As estátuas, mesmo as que representam as personagens mais controversas, não devem ser vandalizadas nem derrubadas, pela mesma razão que os livros – por mais incómodos ou provocadores que sejam – não devem ser queimados na fogueira pública, só porque não se concorda com o que aparece escrito nas suas páginas. As estátuas, tal como os livros mas também muitos edifícios e monumentos, fazem parte de um património cultural e histórico que qualquer sociedade responsável deve fazer questão de preservar para memória futura. Elas são igualmente reflexo de uma época, símbolo do pensamento do poder vigente na altura em que foram edificadas. São, no fundo, uma face visível da narrativa oficial da História que, como sabemos, vai sendo sempre reescrita pelos vencedores dos conflitos, das guerras e das polémicas.
A discussão que pode e que precisa de ser feita é sobre o simbolismo de cada estátua num determinado espaço público: questionar, afinal, qual a razão por que determinada figura continua a aparecer num local de destaque e perante os cidadãos, quando os valores que defendeu ou que representa já não são os partilhados pela maioria das pessoas. Da mesma forma, também faz sentido debater, num país profundamente dividido como o dos EUA de hoje, qual a razão por que, nos estados do Sul, as estátuas só representam a população branca, enquanto os negros, que, com o seu trabalho escravo ao longo de séculos, ajudaram a construir a riqueza do país, estão privados de símbolos nos principais espaços urbanos e de reunião de massas.
Com alguma ironia, pode-se afirmar que o problema das estátuas é que elas são pesadas e, por isso, difíceis de mudar – ao contrário do que acontece com as narrativas históricas que se vão alterando ao longo dos tempos, conforme se vai acrescentando saber e novos pontos de vista e de análise aos acontecimentos do passado. Numa biblioteca, podemos empurrar livros para prateleiras menos visíveis; no espaço publico, é mais difícil mudar uma estátua que há décadas impõe a sua presença e que foi erguida de acordo com um contexto específico – que deve ser assinalado.
A grande questão é que derrubar estátuas não resolve qualquer problema relacionado com o racismo e o crescimento das desigualdades, essa, sim, a causa maior dos protestos atuais. E a desigualdade não se resolve atingindo símbolos do passado com argumentos de hoje e que, no limite, poderão também ser modificados no futuro. A desigualdade combate-se através de uma melhor e mais racional distribuição da riqueza, garantindo-se a todos igual acesso à educação, à saúde, ao emprego, à inovação.