições, interpretando o estado de degradação tal das instituições como inaceitável e assumindo-se como o garante de uma renovação ou alternativa, servindo-se da “bomba atómica”. Será porventura a opção que mais interessa a António Costa (especula-se que seja aquilo que pretende provocar), que já assumiu que seria recandidato e pode acreditar que sairia novamente vencedor com a direita ainda em reorganização. Teria ainda o grande bónus da dissolução da CPI à TAP que terá certamente muito novelo por desenrolar. Marcelo teria que assumir o bluff que tem empreendido há meses e o papel de protagonista na instabilidade política que vivemos.
2. Demitir o Governo. Forçar-se-ia uma remodelação mais abrangente do atual executivo, eliminando alguns ativos tóxicos (que não se resumem a Galamba), e a hipótese de um novo finca-pé colocaria inteiramente o ónus de uma posterior dissolução e consequente instabilidade política em António Costa. É uma alternativa intermédia que pode provar-se inteligente.
3. Ficar-se. Marcelo morre de medo da irrelevância. Deixar António Costa governar nas atuais condições significaria provavelmente que Marcelo Rebelo de Sousa não seria protagonista de praticamente nada de relevante nas contas finais do seu mandato. Se pensarmos bem, Marcelo não produziu nada até agora que possa justamente ser rotulado como o legado de dez anos do mais alto magistrado da nação. A busca eterna por popularidade e tentar agradar de uma ponta a outra do espectro fez dele uma figura papagueante de sorriso amarelo, que é agora traído por um parceiro de uma relação política que julgava ser um mar de rosas até ao fim. Apesar de acreditar que Portugal não pode mais com esta classe governante, e na existência de uma alternativa liberal-reformista séria e clara, esta opção distópica de deixar o governo (e o País) a marinar neste caldo de mediocridade, marasmo e corrupção até 2026 pode mesmo ser a única opção para que os portugueses possam compreender que da máquina deste PS – que nos ofereceu José Sócrates, Pedro Nuno Santos, Eduardo Ferro Rodrigues, Ascenso Simões, Carlos César, Fernando Medina, Miguel Alves, Marta Temido, Constança Urbano de Sousa, Manuel Pinho, Eduardo Cabrita, João Galamba, entre tantos outros – nunca poderá sair nada de bom.
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