Escrevo este texto no exato dia em que uma das figuras mais respeitadas deste país cumpre cem anos de vida. Um século de e por Portugal. Ninguém chega aos 100 anos sem ter passado por muito, vivenciado tanto, perdido e ganho um sem-número de vezes. É a lei da vida: cem anos dão e tiram bastante a quem os vive. O que não é tão natural é deixar-se um legado tão vasto, tão diversificado, tão profundo. E, em simultâneo, tão dicotómico. Eu diria, até, antagónico.
A sua história atravessa três regimes. Nasceu ainda na 1ª República, mas foi no Estado Novo e na Democracia – tão distintos entre si – que se fez personagem inesquecível da política no País. No primeiro caso, enquanto Ministro do Ultramar e fundador do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, mais tarde ISCSP, depois, em democracia, enquanto Presidente do CDS, extraordinário académico, presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, impulsionador da Academia de Ciências de Lisboa, deputado e Conselheiro de Estado. A todo o tempo, um personalista notável, cuja ação assente em princípios e valores se sistematizavam bem na frase marcante da autoria do Professor: “A realidade é como a roda, que está sempre em andamento e mudança, e cujo eixo são os valores, que acompanham a roda mas não andam”.
O outro dos antagonismos de que falo é menos evidente. Foi político e é cientista político (por sinal, um dos nossos mais citados), uma combinação rara, não fosse Adriano Moreira completamente singular, pois, normalmente, como o próprio costuma ensinar aos jovens estudantes de Ciência Política: ou se faz uma coisa ou outra. Estar ao serviço do País, na Universidade e na Política, permitiu-lhe deixar um legado bastante forte e durável.
Não se consegue falar em profundidade de Adriano Moreira sem vir à discussão o seu sacerdócio pela erradicação da pobreza. Possivelmente porque a ela assistiu no seu contexto de crescimento, em Vale de Grijó, num Portugal perdido e que, espero, jamais seja encontrado. Foi nesse Portugal profundo, onde o analfabetismo era regra, um povo temente, sem sonhos nem exigências, que Adriano Moreira começou a querer mudanças.
Crítico da ausência de reformas durante o Estado Novo e preocupado com a situação do ultramar, Adriano teve a criatividade de avançar com o conceito, mais tarde apresentado por Nelson Mandela de “nação arco-íris”, para a sã e respeitosa convivência entre os povos. Percebeu que o papel de Portugal no mundo implicava o cumprimento do normativismo que a realidade tentava ignorar. Afinal, Portugal tinha legado ao mundo a Escola Ibérica da Paz e do Padre António Vieira, era simultaneamente europeu e extra-europeu.
Já enquanto Ministro, as suas propostas de reforma chocaram os que gostavam de mudar apenas algumas aparências em particular para superior manutenção do sistema geral. É conhecido o desfecho desse confronto com Salazar: preferiu sair do governo a trair os seus princípios. Desiludido com a política, a Universidade em boa hora o amparou.
Depois do 25 abril, foi saneado da academia, sendo obrigado a emigrar para o Brasil. Um gesto típico daqueles “libertadores” que apenas lutam pela sua liberdade. Nesse momento reforçou a consciência de que o País já não era o mesmo. Portugal tornara-se num Estado exíguo, perdendo uma parte substancial da vocação marítima que tivera durante séculos.
Nem por isso se tornou vingativo ou rancoroso com aqueles que o perseguiram. Tornou-se, isso sim, numa referência da democracia-cristã. Uma referência para os defensores dos desvalidos. Não por ver neles uma fonte eleitoral, mas porque neles se revia enquanto pessoa.
E uma referência sobretudo para o CDS, nomeadamente para os jovens do seu partido. Ajudou sempre os mais novos, acreditando numa ideia difícil de vingar: ao transformação do Mundo está nas mãos das novas gerações. Chegou a dizer-mo numa conversa que tive o privilégio de manter. Contou-me com uma infinita sapiência o fascínio que tinha por certas figuras juvenis que já estavam a transformar o mundo.
Todas as vidas valem a pena. Mas algumas, por aquilo que significam para a vida dos outros, são imprescindíveis. A de Adriano Moreira é uma delas. Um homem que plantou macieiras e colheu maçãs. Parabéns, Professor!
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