Só nesta breve ida às capitais carioca e paulista, em particular na participação na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, Marcelo Rebelo de Sousa deverá ter dado mais beijos e grandes abraços do que todos os Chefes de Estado de Portugal em visita ao Brasil ao longo da nossa História. E já não falo de outras exuberantes formas de saudação e simpatia, muito menos das selfies, de que é recordista, porventura universal, entre os seus homólogos.
Exagero? Julgo que não. Com base, inclusive, na experiência de ter acompanhado os três Presidentes portugueses que fizeram as maiores visitas de Estado ao (ainda “uso”…) “país-irmão” – e um deles, Mário Soares, também muito comunicativo. Tem tal postura de Marcelo alguma importância? Estou a criticá-la ou a caricaturá-la? Tem importância, é a que todos lhe conhecemos, e é positiva sobretudo: a) dadas certas características marcantes do povo brasileiro; b) pelo contraste que marca, também neste aspeto, com Jair Bolsonaro.
Se em outras circunstâncias Marcelo pode ser ou parecer excessivo, no Brasil, e no Brasil de agora, é extremamente reveladora, eficaz, simpática, popular a imagem de um Presidente português sorridente, expansivo, afetuoso, democrata até no falar com toda a gente de igual para igual, sem seguranças cercando-o por todos os lados…
Marcelo é raro, pela positiva; em completo contraste, em todos os domínios, com Bolsonaro, raro, mas pela negativa: e só não digo único porque há outros tiranetes, Trumps e similares em diversas latitudes – embora talvez nenhum capaz de dar vivas ao cruel torturador de uma Presidente combatente contra a ditadura. Tal contraste ficou também evidenciado no episódio do desconvite de Bolsonaro para o encontro e almoço em Brasília, após saber que Marcelo se encontraria com Lula da Silva, a quem as sondagens dão hoje uma larga vantagem nas presidenciais de 2 de outubro próximo.
E nem o facto de Marcelo ter encontros também com outros dois ex-Presidentes, e ser nessa qualidade que estaria com Lula, impediu o estúpido e descortês desconvite de quem foi contra as vacinas e considerou a Covid uma “gripezinha”, num país em que ela já provocou mais de 675 mil mortos. Note-se, aliás, que se Marcelo estivesse com Lula sem o “chapéu” de ex-Presidente, mas como líder da oposição, isso seria não só legítimo como normal: p.e., Presidentes foram a Angola, governada pelo MPLA, e tiveram encontros com o líder da Unita.
Recordo que na visita de Estado ao Brasil de Ramalho Eanes, em 1978, durante a ditadura militar, ele declarou numa conferência de Imprensa que só não esteve com o líder do partido da oposição, o MDB, porque isso não lhe foi solicitado. E, mais, quis ter um longo encontro com o cardeal Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo e figura mais emblemática da defesa dos direitos humanos no país. (O Marcelo deve-se recordar bem, pois também esteve nessa visita, a que se seguiram a da Venezuela e a dos EUA, com várias “histórias” que partilhamos – eu ia por O Jornal, de que era diretor, ele pelo Expresso, de que era diretor-adjunto).
Não concordo é com o que o Presidente disse num encontro com a comunidade portuguesa em São Paulo. De facto, com uma desfocada visão ultra cor de rosa, afirmou que a relação “entre governos tem fluído muitíssimo bem” e que o relacionamento entre os dois países “não pode ser melhor”.
Ora, pode. E deve. Pode, mas nunca com um Bolsonaro e o seu governo. Uma coisa é entender-se, como o José Aparecido de Oliveira sempre defendia, que a ligação profunda, fraterna, entre os dois povos resistia, incólume, a tudo, como Marcelo parece também pensar (eu estou agora mais cético…), outra é reconhecer, com um mínimo de realismo, que o relacionamento entre os dois países, que passa também por quem os governa, está hoje muito longe de ser o melhor. Quer ao nível bilateral quer ao nível multilateral – em instituições como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que não corresponde aos grandes propósitos e objetivos que estiveram na génese da sua criação, e o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, de existência apenas nominal.
À MARGEM
O caso novo aeroporto/Pedro Nuno Santos (PNS) é daqueles que custa a acreditar que tenha sucedido. Mas sucedeu, sobre ele está tudo dito, a incógnita é o futuro. Porque de facto também custa a acreditar que há décadas que o processo se arrasta sem decisão – pior do que a “lentidão da Justiça”… Há muito se percebeu que nenhuma solução é isenta de problemas e riscos, que nenhuma será consensual. Obviamente ainda não há uma solução, o erro de PNS não foi de comunicação ou timing, foi muito mais grave. E, ao tratar este tema no Congresso do PSD, Luís Montenegro, a quem as coisas correram bastante bem, aproveitou, como é natural, para atacar, mas falhou na “análise”.