No distante século XIX, quando alguém se sentia justamente ofendido na sua honra e bom nome, podia desafiar o seu adversário público para um duelo. Não raras vezes, os políticos desafiavam-se para este tipo de confronto físico. O último destes duelos legais (recordado no News Museum com abertura marcada para o final deste mês e na foto de capa do DN de hoje) ocorreu em dezembro de 1925 entre o vice-presidente da Câmara de Lisboa, o republicano António Beja da Silva, e o diretor das Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade, o monárquico António Centeno, que foi acusado de não cumprir um acordo sobre a subida do custo do gás e os contadores de eletricidade.
Decerto saberá o cidadão João Soares que entretanto passou quase um século, e que, felizmente, a prática de prometer pancada a quem nos critica ou ofende caiu em desuso. Como recurso aos ofendidos, como decerto saberá o cidadão João Soares, existe o direito de resposta e até, em último recurso, os tribunais. Se tais factos são evidentes para qualquer cidadão, por maioria de razão deverão sê-lo para um ministro. “Minister of what?”, perguntava ontem a Reuters em título jocoso. Pois, da Cultura, imagine-se. Se a compostura institucional se exige a todos quantos ocupam funções públicas e de representação, a quem tutela esta pasta pede-se particular polimento e eloquência.
Bofetadas não são admissíveis, parece evidente para todos, exceto para o cidadão João Soares, que por acaso também era ministro. Na sua nota de demissão, escreve que não aceita “prescindir do direito da opinião e da palavra”. Ora não é manifestamente disso que se trata. Demitindo-se o ministro, não reconquista o cidadão o direto de prometer bofetadas. Saberá João Soares que os tribunais portugueses consideram uma bofetada um crime de ofensa à integridade física simples?
À parte da falta de educação do cidadão e ministro João Soares, e do necessário puxão de orelhas público e pedido de desculpas aos ameaçados que o primeiro-ministro se viu obrigado a fazer, este caso é sintomático da enorme iliteracia digital que existe em Portugal. Aprendemos desde pequeninos como nos devemos comportar na rua, nos cafés, no teatro e na missa, mas ninguém nos ensinou as regras para nos comportarmos na internet e nas redes sociais. Nem mesmo o ministro João Soares conhecia as mais básicas e higiénicas normas da convivência social digital, elementares nos dias de hoje. Ele era como um rufia à solta na rede, e o histórico da sua timeline mostrava-o. António Costa bem sabia o que tinha entre mãos: ainda na semana passada a VISÃO publicou um texto de Márcia Galrão onde dava conta que o primeiro-ministro queria impor um código de conduta para o executivo nas redes sociais e uniformizar a presença do governo, dele próprio, dos ministros e dos ministérios. Esperava até Junho ter isso resolvido no Twitter, e até ao final do ano no Facebook. Tarde demais, como se viu.
Então aqui vão, ao cuidado do cidadão João Soares, os sete mandamentos para uma salutar presença nas redes socias:
1. Não publicarás o que não dirias alto e bom som publicamente ou pessoalmente a alguém.
2. Terás a consciência da eternidade e permanência dos teus atos na net: nada se apaga, tudo fica para a história.
3. Não dirás nada agora de que te possas vir a arrepender mais tarde, noutra fase da tua vida ou noutro posto.
4. Dividirás os teus amigos por grupos, colocando-os nas categorias certas: amigos chegados, conhecidos, familiares, público em geral. Só partilharás nesses grupos aquilo que na vida real partilharias com cada um deles.
5. Não partilharás estados de alma, sensibilidades ou desabafos do fundo do coração. Sentimentos passageiros em relação aos quais mudamos rapidamente de opinião, guarda-os para ti.
6. Não embarcarás em linchamentos públicos de quem caiu no goto dos maledicentes das redes sociais.
7. Manterás o teu bom senso. Mesmo quando todo o mundo ao teu lado parece que o perdeu.
Leia e releia, cidadão João Soares. E escusa de me agradecer, nem me venha com ameaças de açoites.