No início da pandemia, correu uma anedota em que alguém contava: “Hoje entrei numa loja e vi um indivíduo com uma máscara a aproximar-se. Todos ficámos em pânico. Mas ele rapidamente disse ‘isto é um assalto’ e logo pudemos relaxar!”.
Já lá vai o tempo em que associávamos o tapar a face ao não querer ser reconhecido. Antes da Covid, vários estudos em Psicologia documentavam como o reconhecimento facial é dificultado por se tapar a face usando óculos escuros, cachecóis, máscaras, etc.
No início da pandemia, Freud e colaboradores (2020) clarificaram que a máscara prejudica a identificação de uma face por afetar um dos mecanismos fundamentais no processamento de faces; a integração das partes num todo configural. E Carragher e Hancock (2020) mostraram como a máscara cria dificuldades em atendermos aos detalhes de uma face, não conseguindo dizer se duas fotos postas lado a lado são, ou não, da mesma pessoa, mesmo sendo esta familiar.
E se soubermos de antemão que uma pessoa pode colocar ou tirar a máscara? Somos capazes de nos adaptar? Os dados do nosso laboratório mostram que apesar de, nesse caso, registarmos melhor a informação da zona dos olhos e sobrancelhas, tal não interfere no reconhecimento; este continua melhor na ausência da máscara. Nestes estudos, percebemos que as faces com máscaras geram uma sensação geral de familiaridade. São mais familiares as pessoas que, usando máscara, passam por nós na rua. Vemo-nos assim a procurar outras pistas para concluir que “afinal não é ela”.
A máscara dificulta a perceção de alegria apenas se esta não envolver o sorriso “dos olhos”. É o sorriso da integração social, das boas maneiras, que é ocultado pela máscara
A máscara também interfere com a identificação de expressões emocionais. Em geral, ela induz perceção de tristeza, tornando o mundo social depressivo/apático. Carbon e colaboradores (2020) mostraram que a expressão de alegria e tristeza em caras com máscara confunde-se com uma expressão neutra. Mas, numa tese do ISPA (Hohenberger, 2021), vimos que a máscara dificulta a perceção de alegria apenas se esta não envolver o sorriso “dos olhos” (Duchenne). É o sorriso da integração social, das boas maneiras, que é ocultado pela máscara.
A nossa interação social também é afetada por a máscara interferir com a forma como percebemos personalidades. A investigação (ex: Oosterhof e Todorov, 2008) há muito tornou claro que sentimos ser possível perceber na cara dos outros duas dimensões de personalidade; a sua submissão-dominância e a sua baixa-elevada confiabilidade. No nosso laboratório, mostrámos que a máscara não afeta a inferência sobre submissão-dominância, mas que reduz a capacidade de distinguirmos se o outro é ou não confiável. Mas talvez por o uso da máscara ser conforme às diretrizes de segurança, as pessoas reportam confiar mais numa pessoa com máscara. Assim, confiamos em quem sem máscara não confiaríamos.
A máscara esconde os traços e movimentos faciais cruciais na interação social. Afeta a nossa capacidade, desenvolvida desde tenra idade, de discriminarmos numa face a identidade, a confiança e os estados emocionais. Apenas pelos 8 anos atendemos a pistas não faciais para guiar a perceção social. O uso pontual da máscara tem assim especiais consequências nas crianças e nas suas interações sociais e as consequências futuras terão de ser analisadas. Mas o impacto negativo da máscara pode ser breve. A mente humana é maleável e adaptativa, havendo evidência (Barrick e colaboradores, 2021) de que já estamos a aprender a usar pistas mais específicas da face para reconhecer pessoas, suas características de personalidade e emoções.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.