Nos últimos dois anos de pandemia de Covid-19, o desempenho financeiro das empresas familiares superou o das empresas não familiares (Credit Suisse, 2021). As empresas familiares foram as que menos recorreram a mecanismos de layoff ou a subsídios de apoio à manutenção dos postos de trabalho (KPMG, 2021).
Mas o que é uma empresa familiar? Uma resposta fácil é dizer que é uma empresa que tem como donos membros de uma mesma família. O que as torna diferentes das outras empresas é que elas combinam dois conjuntos distintos de regras, valores e expetativas: (1) os da família e (2) os da empresa (Tagiuri e Davis, 1982). E essa combinação faz uma grande diferença.
Independentemente de serem grandes multinacionais ou pequenos negócios tradicionais, as empresas familiares diferem das não familiares em vários aspetos. Por exemplo, as empresas familiares tendem a preocupar-se mais com o futuro, assumindo uma orientação de longo prazo, e dão prioridade ao conjunto de interesses da família (i.e., os principais stakeholders) em detrimento da mera obtenção de lucros (Hernández-Linares e colaboradores, 2019). As empresas familiares, valorizando naturalmente os aspetos financeiros do negócio, dão um peso maior aos aspetos não financeiros que atendem às necessidades afetivas da família. Nas empresas familiares encontramos uma preocupação genuína com as questões relacionadas com riqueza socioemocional, que diz respeito aos aspetos não económicos que atendem às diversas necessidades emocionais da família proprietária, e que inclui, entre outros, o desejo de manter o controlo do negócio e estendê-lo às gerações futuras, a manutenção dos laços sociais em torno da empresa ou a melhoria da reputação e do bem-estar da família. As empresas familiares têm por isso um conjunto de atributos que lhes permite assumirem um papel central no desenvolvimento socioeconómico das comunidades onde se inserem.
Os dados estatísticos gerais apontam que durante a crise resultante da pandemia de Covid-19, as empresas familiares foram as que menos recorreram a mecanismos de layoff (46% vs. 55%) ou a subsídios de apoio à manutenção dos postos de trabalho
O facto de todos conhecermos empresas familiares advém delas constituírem a mais antiga e dominante forma de organização empresarial. Associa-se a este conhecimento o facto de elas se assumirem como os principais agentes do setor privado na economia mundial (Comi e Eppler, 2014). Mais de 2/3 de todas as empresas privadas são detidas e controladas por famílias, sendo responsáveis por de mais de 70% do PIB mundial e assegurando emprego a cerca de 60% da força de trabalho global (Gomez-Mejia e colaboradores, 2018; Neckebrouck e colaboradores, 2018). Por estas razões, as empresas familiares assumem um papel fundamental na criação de riqueza, emprego e coesão territorial e social na maioria dos países. São estas empresas as que mais garantem a manutenção de empregos e revelam maior preocupação com o bem-estar dos trabalhadores (Amato e colaboradores, 2021).
Em Portugal estima-se que mais de 70% das empresas sejam empresas familiares. Sendo responsáveis por 65% dos empregos, e por mais de 50% da contribuição do setor privado para o PIB nacional (Associação Portuguesa de Empresas Familiares, 2021).
O conjunto de atributos psicológicos que as equipas de empresas familiares possuem, como uma elevada capacidade de regulação emocional, elevada perceção de justiça organizacional, um elevado compromisso organizacional e um claro contrato psicológico com a organização (Pimentel e colaboradores 2020, 2021), influenciam fortemente o seu desempenho empresarial. Alguns dos estudos desenvolvidos no ISPA sugerem que é este mesmo conjunto de atributos o que levou a que as empresas familiares tenham mantido um melhor desempenho do que as suas congéneres em tempo de pandemia. Os dados estatísticos gerais apontam que durante a crise resultante da pandemia de COVID-19, as empresas familiares foram as que menos recorreram a mecanismos de layoff (46% vs. 55%) ou a subsídios de apoio à manutenção dos postos de trabalho. Factos também corroborados pelos relatóriosThe Family 1000: Post the pandemic”, da Credit Suisse, e Mastering a comeback: How family businesses are triumphing over COVID-19, da KPMG, que revelam que as empresas familiares superaram os seus pares, em todas as regiões, e em todos os setores, independentemente da sua dimensão. Os nossos estudos demonstram a relevância dos fatores psicológicos para esses dados.
Uma empresa entendida como uma entidade social, com uma genuína preocupação em preservar a riqueza socioemocional dos seus elementos, e revelando capacidade de tirar o máximo partido do elemento familiar, tem claras vantagens competitivas que as empresas sem influência familiar dificilmente conseguem replicar (Miroshnychenko e colaboradores, 2021).
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