Dia 28.
Já lá vão mais de três anos, li uma história no El Mundo que nunca mais esqueci. Num belo domingo em 1929, a escritora Anne Parrish estava a passear pelas bancas de livros junto ao Sena, em Paris, e entre centenas de obras que estavam por ali amontoadas, decidiu comprar um título que lhe trazia boas recordações: Jack Frost e Outras Histórias. Mostrou-o ao marido, dizendo que era um dos seus livros favoritos de infância. Quando o marido começou a folhear o livro, ficou atónito. Estava ali, logo nas primeiras páginas, uma dedicatória que tinha passado despercebida à mulher: “Anne Parrish, 209 North Weber Street, Colorado Springs, Colorado”. Ela comprou o livro que tinha sido seu na infância. Qual é a probabilidade de uma coisa destas acontecer?
Ao longo dos séculos, várias pessoas dariam explicações diferentes para uma história destas. Uns dirão que foi a mão de Deus, outros que foi a mãe falecida que lhe tinha dado o livro a tentar falar com ela, outros que era uma mensagem do vendedor, que a perseguia, outros simplesmente que foi apenas uma extraordinária coincidência. Joseph Mazur, o matemático norte-americano que lançou um livro magnífico onde contou esta história, queria ilustrar algo diferente: não há coincidências. Tudo na vida se resume a probabilidades e a cálculos de estatística. Mesmo as histórias aparentemente mais estapafúrdias.
No caso de Anne Parish, por exemplo, ele fez as contas e estipulou que a probabilidade de ela se reencontrar com o seu livro na cidade onde vivia naquela época era de 1 para 3331. Segundo ele, maior do que a de nos saírem quatro cartas iguais na primeira mão de um jogo de pócker.
Desde miúda que pertenci a este clube: o dos céticos e o dos que têm uma fé inabalável na ciência. E muitas vezes ao longo da minha vida fui surpreendida com enormes coincidências. Coisas estapafúrdias, absurdas na sua improbabilidade. Irrelevantes em termos estatísticos para qualquer teórico, e que porém, aconteceram mesmo. Umas vezes teimosamente, outras divertidamente.
Lembrei-me de Mazur por causa de uma petit historie divertida que nos aconteceu na VISÃO. Decidimos, há cerca de quatro meses, voltar a fazer sacos para oferecer com as assinaturas da revista. Na altura, lancei-me a reler as crónicas do Ricardo Araújo Pereira, em busca de frases que fizessem sentido desgarradas num saco (há trabalhos difíceis, eu sei). Escolhi três, mas uma – de um texto de novembro do ano passado – foi logo a que mais gostei. “Não sei para onde vai o mundo. Mas, em princípio, é para casa”, terminava Ricardo a sua crónica, divertida como sempre, sobre a profusão de serviços de entrega ao domicílio. Perante a shortlist, tanto o Rui Tavares Guedes como a Marta Silva Carvalho, diretora de marketing, também preferiram esta. O Ricardo acedeu, e esta ficou. Mandámos imprimir os sacos no início do ano, e ficámos à espera. Já se sabe que estas coisas são demoradas.
E não é que, entretanto, apareceu uma ameaça invisível chamada Covid-19, e não é que o mundo foi mesmo todo para casa!? Visto aos olhos de hoje, nunca o nome da sua coluna foi tão oportuno: Boca do Inferno. É mesmo uma piada “visionária” do demo. E eu, de cada vez que olho para este saco que está agora disponível com a assinatura da VISÃO, e leio esta frase, só me dá vontade de rir alto e bom som. E de chorar. E de rir outra vez. Não sei para onde vai o mundo, mas que probabilidade estatística ínfima daria a isto Joseph Mazur?
(PS: O saco é oferta com uma assinatura da VISÃO, com valores a partir de €1,60 por semana. Saiba mais aqui)