O alerta do New York Times, em modo “breaking news”, mostrou bem a dimensão planetária do que se passou hoje: “Portugal mete Ronaldo no banco”. Surpresa, ou talvez não, tendo em conta os desaires recentes na sua carreira – o maior português de sempre com a bola nos pés, o mais amado por esse mundo fora, o mais bem pago, ficava de fora do leque dos escolhidos para a seleção nacional lusitana. Uma decisão disciplinar, porque Ronaldo, demasiado centrado em si próprio, não respeitou o treinador no último jogo, e uma decisão estratégica arriscada de Fernando Santos.
Hélas! O Futebol já não é o que era: continua a ser 11 contra 11, mas a Alemanha já saltou fora do Mundial e de início não jogou Ronaldo. É a primeira vez que não foi titular num jogo decisivo da equipa lusitana. Já se faria sobejamente História, acabasse o jogo com uma entrada do capitão na segunda parte. Mas Portugal é dado, nestas coisas da bola, a volte-faces de filme e a emoções fortes.
Por karma, talento e uma pitada de sorte, o substituto de Ronaldo, que só entra ao minuto 73, marca três golos e dá outro a marcar. Um estádio clama por Cristiano. Ele entra e não marca.
Acontece pois a goleada, e ela não vem dos pés do madeirense. Gonçalo Ramos é o homem do jogo. Uma nação exalta-se, o mundo pasma: a equipa que jogava para ele e por ele, não só subsiste como brilha sem ele. Será possível que Portugal tenha novo herói? É Portugal grande sem o grande Ronaldo?
De futebol percebo quase nada, mas percebo alguma coisa de trabalho de equipa e, sobretudo, de emoções. Não tenho dúvidas: este é o primeiro dia do resto da vida de Cristiano Ronaldo.
Haverá quem fique feliz com isso, a mim dói-me de ver.
No final, a imagem de um jogador a sair do relvado sozinho em direção ao balneário, emoções em ebulição, enquanto a seleção festeja, é penosa. Como é penoso ver as manifestações de alegria com a tristeza alheia. Os alemães chamam-lhe “schadenfreude”, por cá não temos nome para a pior manifestação da inveja. Mas é fácil de identificá-la. Não é bonita.
O maior jogador do mundo é também um homem e a sua circunstância: a de quem naturalmente “envelhece” e tropeça à vista do mundo inteiro, com todos os holofotes e todas as câmaras voltadas para ele. Captando cada esgar, cada sinal de frustração, cada engolir em seco, cada olhar aos céus a perguntar pela boa estrela que teima em não lhe assistir agora, no início do fim da sua espetacular carreira. Tentemos imaginar o que isto custa. Tentemos calçar as suas chuteiras de ouro. Falhar é sempre duro. Falhar lá de cima do pedestal é esmagador. Insuportável. Inimaginável.
“Quem não tropeça em si mesmo nesta vida”, perguntou um dia António Lobo Antunes, numa crónica da Visão. Não se duvide: mesmo os maiores, os melhores, tropeçam nos próprios pés. Fazem merda. Desiludem. Erram. E a forma como lidamos com os tropeços alheios – sobretudo os de quem já tantas alegrias nos deu – diz muito mais sobre nós, do que sobre quem escorregou e caiu.
Ronaldo, o maior, tem ainda muito mais para dar ao País e ao futebol. Mas tem agora uma decisão fundamental, a mais importante da sua carreira: como gerir a frustração e encarar o inevitável, aceitando que não será o maior para sempre? Perceber que há grandeza além dos golos. Perceber que há magia além das quatro linhas.
Não me atrevo a dar-lhe conselhos. Espero que não oiça os do Jordan Peterson. Mas apetecia-me dar-lhe um abraço.