Há dois meses que, em Portugal, todos os holofotes políticos apontavam para Espanha. De Belém ao Parlamento, sobretudo no lado direito do hemiciclo, aguardava-se com expectativa o 23 de julho, o dia das eleições gerais aqui ao lado que poderia marcar uma mudança de ciclo e ajudaria a dar pistas sobre a nossa própria política interna. Acontece que as pistas que se abriram foram bastante distintas do que era antecipado. E importa agora percorrê-las de olhos bem abertos, salvaguardando as distâncias que nos separam de “nuestros hermanos”, mas retirando as devidas lições.
1. Evitar relações tóxicas
Os espanhóis, tal como os portugueses, são eleitores tendencialmente moderados e sensatos. Por aversão ao risco mais do que por convicções ideológicas profundas, fogem de surpresas desagradáveis. Preferem o “vai-se andado” ao “vamos partir isto tudo”. E, por isso, na Península Ibérica, namorar com a extrema-direita não compensa – pelo contrário, prejudica muito. Isso ficou claro em 2022 em Portugal – depois de o PSD de Rui Rio navegar em plena indefinição sem se demarcar do Chega, o que deu a maioria absoluta ao PS – e ficou claríssimo novamente agora em Espanha. O centro-direita de Alberto Núñez Feijóo ganhou, mas foi o grande derrotado moral da noite: alcançou apenas uma vitória de Pirro, aquém dos objetivos, e só por milagre conseguirá formar uma maioria que segure um governo.
A estratégia de manter o Vox ali à mão hostilizou parte do próprio eleitorado e, sobretudo, mobilizou o da esquerda. A recusa convicta de campanhas sujas e de certos valores radicais pode ser um combustível eleitoral tão ou mais importante do que um pleno alinhamento com outros. E não, os radicalismos não são todos iguais em matéria dos valores subjacentes – e os eleitores médios repudiam uns (os que atentam contra direitos e valores fundamentais) com mais convicção do que outros. Por outro lado, é difícil iludir o eleitorado, quando se prova daquela água “contaminada”. A extrema-direita de Abascal teve um descalabro eleitoral mesmo nos seus feudos, perdendo mais de 600 mil votos face a 2019. Os eleitores penalizaram o Vox, que passou, por exemplo, de seis deputados para apenas um em Castilla y Leon, onde tinha chegado ao governo regional.
O resultado das eleições espanholas devia, pois, fazer abrir a pestana das lideranças do PSD: a demarcação clara do Chega, sem rodriguinhos nem cartas na manga, tem de ser feita. Sem isso, não só o partido não conseguirá crescer no centro-direita e reconquistar votos, como mobilizará mais a esquerda, que viu no temor da extrema-direita a melhor garantia possível de sobrevivência. Não só não houve a normalização de eventuais acordos com o Chega que alguns esperavam, mas também ficou claro que a mera hipótese teórica de ela acontecer é extremamente penalizadora. Não ver isso é não perceber nada da psicologia do eleitorado ibérico ao centro.
2. Desconfiar das sondagens
Falharam redondamente, mais uma vez, agora em Espanha (a maior parte dava um resultado muito melhor ao PP e ao Vox do que veio a verificar-se e, sobretudo, subestimaram a força do PSOE), da mesma forma que tinham falhado em Portugal nas últimas eleições.
Apesar do bruaá nas bolhas, as pessoas comuns não estão tão descontentes assim com os partidos no governo. Pedro Sánchez, que tanto se queixou das sondagens por darem a vitória esmagadora ao PP, acabou por ser o maior beneficiário delas na hora da verdade, tal como aconteceu em Portugal em 2022. Podemos falar de vários fatores que justificam o falhanço: erros técnicos, amostragens pouco fidedignas, análises simplistas, mediatização superficial. Mas o ponto essencial é este: em determinadas circunstâncias, as sondagens têm um efeito sobre o próprio eleitorado, e servem mais para influenciar num sentido de voto do que para fazer previsões. Tanto nas eleições portuguesas como nas espanholas, as circunstâncias foram perfeitas para que as sondagens ajudassem a mobilizar o voto útil – um consenso geral numa direção, uma percentagem de indecisos muito grande e uma ameaça radical que gera repúdio numa enorme fatia do eleitorado.
Não quer dizer que não sejam instrumentos úteis, mas fazer delas o Santo Graal das campanhas eleitorais e da cobertura mediática é um erro mais do que comprovado. Estava na hora de todos – média incluídos – perceberem isso.
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