Ter sido convidada pelo Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) para participar na 7ª Conferência Africana sobre Saúde e Direitos Sexuais, que decorreu no Gana, foi uma excelente oportunidade para mergulhar em algumas questões mais complexas da violação dos direitos fundamentais, sobretudo das raparigas e mulheres.
Para uma plateia de mais mil pessoas, entre as quais primeiras damas, políticos, governantes, responsáveis de organizações da sociedade civil, académicos, adolescentes e jovens, vindos de vários países, pude partilhar as minhas experiências enquanto Embaixadora de Boa Vontade do UNFPA. Debrucei-me sobre projetos de sucesso, com sustentabilidade, que conheci nos vários países que tenho visitado, na área da Saúde, Planeamento Familiar, Educação e Saúde sexual e reprodutiva, tendo como beneficiárias as adolescentes, raparigas e mulheres. Deixei também o meu testemunho de exemplos de boas práticas em Portugal na área da saúde materna.
Depois de um voo direto, que em cinco horas e meia me levou da capital portuguesa – fria nesta altura do ano – à capital do Gana, Acra – onde me esperavam 32 graus -, cheguei à cidade preparada para fazer contactos e aprender bastante. Dei entrevistas e participei numa assembleia da juventude fora da capital, em Cape Coast. Pela primeira vez ao lado do Director Executivo do UNFPA, Dr. Babatunde Osotimehin, fiz uma visita a um mercado tradicional de Acra onde, no meio de fruta, carne, peixe seco, vegetais e produtos da terra, estão montados, com alguma privacidade, espaços de atendimento e apoio em matéria de saúde e situações de violência de género.
Os estudos comprovam que o planeamento familiar pode reduzir até 40% a mortalidade materna e prevenir a gravidez adolescente e precoce. O mundo tem neste momento o maior número de sempre de jovens: 1,8 mil milhões. Este é um potencial que não pode ser desaproveitado. É o chamado dividendo demográfico global, que deve ser transformado num enorme benefício económico, ambiental e social. Uma oportunidade única para criar condições sociais e económicas para que os jovens possam exercer um papel efetivo e ativo na construção do nosso presente e futuro, com autonomia, capacidade e espaço de participação.
Precisamos de lideranças políticas e de medidas que garantam informação e serviços para os mais jovens, e sobretudo para as raparigas.
Se Desenvolvimento significa Liberdade, isso quer dizer que deverá ser acompanhado de mais oportunidades, de opções de escolha, e do pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. No continente africano, 75% da população é jovem.
Vi e ouvi jovens de idades entre os 10 e os 17 anos falarem, com uma consciência desarmante, sobre a dura realidade da gravidez adolescente e precoce que é muito alta no Gana, mas também do que é urgente fazer.
A África Ocidental e a África Central têm as mais elevadas taxas de gravidez antes dos 15 anos. Falar com meninas mães que não conhecem os seus direitos e que “aceitam” a discriminação na sua comunidade é muito triste. O olhar de quem nunca teve a oportunidade de estudar, de ser “parte” da sociedade e que não sabe o que é poder dizer NÃO, é constrangedor.
Por outro lado, é fascinante ver os frutos do trabalho de sensibilização/informação, constante e diversificada, dos projetos na área da Saúde sexual e reprodutiva e de planeamento familiar. Falei com muitos jovens vindos de diferentes localidades do mesmo distrito que souberam enumerar as dramáticas consequências da gravidez adolescente e do casamento forçado.
O Gana tem uma das mais elevadas taxas de casamento infantil do mundo. Uma em quatro raparigas casa antes dos 18 anos e 6% antes dos 15 anos, com homens dezenas de anos mais velhos. Assisti, neste país, ao lançamento da Campanha da União Africana contra o Casamento Infantil e foi comovente ver tantas pessoas de quadrantes tão diferentes, tendo em conta todas as questões culturais, a marcarem a sua posição. Isto quer dizer que é possível fazermos muito mais e melhor para defendermos e promovermos os Direitos Humanos, mantendo algumas tradições desde que estas não os violem.
O Gana é um país de rendimento médio. A religião tem uma presença fortíssima, mais forte do que em qualquer outro país que já visitei. Cristãos e muçulmanos (sendo que a maioria da população é cristã), protestantes, católicos e movimentos carismáticos têm grande visibilidade, com os seus padres e madres tratados como verdadeiras estrelas, com direito a cartazes espalhados por toda a cidade, com fotografias e contactos!
Também confirmei, mais uma vez, a grande incoerência que é gastar-se mais dinheiro em funerais do que na promoção de condições para se nascer e para se ser mãe, em segurança.
Regressei com a minha energia reforçada para estas causas! Fica muito claro, nestas visitas, que o mais importante é saber ouvir e observar. Entender as realidades dos outros como se de uma folha em branco se tratasse para depois então começar a fazer perguntas e a juntar as peças. É um grande erro se olhamos para os outros à luz da nossa realidade. Corremos o risco de sermos muito paternalistas – e não só. Os Direitos Humanos uniformizam-nos (ou deviam uniformizar, pela sua universalidade), mas não podemos ter a pretensão de achar que conhecemos todas as realidades. No entanto, sabemos que à luz dos compromissos assumidos existem soluções. É necessária ação!
Volto ao meu país com uma vontade extra de me agarrar as estas “lutas” e de poder contribuir, de alguma forma.
Há uma história muito bonita sobre um incêndio na selva. Um elefante cruza-se com um passarinho muito atarefado que leva no seu bico água do rio para apagar as chamas. Em jeito de gozo, pergunta-lhe se acha que aquilo faz algum sentido já que não conseguirá apagar o incêndio! O passarinho responde, olhando para a longa tromba do elefante: «Estou só a fazer a minha parte.»