1 O relatório Uma década para Portugal marcou a agenda política, constituiu um êxito político-mediático para o PS e aumentou a sua credibilidade, em particular entre “agentes económicos” e no decisivo eleitorado flutuante do centro. Não abordando em concreto as políticas para setores fundamentais, nem tomando posição sobre questões nucleares como a da renegociação da dívida, trata-se de um documento que se pode considerar equilibrado, moderado. Quer dizer: sem nenhuma espécie de rutura, sem fazer muitas ondas, mas apresentando algumas perspetivas e propostas bem diferenciadas em relação às da atual maioria.
Decerto gostaria de o ver mais inovador, mais portador de mudança(s). E tal como é, para os setores à esquerda do PS, representará “menos do mesmo”. Julgo que se compreende, no entanto, a sua preocupação de realismo: face à situação existente, aos condicionalismos exteriores – que, porém, um governo do PS terá obrigação de tentar alterar -, ao acertado compromisso do PS de não prometer o que não possa cumprir.
Não me parece é que António Costa tenha negado com suficiente vigor a ideia, bastante generalizada, de o relatório passar a constituir programa do partido quanto às matérias nele versadas – pois se limitou a afirmar não ser ele uma “bíblia”. Ora, o primado da decisão política face a um qualquer documento de economistas deve ser afirmado de modo inequívoco, sem prejuízo da decisão tomar em devida conta o documento. Sendo óbvio que o conteúdo de um tal documento varia consoante os escolhidos para o elaborar – e que a Economia é uma Ciência Política. A avaliar pelo que por aí se vê, cada vez mais política e menos ciência…
2 Por outro lado, o tempo e o modo como a maioria reagiu ao relatório é sintomático da pequena política que continuam a praticar grandes partidos. Assim, mal o relatório tinha acabado de ser lido, já o PSD o condenava como se o tivesse analisado (e, se as posições fossem as inversas, o PS não faria o mesmo?). Depois, através do omnipresente Marco António, o PSD “desafiou” o PS a submeter o seu cenário macroeconómico à Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República ou mesmo ao Conselho de Finanças Públicas!
Absolutamente extraordinário. E revelador, além do mais, do mesmo tipo de mentalidade, de visão da política, que explica se tenha pensado obrigar os media a submeter a apreciação ou aprovação prévia o seu “plano” de cobertura das legislativas…
3 Para tentar dar a volta ao texto e retomar a iniciativa política, o PSD e o CDS assinaram o seu novo – e mais do que certo, apesar dos devaneios das últimas semanas – acordo de coligação eleitoral. Fizeram-no, porém, bastante antes do previsto, em ato inesperado, só anunciado sobre a hora; e a 25 de Abril, para nesse dia terem algum protagonismo. Acordo firmado por Passos Coelho e Paulo Portas, sem prévia aprovação dos órgãos próprios dos respetivos partidos, só depois convocados para “ratificar”, isto é: confirmar, validar, o que já estava feito. O que dá expressiva imagem de como funcionam estes (mas não só estes) partidos e qual a sua democracia interna.
Entretanto, numa ainda mais expressiva imagem, no caso de degradação ética, Passos Coelho fez um rasgado elogio a Dias Loureiro, ofendendo quem preza a moral e a transparência políticas, apontando-o como exemplo de empresário bem sucedido, ofendendo os verdadeiros empresários. Para cúmulo, ficou-se a saber que o ex-ministro, figura grada do BPN, foi, se já não é, “conselheiro” do atual chefe de Governo. Que mais havia de nos acontecer?
4 À margem, António Sampaio da Nóvoa apresentou a sua candidatura presidencial. Fez uma boa intervenção, adequada à circunstância, que suscitou entusiasmo. Mas o mais significativo, além das presenças de dois antigos Presidentes, Soares e Sampaio, foi o facto do teatro em que decorreu a sessão estar a abarrotar, com gente sentada e de pé, reagindo com entusiasmo às suas palavras – e, cá fora, sem poderem entrar, haver bastantes mais cidadãos. Isto, que eu saiba, sem mobilização de nenhum partido, organização sindical, patronal ou outra qualquer. O que quer dizer muito.