A tocha olímpica já está a França e com a sua entrada na cidade portuária de Marselha, na quarta-feira, 8, tiveram início as celebrações e a contagem decrescente para as Olimpíadas de Paris, de 26 de julho a 11 de agosto. Depois da primeira participação das mulheres nos Jogos Olímpicos (JO) em Paris 1900 e da criação da primeira Vila dos Atletas para Paris 1924, França sedia os JO pela primeira vez em 100 anos.
Na margem do rio Sena, junto ao Porto de la Bourdonnais, onde as embarcações turísticas se enchem amiúde de pessoas de várias nacionalidades, um grande relógio digital assinala quantos dias, horas, minutos e segundos faltam para arrancar uma das maiores provas desportivas do mundo, este ano no país de Pierre de Coubertin (1863-1937), o fundador dos jogos modernos.
A 26 de julho, as duas margens do Sena serão o cenário da cerimónia de abertura dos Jogos, com a previsão de cerca de 300 mil pessoas a assistir no local. O desfile das 206 comitivas dos países participante, com início na Aldeia Olímpica, em Saint-Denis, e terminando no Parque dos Campeões no Trocadéro, em frente à Torre Eiffel, pode demorar mais de sete horas.
Este foi também um dos cenários escolhidos pelo Comité Olímpico de Portugal (COP) para captar fotografias e vídeos da nova coleção de trajes e equipamentos feitos especialmente para a equipa portuguesa que irá participar na 33.ª edição das Olimpíadas.
A missão olímpica de Portugal, chefiada por Marco Alves pela segunda vez, depois da sua estreia no cargo em Tóquio’2020, ultima os preparativos, incluindo as roupas com que atletas se apresentarão em treino, em descanso ou em desfile.
A parceria do COP com a Decénio e a Joma repete-se, este ano com um novo conceito. Com o mundo a viver tempos de sobressalto, desde guerras a crises sócio-económicas, impera o medo entre as pessoas, por isso nada como investir no antídoto do medo, o amor, como explica Pedro Sequeira Ribeiro, diretor comercial e de marketing do COP.
A Decénio, marca nacional de Vila do Conde, desenhou a coleção dos trajes querendo passar a mensagem de espalhar amor e construir pontes entre os povos, inspirando-se no design dos Lenços dos Namorados, uma tradição portuguesa. “Representa o amor ao próximo, aos atletas e à seleção nacional “, reforça Carolina Rodrigues, responsável de marketing da Decénio.
A coleção com peças desenhadas para os homens e para as mulheres conta com materiais específicos para melhorar a qualidade dos polos, das saias ou dos bodies, por exemplo. Em breve, alguns dos acessórios, como o lenço, as meias e o boné, estarão à venda.
Seguiu-se a conjugação do design dos trajes aplicado aos equipamentos desportivos, assinados pela Joma, sem descurar os óculos escuros da Okiatto by Shamir. Personalizados para todos os atletas, são feitos em Portugal, à mão por artesãos lusos, com armações em acetato italiano Mazzucchelli.
LETRA E, DE ELITE E DE ESPÍRITO DE EQUIPA
Além de dois modelos, o COP convidou quatro atletas “veteranos” para desfilarem nas margens do Sena: Susana Costa, atleta de triplo salto (9.º lugar nos JO Rio’2016), o triatleta João Pedro Silva (9.º lugar nos JO Londres’2012), a judoca Joana Ramos (9.º lugar nos JO Londres’2012 e Rio’2016), e João Rodrigues, velejador, hoje com 52 anos, recordista de presenças em JO, com sete participações ininterruptas entre Barcelona’1992 e o Rio’2016.
“Já tive muitas oportunidades, tive oportunidade de ser um atleta perfeitamente amador, depois profissional, depois lidar com o fim de carreira, e tive o privilégio de terminar a minha carreira nos Jogos Olímpicos. A última regata que fiz foi nos Jogos Olímpicos [no Rio’2016], foi a cereja no topo do bolo e ter sido porta-estandarte foi absolutamente fantástico”, recorda João Rodrigues, enquanto não é chamado para mais uma pose.
Não estar presente nestes JO, não é assunto que o perturbe: “Vou gostar muito de os ver agora sentadinho no sofá”, brinca. A mensagem que deixa aos atletas mais novos é simples: “Divirtam-se”. Mas, nem sempre foi bem compreendida. “A minha definição de diversão é ser o mais profissional possível. Fazer algo, se possível, na perfeição, que possam transcender-se e sair de lá com a sensação de que fizeram o melhor que sabiam e podiam.”
Quando começou a competir aos 21 anos, em 1992, João Rodrigues, que também já presidiu à Comissão de Atletas Olímpicos, lembra que a equipa portuguesa só se conhecia nos JO, “não havia interação anterior a isso, era tudo muito mais amador”.
“A atenção que era dada aos Jogos resumia-se só ao evento. Hoje em dia, há um grande trabalho de comunicação, com o acompanhamento dos atletas e das suas performances nos campeonatos ao longo do ano. Havia atletas que só eram dados a conhecer quando entravam em prova. Do ponto de vista do espírito de equipa é fundamental que todos se vão conhecendo ao longo dos quatro anos entre cada olimpíada”, assegura o velejador madeirense.
