Tenho poucas dúvidas de que as alterações climáticas, que têm custos que vão bem para além da sua dimensão ambiental, são dos maiores desafios que a nossa geração tem para enfrentar. Vale a pena dar alguns exemplos tangíveis para que se perceba o que está já a acontecer a um mundo que aqueceu “apenas” 1.1 graus, em relação à realidade pré-industrial: em 2021 foram registados mais de 400 acontecimentos climáticos extremos, o que se traduz num desastre climático a cada 20 horas! No mesmo ano, perdemos floresta tropical ao ritmo de um campo de futebol por minuto. A lista podia continuar, mas não é esse agora o ponto. O ponto é sublinhar que as perspetivas para um cenário, hoje considerado muito otimista, em que somos capazes de limitar o aumento da temperatura global aos 1.5 graus do acordo de Paris são ainda mais trágicas. Se nada fizermos, as secas, as ondas de calor, os fogos florestais, os aumentos do nível do mar, a perda de biodiversidade, serão avassaladoras. E isso será particularmente verdade num país como Portugal, que é, no contexto europeu, dos países mais expostos aos efeitos climáticos.
A tarefa que temos pela frente é, pois, nada menos do que ciclópica. Mas a verdade é que há amplas razões para acreditar que temos condições para a levar a cabo. Do ponto de vista tecnológico, temos hoje disponível boa parte das soluções de que necessitamos. Do ponto de vista regulatório, há hoje, em particular na Europa, um generalizado alinhamento em torno de objetivos e metas. Do ponto de vista financeiro, há ainda muito caminho a percorrer, mas não é impossível a mobilização de capital necessária para que a revolução se faça.
Temos, portanto, todas as condições reunidas para enfrentar com sucesso uma ameaça existencial para os nossos filhos e netos? Longe disso, infelizmente. A dimensão do esforço é tal que estou absolutamente convencido que nada se fará sem um amplo consenso social. E esse, receio bem, está a esboroar-se. Não porque não exista um amplo consenso científico em torno da explicação das causas e da enumeração das soluções. Não porque o tema tenha alguma componente intrinsecamente ideológica que divida, com naturalidade, a sociedade com base em fraturas dessa ordem. Mas simplesmente porque, contra toda a lógica, contra toda a racionalidade, é exatamente isso que está a acontecer. Numa réplica daquilo que aconteceu a propósito de outros problemas eminentemente científicos (mais recentemente, a discussão sobre os benefícios e os malefícios da vacinação contra a Covid é, porventura, o melhor exemplo), a sociedade está a fraturar-se, na linha de tribalismos ideológicos, em torno da questão do clima. Como se houvesse alguma razão lógica para um cidadão de direita ter alguma aversão ao tema. Como se fizesse sentido que um cidadão de esquerda tivesse particular sensibilidade para os temas ambientais.
Parte da culpa está, indiscutivelmente, no facto de, um pouco por todo o mundo, os partidos mais à direita do espetro político terem abandonado durante muitos anos a reflexão sobre o ambiente. Em Portugal, isso é particularmente evidente. Com as honrosas exceções de Gonçalo Ribeiro Telles e, mais tarde, Carlos Pimenta, a verdade é que as propostas e as reflexões políticas à direita pouco mais têm sido do que um angustiante deserto.
O resto da responsabilidade vamos encontrá-la à esquerda que, talvez notando o caminho aberto, se apropriou da causa e, não raras vezes, a instrumentalizou para obter ganhos em matérias que lhe são caras como a luta contra o capitalismo, os mercados e a globalização (essas sim profundamente ideológicas).
O fenómeno alimenta-se e retroalimenta-se. De cada vez que um partido político à esquerda, a coberto da luta contra as alterações climáticas, incentiva ativistas a vandalizarem quadros, a violar a propriedade ou a desafiar a ordem pública, para além dos limites da lei, enquanto clamam contra os horrores do capitalismo, há um partido de direita pronto a alimentar teorias da conspiração sobre o clima. Num contexto em que os desafios sociais que a empreitada suscita são imensos, está preparado o caldo para a politização de uma causa que devia ser fator de união suprapartidária.
A despolitização do clima é pois, provavelmente, o maior serviço que podemos fazer aos nossos filhos.
Notas em Forma de Assim
POR UMA UNHA NEGRA
O controlo do senado pelo partido democrata é uma excelente notícia para os EUA. Não tanto porque a alternância e a divisão de poderes não sejam indispensáveis, mas porque isso alimenta a esperança de uma “destrumpificação” do partido republicano.
AND THERE WAS LIGHT
Jon Meacham é o vencedor do Pulitzer que já nos tinha trazido uma magnífica biografia sobre Thomas Jefferson. Agora foi a vez de chegar um trabalho cuidado sobre a vida e obra de Abraham Lincoln. Fazem falta as respetivas edições em português. Fica a ideia e o (não tão) secreto desejo.
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