A votação na especialidade do Orçamento do Estado ainda mal começou e já se clarificou a estratégia de prioridades e interesses a defender pela maioria AD/Chega.
O ponto crítico de afirmação de uma justiça social mínima seria discutido a propósito da opção dos deputados em torno da proposta do PS que propunha a atribuição de um aumento permanente das pensões mais baixas em função do saldo do orçamento da segurança social, que poderia ser compensado com uma suspensão da redução do IRC já aprovada, de modo a não pôr em causa o saldo orçamental previsto pelo Governo.
As variáveis são muitas e incertas. Em primeiro lugar todos exceto Montenegro e Miranda Sarmento têm as maiores dúvidas sobre a credibilidade da previsão de saldo orçamental constante da proposta de OE para 2026.
Segundo a Comissão Europeia, o FMI, o Banco de Portugal e o Conselho de Finanças Públicas, as bases do Orçamento são frágeis porque assentam em previsões incertas de receitas, como a da alienação dos edifícios dos ministérios, e o contraponto de um crescimento de despesa rígida resultante da revisão de quase duas dezenas de carreiras, o que terá como consequência o arrastamento das contas públicas para o regresso aos défices orçamentais. De forma politicamente cautelosa, alguns analistas começaram já a dizer que não será muito grave se tivermos um défice moderado face ao cataclismo das contas públicas de França e de Itália e à provável recessão na Alemanha.
A UTAO, mais próxima da cozinha orçamental, diz que as contas estão maquilhadas de forma ao Governo poder usar a margem resultante de despesas que não serão executadas, beneficiando, por outro lado, das receitas dos inevitáveis aumentos dos combustíveis resultantes da eliminação do desconto no ISP em vigor desde os tempos de António Costa.
É evidente que, salvo desastres globais, a margem de manobra do Governo é significativa, bastando atrasar investimentos, aumentar as cativações ou prescindir dos empréstimos do PRR, para além do encapotado aumento do ISP já prometido por Miranda Sarmento sempre que os preços dos combustíveis nos mercados internacionais o permitam.
É neste quadro que Miranda Sarmento, mas também André Ventura, ao chumbar a proposta do PS de aumento permanente das pensões mais baixas fizeram uma opção clara entre mais de dois milhões de pensionistas e menos de 100 grandes empresas.
O IRC é um imposto sobre os lucros das empresas com uma cobrança muito concentrada num número reduzido de empresas com lucros muito elevados e que são as que mais vão beneficiar com a baixa da taxa do IRC a partir de 2026. De facto, 0,3% das empresas são responsáveis por 48% do imposto pago e foram estas que o Governo e o Chega não quiseram colocar na incerteza.
Já os 2,3 milhões de pensionistas que auferem até 1570 euros mensais terão direito apenas ao aumento legal das pensões, podendo vir a beneficiar de um bónus pontual em função do sucesso da execução orçamental e da bondade do Governo.
Certeza de redução de impostos a pagar para as grandes empresas, mesmo sem qualquer requisito de reinvestimento dos lucros, de inovação tecnológica ou de sustentabilidade ambiental, como recomendam a OCDE e outras instituições internacionais. Já os pensionistas ficam a aguardar pela disponibilidade de Miranda Sarmento para uma liberalidade de final de verão como as de 2024 ou de 2025.
Podia não ser assim mas foi esta a opção do Governo, chumbando a proposta do PS que não tinha consequências para o equilíbrio orçamental, com o apoio do Chega, que deveria ser confrontado com as suas opções enquanto finge que é oposição ao orçamento.
Já o PS, responsável pelos melhores resultados orçamentais da nossa história democrática, opta por ser tratado como um força imprudente que colocaria em risco a quase nula margem de manobra da proposta governamental, sem deixar de viabilizar o orçamento, repleto de responsabilidade e de sentido de Estado.
O debate na especialidade está feito, salvo pequenas sarrafuscas para marcar pontos políticos, e pela opacidade das contas e pela opção pelas grandes empresas em detrimento dos pensionistas, Miranda Sarmento merece o prémio Laranja Amarga de hoje.
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