
Eu aprecio a ideia de férias mas não as férias em si. Aprecio planear as férias futuras.
Aprecio a memória de férias passadas. Mas não as férias em si. Gosto de ir de férias. Mas não gosto de estar de férias.
O idílio é aonde quer que uma pessoa não esteja. Aquele vórtex que nos suga para a parte de dentro da nossa vida diária faz-nos sonhar com o azul do mar, que é sempre mais azul no sonhá-lo do que no seu azul concreto. Depois uma pessoa vai e está vento, estacionou longe, há uma picada de mosquito que dói, não tomou café ou há um filho que reclama e o idílio era mas é a nossa casa, a nossa vida. Sonha-se com o café Moreira e com o levar os filhos à escola. Tem–se saudades de camisolas de lã e de castanhas assadas. Tem-se saudades da almofada de casa. E é neste ciclo que uma pessoa pendula.
Corre-se atrás do sonho como o cão que corre em rodopio alucinado atrás da cauda. Só porque nunca a apanha. Se a abocanhasse, o que é que ele faria com o raio da cauda? Logo dela desdenharia. É só uma cauda. O que é que uma pessoa faz no Algarve? O que é que uma pessoa faz com o Euromilhões? (Eu nunca joguei o Euromilhões, tenho medo que me saia o primeiro prémio.) O primeiro homem desceu dum galho e enfiou-se numa gruta.
Acordou no dia seguinte, bocejou, esfregou os olhos e começou logo a pensar nalguma maneira de se pôr a andar dali para fora. Para um sítio melhor. Com mais sol. Com mais rede de telemóvel. Começou logo a tentar saltar para cima do dorso de algum equídeo.
Devemos a roda, o fogo, as pontes, as canções, os computadores e o pão às fatias a este nosso mal-estar permanente, que nos faz sonhar mais e melhor. Sonhamos com o perfeito e com o absoluto mesmo sabendo que do perfeito e do absoluto nunca teremos sequer vislumbre.
O cumprimento dum sonho vem sempre acompanhado daquela aspereza de coisa concreta. É como apanhar balões à alfinetada.
A realização de uma ideia tem sempre esse lado autofágico: concretizar uma ideia é matá-la. Na face da ilusão apresenta-se o seu contrário. E é nisto que uma pessoa anda. Confrontando o azul do mar que tem diante dos olhos com o azul sonhado, formulando imediatamente um sonho novo. Ter fé não é acreditar.
É confiar. Andamos todos de sonho em sonho, de pequeno fim em pequeno fim, como o cão da rua que anda a correr atrás da própria cauda, como a criança que corre atrás de um balão, de alfinete em riste, sem que nos seja dado saber desse fim último, maior, que só Deus conhece em segredo.