Há momentos em que até nos esquecemos que estamos longe. E melhor ainda é quando fazemos parte desses momentos e os ajudamos a ver a luz do dia. Foi assim no último dia 5 de maio em que o quarteto esloveno Mascara aceitou fazer um concerto exclusivamente composto por fados, para celebrar connosco o dia internacional da Língua Portuguesa.
Há já alguns anos que a revista bilingue Sardinha tem vindo a promover eventos de promoção da Língua e Cultura Portuguesa direcionados para uma comunidade Luso-falante, incluindo Portugueses, Brasileiros, Cabo-Verdianos e Eslovenos, assim como de outros países Lusófonos (embora desconheça quem, somos muito poucos por cá). Este ano decidimos desafiar os nossos amigos do quarteto Mascara liderados pela fadista eslovena Polona Udovíć, para nos ajudar a promover uma noite de fado a dedicar à Amália Rodrigues e para celebrarmos juntos o dia internacional da Língua Portuguesa. Destaca-se também nesta festa a estreia na capital eslovena do filme O amor que fica da realizadora portuguesa Carolina Silveira que explora as diferentes vertentes do conceito de Saudade. Voltamos a encontrar-nos na Kavarna Soteska, onde já vimos a bola e já celebrámos Cabo Verde no último Outubro de que já vos falei, um espaço que tem vindo a apoiar as nossas iniciativas e acredita na força de vontade que temos para fazer coisas destas para todos. Sempre por voluntários de bom coração.
Ninguém pode negar que foi Polona Udović, a primeira fadista eslovena, a rainha da noite, acompanhada por três guitarras mágicas de Vojko Vešligaj, Timi Krajnc e Mitja Režman. Quase que não se sentiu a falta da guitarra portuguesa. O entusiasmo do quarteto é contagiante e cria uma intimidade entre o público e os músicos que nos podia fazer pensar, por momentos, que estávamos de repente na conhecida Tasca do Chico, no Bairro Alto. E fazer acreditar que estes músicos encarnavam o espírito mais bairrista do fado, já longe das muitas interpretações de estrangeiros e para estrangeiros que temos vindo a conhecer nos últimos anos. A interpretação de fados popularizados por Mariza (a fadista preferida de Polona) como Chuva ou Gente da minha terra, emocionaram a audiência e mostraram a todos que nem só os portugueses sabem sentir o fado. E para quem se pergunta se já há fados em esloveno, a resposta é bem positiva. Sim, e aliás já desde o início no primeiro álbum do quarteto – Andorinha – uma canção de J. Robežnik e M. Jesik chamada Lastovka que, na Língua Eslovena, significa andorinha.
E aliás há por estas bandas, mais precisamente na Bósnia, um tipo de música e sentimento que se parece muito com o Fado, de nome Sevdah. Coincidência das coincidências, e dizem que esta palavra já antiga significa Destino e dá o nome a um tipo de música – Sevdahlinka – que explora de forma sofisticada, ainda que popular, um sentimento quase português. O Quarteto Mascara tem uma canção deste Sevdahlinka que traduziu para a Língua Portuguesa para cantar como se fosse um fado: Faz pra mim, amor, um cafezinho. Nome bem sugestivo aliás para um fado bem clássico e bem português. Quem diria, estando tão longe, encontrar o fado por cá já tão enraizado? Terá sido trazido para cá por um viajante Português que se apaixonou por esta cultura e se fez apaixonar? Conheço eu bem essa história, estou cá há já mais de uma década. Lembro-me bem do primeiro ano em que vim para cá para fazer o doutoramento em Matemática, ter viajado até Sarajevo e ter visto um concerto deste Sevdah. E de me ter sentido tão próximo de casa nessa noite, estando tão longe.
Mais ainda mais interessante foi termos vindo a descobrir a fantástica fadista Maja Milinković, originária de Sarajevo e residente em Lisboa, onde tem frequentemente os seus espetáculos. Lança agora em Junho o seu novo álbum Fadolinka, que deriva de juntar “Fado” com “Sevdahlinka”, a tal canção Bósnia que tem tantos pontos comuns com a nossa canção mais sentida. Maja conta-nos que foi o Fado que a encontrou a ela, e que foi com o clássico da Amália “Estranha forma de vida” que foi enfeitiçada. Foi também o primeiro fado que cantou, tendo trazido para Lisboa já uma carreira musical onde também se incluía o Sevdahlinka. E é sempre muito interessante explorar esta Saudade que insistimos ser só nossa (como aliás o faz muito bem a Carolina, realizadora de que falei). Será que estes fadistas que adotam os pontos mais intimistas da nossa cultura também a conseguem sentir como nós? A Polona, na entrevista que deu à Sardinha, garante que sim. Será uma coisa que se passa de uns para outros?
Aproveitamos ainda para fazer desta a festa de lançamento da 19ª edição da revista Sardinha que inclui um artigo sobre a Amália por Alcides Murtinheira, representante do Instituto Camões em Viena e que esteve connosco no ano passado para comemorar este 5 de Maio sob o tema do Cante Alentejano. Inclui também uma entrevista à Polona, a fadista eslovena, e um breve artigo sobre o filme documentário da Carolina (que vale bem a pena trazer às salas Portuguesas). Aliás, depois deste desafio, o Quarteto Mascara decidiu voltar a fazer um concerto só de fados, que se realizará a 14 de junho na Gostilna pri Kolovratu, no coração da cidade de Ljubljana. Fala-se também de um concerto de maiores dimensões para outubro numa das melhores salas de concertos da cidade, para lembrar Amália 20 anos depois da sua morte. Foi importante a presença de fadistas nos palcos da cidade (Marisa, Ana Moura, Carminho, etc.) ainda que com muito menos frequência do que as vizinhas Viena e Munique. A revista Sardinha tem vindo a acompanhar estas ilustres visitas e o impacto que elas têm tido na relação do público esloveno com o Fado. Para a próxima edição está já prometida uma entrevista com a fadista bósnia Maja, de quem falamos, que se vem a revelar muito lisboeta. Encontramos ainda outros fadistas na Sérvia e na Croácia. Quem sabe se um dia podemos até celebrar estes laços com os países da Ex-Jugoslávia com uma noite de fados cantados por eles?