Desejaria escrever, com tempo e espaço, sobre o Brasil, cuja vida e política há muito acompanho e cobri para O Jornal e a VISÃO – Brasil que atravessa a fase mais dramática da sua história após a ditadura militar. E que tem uma situação mais complexa, menos a preto e branco, do que transparece de muito do que hoje se diz. A própria democracia pode estar em perigo, sendo as razões e os responsáveis diversificados. Mas com cada um a considerar que a culpa é só dos outros, numa sociedade profundamente dividida e semeada de ódios que fazem temer o pior.
Uma sociedade com terríveis desigualdades que vêm de longe, mitigadas, sem ímpetos “revolucionários”, na presidência de Lula da Silva. Que deu o mínimo de condições de vida e dignidade a dezenas de milhões de brasileiros. Ao mesmo tempo ganhando o país projeção e prestígio mundiais, fazendo do antigo retirante e metalúrgico, hoje preso em Curitiba, um líder respeitado e admirado, até por G. W. Bush. O Brasil deixou de ser o “país do futuro”, sempre adiado, para ser um “país do presente” – e, pensava-se, com um belo futuro. Que, afinal, agora, se mostra carregado de nuvens negras.
Se Lula ultrapassou em geral as melhores expectativas, saindo do Planalto com 87% de aprovação, falhou por completo num domínio em que todos pensavam se distinguiria: o da (não) corrupção. Desde sempre um cancro da política brasileira e que com Lula, afinal, não diminuiu, o que foi gravíssimo. Mais, até aumentou pelo menos o conhecimento ou a perceção dela. O que, porém, pode creditar-se em parte ao seu governo – e sobretudo ao de Dilma Rousseff. De facto, à Polícia Federal e ao Ministério Público foram dados meios e uma autonomia que antes nunca tiveram. De tal forma que o PT, ou a parte dele “apanhada”, defendeu o afastamento dum ministro da Justiça de Dilma – que, porém, o manteve. Sabe-se o que aconteceu depois e que na base do impeachment da Presidente esteve também a tentativa de salvar da Lava Jato os maiores corruptos, a começar pelo então presidente da Câmara dos Deputados que o pôs em “pauta”, Eduardo Cunha, parceiro de Michel Temer…
Para lá corrupção endémica, que estará a ser extirpada, embora com graves injustiças e entorses a princípios fundamentais do Direito pelo meio, o sistema político brasileiro e as práticas criminosas de numerosos protagonistas, torna o país ingovernável sem tremendas contradições e aldrabices. Por exemplo, a compra de votos do “Mensalão”, que nem foi para aprovar nenhuma medida especial do PT, mas só para garantir a governação corrente; e a base de apoio ao governo de “esquerda” do PT englobar partidos dos mais à direita, corruptos e/ou populistas, incluindo o do famigerado Paulo Maluf, o do colorido Collor de Melo, o da IURD, etc.
E as últimas? E sendo assim, o quê? E agora? As linhas que sobram só dão para o piedoso voto que o novo “milagre brasileiro” seja ultrapassar as profundas fraturas e os ódios atuais, no respeito pela democracia e os Direitos Humanos, incluindo os sociais. Ninguém, mais do que Portugal e os portugueses o pode desejar, porque no Brasil está muito do que mais nos orgulha no nosso passado e pode ajudar no nosso futuro.
(Artigo publicado na VISÃO 1311, de 16 de abril de 2018)