Depois de uma carreira de 20 anos no alto rendimento, Joana Ramos decidiu terminar o seu percurso olímpico. Em 2020, escolheu a carreira e foi aos JO de Tóquio, mas no ano passado, com 41 anos, venceu o desejo de ser mãe e há seis meses nasceu a sua primeira filha.
Ao longo das duas décadas, a judoca não sentiu ter de treinar mais por ser mulher ou por integrar a elite do alto rendimento. Uma das maiores dificuldades da sua modalidade é a necessidade de precisar de parceiros para treinar. “Se os homens têm maior quantidade de atletas a treinar, isso também faz com que tenham uma qualidade maior a competir, pois treinam com maior diversidade de parceiros”, exemplifica. “Quanto mais diversificado for o treino mais evoluímos em conjunto”, sublinha Joana Ramos.
“As meninas mais pequeninas até costumam treinar com os rapazes mais novos, mas depois se, por um lado, eles fisicamente estão ao nível, por outro, ao nível tático e técnico não estão, e isso também é uma lacuna. Estamos a tentar captar mais meninas para o desporto em geral, mas até fixar novos atletas demora.”
ESTRELAS E ESTREANTES SÃO TODOS IGUAIS
A última vez que a missão olímpica de Portugal foi a Paris, em novembro passado, visitou a Aldeia Olímpica, em Saint-Denis, a cerca de 18 quilómetros da Torre Eiffel.
Por enquanto, ainda não sabem quem são os países vizinhos, o que “às vezes, por questões culturais faz diferença”, conta Marco Alves. “Não olhamos para as bandeiras, mas para quem conhecemos nas comitivas”, acrescenta o chefe de missão. Mas há países a evitar, como os que perto dos JO se manifestam contra ou a favor de qualquer questão religiosa, de guerra ou geopolítica.
Entre todos os pormenores que podem fazer a diferença na organização de uma equipa olímpica, preferir ficar alojado no piso mais baixo é um deles. É a maneira de atletas e treinadores não perderem tempo em elevadores ou escadas e chegarem a horas ao pequeno-almoço ou aos transportes.
É o comité organizador dos JO que providencia o transporte desde a Aldeia Olímpica até aos locais das provas, ficando assim responsável por qualquer atraso que possa acontecer, permitindo adiar ou remarcar as provas.
“A dinâmica do dia-a-dia daquelas semanas na aldeia é muito diferente da que se vive ao participar em campeonatos mundiais e europeus”, explica Marco Alves. “O impacto é muito grande nos atletas estreantes, por exemplo. De repente, estão ao lado de grandes estrelas do desporto mundial e percebem que são iguais a eles. Naquele momento estão todos ao mesmo nível”, destaca.
Faltam quase dois meses para o início dos JO e a preocupação e a polémica em torno da qualidade das águas do rio Sena continuam sem solução à vista. Para as provas de natação em águas abertas não há plano B – talvez seja uma tentativa para o comité organizador pressionar as autoridades locais. Em meados de abril, Tony Estanguet, diretor dos JO Paris, prometia: “O Sena estará operacional dentro de algumas semanas.” Certo é que as análises continuam com valores em nada satisfatórios para a saúde dos atletas.
O número de atletas de cada país condiciona o que cada comitiva pode levar, em quantidade e área ocupada. Mas o contentor que está a ser preparado para ir de Lisboa para Paris levará tudo na tentativa de serem auto-suficientes.
Depois de 92 atletas no Rio’2016 e em Tóquio’2020, Marco Alves estima agora passar os 70, mas por faltarem modalidades coletivas, como o futebol ou o andebol de edições anteriores, fica um objetivo mais difícil. Querem estar presentes em 66 eventos de medalha, de um total de 329, e para tal os resultados dos atletas nos respetivos campeonatos mundiais continuam a ser o melhor barómetro.
Por enquanto, e com alguns rankings ainda por fechar, são 11 as modalidades apuradas, mas podem aumentar na tentativa de cumprir as 17 do objetivo. Marco Alves é pragmático: “Queremos capitalizar os melhores resultados de Tóquio.” Esta foi, relembre-se, a melhor participação portuguesa em JO com quatro medalhas e 15 diplomas olímpicos, distinção entregue aos primeiros oito classificado, batendo os 13 de Atenas’2004.
Dentro do contentor seguirá tudo o que é necessário para montar um escritório, um lounge, um ginásio e uma clínica médica, a cargo de Gomes Pereira, diretor clínico do COP desde 2017, que também passou pela seleção nacional de futebol e pelo Sporting Clube de Portugal (e que foi também atleta olímpico, nas provas de natação nos Jogos de Montreal, em 1976). E se para Tóquio’2020 o contentor partiu de Portugal dois meses antes, para Paris bastam três dias.
A Aldeia Olímpica com capacidade para cerca de 14 500 atletas e o seu staff, com 82 edifícios, três mil apartamentos, 7 200 quartos, 14 250 cobertores, mesas de cabeceira e luzes de leitura, estendidos por 52 hectares entre Saint-Denis, a île Saint-Denis e Saint-Ouen, no norte de Paris, demorou sete anos a ser construída. Nesta pequena urbe haverá 600 máquinas de lavar e de secar roupa e um restaurante principal, aberto 24 horas, capaz de servir 40 mil refeições diárias, instalado na antiga Cité du Cinema, um complexo cinematográfico sonhado pelo cineasta Luc Besson, para que nenhum apetite voraz fique por satisfazer.