Nunca como hoje nos sentimos tão europeus (pelas boas e más razões). Durante anos, neste país-sereia, que ainda é metade água, a Europa era um continente distante. Pouco se percebia dos impactos que as políticas europeias podiam ter nos nossos quotidianos, para além do otimismo dos subsídios. E pouco se circulava no espaço europeu, a não ser para emigrar ou, no caso dos mais endinheirados, para ir ver museus a Londres ou a Paris.
Vários anos e voos low cost depois, a CEE virou UE, o Escudo virou Euro, o Euro virou um grande problema e nós virámos europeus, ao ponto de perdermos a nossa soberania e de ganharmos o campeonato da Europa (!).
Enquanto nos esmagam com a tecnocracia do Euro, celebramos a vitória do Euro, e em toda esta nEUROse, só me apetece continuar a fazer trocadilhos estúpidos…
Quando no passado 10 de julho, num épico desportivo ao estilo Rocky Balboa, a seleção portuguesa consegue vencer inesperadamente o favoritismo da equipa francesa, em duas horas de sangue, suor e lágrimas, no meio de centenas de traças voadoras e depois de ter perdido o seu heroico capitão; eu saltava no meio dos gritos de euforia dos meus compatriotas, enquanto pensava nos empolgantes jogos de palavras que é possível fazer com Traças e Taças.
Quando os senhores do Eurogrupo ameaçam o País com sanções, do alto da sua arrogância antidemocrática, de uma autoridade não sufragada nas urnas e da tecnocracia das folhas de excel. Perante comparações “incomparáveis” à França, perante o silêncio dos “parceiros” europeus e perante uma lamentável avalancha de acusações interna. Percebemos que a questão não é uma ou duas décimas do défice, mas a intransigência de sabotar qualquer esboço de alternativa à austeridade linha-dura que nos tem (des)governado, e de manter a mão pesada sob os países a empobrecer, na senda de cumprir os interesses do sistema financeiro e do Governo alemão. E a mim, que teimo em fazer trocadilhos, só me apetece dizer que pior do que as sanções, são as Dalilas e que temos superavit delas por aqui.
Quando Maria Luís Albuquerque integrou a equipa da Arrow Global, passando de ministra das Finanças a deputada e, em simultâneo, a diretora não-executiva de uma das empresas que mais tem lucrado com o crédito malparado em Portugal (e que inclusivamente fez negócio com o Banif), muita gente ficou surpreendida. Mas ao assistir à promoção de Durão Barroso, de presidente da Comissão Europeia, a chairman da Goldman Sachs, percebemos que não há réstia de pudor para disfarçar a promiscuidade entre os interesses da alta finança e a política (nacional e europeia). Percebemos que a ética é uma coisa obsoleta, para quem faz carreira política para “atingir o topo da vida empresarial”, como aliás louvou o Presidente da República, que tanto gosta de ver portugueses em “lugares cimeiros” (mesmo que durante a ascensão tenham de arrastar o nome e a credibilidade na lama, aos olhos de uma Europa inteira). E para quem vê a biografia de Barroso, fica claro que foi de Mao a pior (e assim não se perde a oportunidade de fazer mais uma chalaça, sobre este épico, não menos Stalloneano, de quem começa por ser expulso do MRPP e acaba a jogar na liga dos campeões do capitalismo financeiro).
Seria divertido se não fosse trágico e nem vou tentar fazer mais trocadilhos. Vivemos numa Europa que ergue os muros em vez de estender os braços. Em que a extrema-direita ganha força e a memória perde nitidez. Em que se morre no mar, porque as costas estão voltadas. Uma Europa que está a envelhecer e a mingar. A Europa da crise. A Europa do Brexit. A Europa onde o terrorismo se cria e em que o remédio é o veneno. Uma Europa que naufraga em muitos e profundos problemas, enquanto a (des)União Europeia está mais preocupada em cumprir a agenda austeritária da direita neoliberal, do que em resolver(-se).
Nunca como hoje nos sentimos tão europeus… E nunca estivemos tão fartos.