1 – Está dito e redito o que significa para o líder do PSD e primeiro-ministro descobrir-se que durante anos o político Pedro Passos Coelho (PPC), na sua condição de trabalhador independente, não pagou à Segurança Social o que era devido. Apresentando como justificação a ignorância sobre o que toda a gente sabe – a obrigatoriedade de pagar -, ele ao tempo já com duas décadas de política ativa, inclusive como deputado. E ele que, como chefe de Governo, mormente nestas matérias tem exigido tantas coisas que atingem tantos portugueses. Em flagrante contradição com aquela conduta. Para não dizer mais.
Quero sublinhar é o facto de PPC, após aquela inicial alegação de ignorância, e na iminência da divulgação de outros incumprimentos ou atrasos fiscais, os ter vindo “humildemente” – palavra sua: “humildemente” – reconhecer. “Humildade” muito elogiada pelos seus apoiantes. Ora, a qualificação só faria sentido se tivesse sido o próprio PPC a confessar tais faltas, antes de descobertas por uma investigação jornalística. Assim, é absurdo falar de humildade e ainda pior tentar ?valorizá-la. Quando se trata apenas de admitir o inegável e tentar minorar os danos.
Um cidadão comum que faça o que PPC fez, comete um vulgar pecadilho. Mas assumindo altas responsabilidades no País, esse vulgar pecadilho, se não revelado pelo próprio, com a devida justificação e/ou o pedido de desculpa, transforma-se em pecado. Com óbvio significado político e com consequências políticas. (Embora o considere menos relevante do que o caso Tecnofarma – com o qual se pode porventura “relacionar”).
2 – Face a tal realidade, que constitui uma evidência, como é possível Cavaco Silva, perguntado a seu propósito, responder que “um Presidente da República de bom senso não deve comentar lutas político-partidárias, principalmente quando já se sente um certo cheiro de campanha pré-eleitoral”?. Ou seja, como é possível: a) esquecer que se trata de factos; b) de inquestionável dimensão e peso políticos; c) e que se são objeto de lutas político-partidárias são-no como quase tudo sobre o que o PR tem de se pronunciar e decidir…
Acrescendo, pior ainda, que ao dizer o que disse Cavaco está, de facto, a comentar o que afirmou não dever comentar. Uma vez mais desculpabilizando o primeiro-ministro e servindo-lhe de suporte, enquanto implicitamente culpa as oposições pelo deflagrar do caso e por já estarem em campanha eleitoral! Defensor que sempre fui do regime semipresidencial, até com eventual reforço dos poderes do Presidente, e da preservação da sua figura como símbolo da unidade nacional e do País, com tudo que isso exige da sua parte, nunca imaginei que se chegasse a esta situação deplorável. Que as sondagens sobre a imagem e a credibilidade do PR bem ilustram, contrastando flagrantemente com as referentes aos anteriores chefes de Estado, a um ano do fim do seu mandato.
3 – Voltando a PPC, também não se percebe nem admite a sua defesa através de um ataque, não “assumido” mas claríssimo, ao seu antecessor na chefia do Governo: “Não usei o cargo para enriquecer.” Como se José Sócrates já tivesse sido condenado, quando ainda nem sequer há contra si um despacho de pronúncia. E como, mesmo que o tivesse sido, uma coisa pudesse justificar ou minimizar a outra.
Entretanto, em relação a Sócrates, mantém–se uma prisão preventiva para a qual não foi apresentado fundamento bastante, em contrapartida se invocando razões que nitidamente não colhem, como o perigo de fuga. O que se agrava quando, passados mais de três meses sobre essa prisão, a fazer fé no que veio a público, ela aparentemente não foi reavaliada e o arguido não voltou a ser ouvido, apesar dos seus advogados o haverem solicitado.
Não pode haver dúvida, face ao contexto, e mesmo à campanha contra Sócrates, em que se inserem, quanto à origem da imensa maioria das contínuas fugas de informação, com violação de segredo de justiça, bem como quanto aos seus objetivos. Veremos, o que é e não é verdade, as provas que existem ou não existem, etc. Sem esquecer o que tenho como certo: uma absolvição penal pode não chegar para afastar um juízo de censura ético-político incompatível com o exercício de um cargo ?público de responsabilidade. Importa saber os factos e sua(s) circunstância(s).