Nas semanas antes da apresentação do Orçamento do Estado, são habituais os anúncios, promessas e reivindicações do Governo e dos vários partidos que com ele negociam. Neste ano, as coisas estão a correr como é habitual, com a diferença de que, com a proximidade de eleições, as reivindicações se vão tornando mais estridentes e as promessas vão perdendo completamente a vergonha.
Foi com este pano de fundo que o primeiro-ministro decidiu lançar uma estranha discussão à volta da possibilidade de desdobramento do terceiro e do sexto escalões de IRS, que, aliás, muito seguiram, passando completamente ao lado da questão essencial que tem de ser esclarecida o mais depressa possível. É óbvio que o que o Governo tem de esclarecer, o mais depressa possível, é se vamos ou não pagar mais impostos. Ou seja, afinal de contas, a carga fiscal vai diminuir ou não? É que se não vai diminuir (e até agora tudo indica que não vai), então isso quer dizer que ou o IRS se vai manter ou há impostos que vão aumentar para compensar as mexidas no IRS.
Convém lembrar que os governos do PS prometeram, várias vezes, baixar a carga fiscal, sem que tenham cumprido a promessa, tendo a carga fiscal aumentado, em vez de descer. Por isso, parece-me que é de desconfiar desta ideia de discutir os escalões do IRS, em vez de discutir pura e simplesmente a descida do IRS.
Vamos falar claro: se o objetivo é baixar o IRS, então o caminho mais rápido e óbvio é baixar as taxas – seja em alguns ou em todos os escalões. Ou seja, as pessoas (ou pelo menos as pessoas com alguns rendimentos) teriam de entregar uma percentagem mais baixa dos seus rendimentos ao Estado, este ano. Simples assim.
Como nem o primeiro-ministro nem os partidos que estão a negociar com ele puseram esta hipótese em cima da mesa, isso significa que o objetivo da mexida nos escalões é bem diferente.
Ter um IRS com cada vez mais escalões e mais “classes” de rendimento significa que, de cada vez que há um acréscimo de rendimento, o Estado vai buscar uma percentagem também maior desse rendimento. Ou seja, se, com esforço, com sacrifício e com mérito, um contribuinte conseguir ganhar um bocadinho mais, então o Estado vai buscar-lhe uma percentagem superior de rendimento, penalizando o seu esforço e retirando-lhe parte substancial da recompensa.
Não é por acaso que um sistema com cada vez mais escalões de IRS é a grande reivindicação dos comunistas. É precisamente porque ela anula a ideia de que se pode subir na vida com trabalho e com mérito e de que o rendimento que temos é fruto desse esforço. E é também precisamente por isso que os partidos que querem ser uma alternativa a este Governo devem dizer claramente que o objetivo tem de ser baixar o IRS, e não fazer engenharia social com escalões – e muito menos aumentar a anestesia fiscal, aumentando ainda mais a quantidade de impostos indiretos, taxas e taxinhas sobre tudo e mais alguma coisa.
(Opinião publicada na VISÃO 1489 de 16 de setembro)
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