A primeira versão do plano de paz de Trump é o equivalente ao de um ativo russo na Casa Branca? Sim. Tanto é assim que a Administração americana fez confusão na comunicação para fora sobre se era ou não uma tradução literal da vontade da ressuscitada União Soviética.
É verdadeiramente um plano de paz? Não. É um documento que arranca com a capitulação total e extremada da Ucrânia para acabar na capitulação “moderada” daquele país. Palavra de uso e definição tão amplamente abusiva nos dias que correm.
Há mais de um ano e caso Trump viesse a ser eleito, como foi, isto seria expectável? Sim, sem qualquer dúvida. O ChatGPT poderia dar as mesmas respostas ou parecidas a estas mesmas perguntas? Não. A máquina tem muito poder factual, mesmo que se engane bastante também aí, mas possui pouca ou nenhuma competência nas questões analíticas que põem a cabeça a pensar e despoletam a criatividade. Então porque é que os líderes europeus não se prepararam para esta eventualidade óbvia, em novembro de 2024? Porque uma parte funciona ou passou a funcionar exclusivamente em modo ChatGPT, colocando de lado a coragem política e analítica que tanto se exige nos tempos de hoje, e a outra parte é formada por antidemocracias liberais que são pró-Putin e Donald Trump.
O que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse em setembro e que foi tão amplamente criticado ou julgado na opinião pública nacional revelou-se naturalmente mais do que verdadeiro. Expliquei num artigo de opinião porque é que entendia assim. O pior para o grupo dos 27 foi não ter tido um chefe de Estado alemão ou francês a dizer o mesmo e que Donald Trump funcionava essencialmente como um ativo russo.
Toda a forma como os democratas liberais que restam na condução da Europa lidaram com o Presidente dos Estados Unidos da América seria pouco recomendável para qualquer pessoa que tivesse bem presente a sua campanha, o seu primeiro mandato, a força do movimento extremado global que preside indiretamente, as ligações à Rússia e a Vladimir Putin. Que nunca escondeu, aliás. Não é desde hoje que os interesses de uns EUA liderados pelo trumpismo colidem com os interesses da Ucrânia e de uma Europa que se tem posicionado como ponta de lança na defesa da soberania desse país. Tanto em termos de meios despendidos como a nível de financiamento.
A partir de aqui, torna-se ainda mais decisivo que, de uma vez por todas, se perceba que esta ideia de gerir as relações com o chefe da Casa Branca como se o mundo ou até os EUA estivessem entregues de forma completa à sua agenda e não se ganhasse mais em fazer valer a posição da Europa, da própria Ucrânia, é não só contraproducente, como bastante mais perigosa. Literalmente, temos uma União Europeia a fazer o papel do apaziguador que alimenta o crocodilo, esperando que seja o último grupo de países a ser engolido pelo pato Donald, como tão bem referia Winston Churchill noutra época e noutro tempo.
O que vai seguir-se à contraproposta europeia que pretende fechar este acordo com a soberania dos territórios da Ucrânia garantida, as sanções à Rússia e a reconstrução do território em cima da mesa, ninguém sabe ao dia de hoje. Certo é que Donald Trump começa sempre estas negociatas com uma posição extremada para recuar e terminar em vantagem. Aqui, a Europa perde de forma completa a face perante Zelensky e a Ucrânia se assim for.
Até porque o benefício dado será sempre o de um ativo putinista e russo.
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