1- A prisão de 11 pessoas, entre as quais altos quadros do Estado, acusadas ou, pelo menos, suspeitas de diversos crimes relacionados com os Vistos Gold, foi quase um murro no estômago dos brandos costumes que em geral os ocultam. Os vistos têm o compreensível objetivo de atrair capital, investimento, para o País. No entanto, a sua atribuição levanta problemas, é de duvidosa eficácia, tem, na sua base, um princípo de desigualdade, de injustiça, e tem o perigo de se prestar a negócios pouco claros ou mesmo a trafulhices de vária ordem.
A “Operação Labirinto” em curso, com o mérito de mostrar a investigação e a Justiça a funcionarem, tem, pelo menos, como pano de fundo, a concretização daquele perigo. Aliás, a concessão dos vistos, pelo modo como está configurada, pode ser mais benéfica para certas imobiliárias, até criadas de propósito para explorar o “filão”, e para certas pessoas, do que propriamente para o País. E daí…
Quanto à desigualdade e injustiça, decorre do facto de com os Vistos Gold se “vender” a autorização de residência em Portugal – e mais tarde, em certas condições, a própria nacionalidade! – a quem não tem nada a ver com o Portugal, enquanto tantos que têm e aqui trabalham duro não a conseguem ou só a muito duras penas a obtêm. Com esses vistos, vende-se ainda, em simultâneo, o direito de livre circulação no Espaço Schengen, o que para muitos, talvez dos mais perigosos, será a principal vantagem… A isto, porém, a chamada “Europa” não se opõe, antes alegremente permite. Afinal, está de acordo com o espírito e a (i)moralidade dominantes, também na UE: o dinheiro é que conta, tudo se vende, a questão é o preço.
2 – Sobre culpas e responsabilidades, ou ausência delas, daqueles suspeitos, ignoro tudo e em qualquer caso sobre elas não me pronunciaria. Agora, julgo evidente que a PJ e o MP não desencadeariam uma operação destas sem provas concretas de situações e procedimentos graves, seja lá de quem for. Dada a sua relação muito próxima com alguns daqueles suspeitos, e ainda por cima tutelando um serviço chave para a concessão de vistos, o ministro Miguel Macedo, que em geral me parece ter sido sensato, fez o que não podia deixar de fazer – demitir-se. Extraordinário e muito preocupante, porque demonstrativo do que o primeiro-ministro pensa dever ser um governante, suas obrigações e responsabilidades, é Passos Coelho ter tentado demovê-lo! Por sua vez, a atuação do SIS e do seu diretor, revelada pelo Expresso, deve ser rigorosamente investigada e esclarecida. Pode tratar-se de algo gravíssimo, que tem de ser levado até às últimas consequências. Já menos grave, mas bastante curioso, e decerto relevante, é a quantidade de políticos importantes que nestas e noutras ocasiões se descobre serem ou terem sido sócios de empresas, as mais diversas, nas quais, no entanto, nunca fizeram nada e de que nunca receberam um tostão!…
3 -Telegraficamente, mais três notas:
a) A ideia de uma “candidatura cidadã” às próximas legislativas, lançada em conjunto pelo Livre, vários movimentos e cidadãos de esquerda não ligados a eles, afigura-se boa e parece agrupar gente interessada e interessante, com a lucidez necessária para ver que recusar à partida a viabilidade de qualquer acordo com o PS é um absurdo. Mas haverá imenso caminho a percorrer, os conflitos e os problemas s(er)ão muitos. Destaco o principal: em vez de estabelecerem uma plataforma de entendimento mínimo, mobilizadora mas não utópica, clara, eficaz, começarem com grandes debates “ideológicos” que só poderão conduzir a divisões;
b) Foi haver conseguido ultrapassar esta velha pecha de certa esquerda e sobretudo extrema–esquerda, alcançando uma viável plataforma de entendimento, que permitiu ao BE chegar onde chegou. Mas esse tempo esgotou-se, começou a andar ao contrário, e qualquer que seja o resultado do próximo congresso a perspetiva é ele próprio, BE, também se esgotar;
c) Passos Coelho ainda conseguiu um(a) ministro(a) da Administração Interna de fora do Governo e do círculo restrito dos partidos que o sustentam. Atendendo ao currículo de Anabela Rodrigues, deve-se-lhe averbar um “sucesso”. Depois, vai-se ver..