Há um lugar mágico a trinta minutos do centro de Bruxelas. Na verdade, atendendo ao congestionamento infernal desta cidade, é difícil conseguir chegar lá em menos de uma hora. Mas vale bem a pena a viagem. Aí chegados, esquecemos tudo: o trânsito, os pendentes do trabalho, as obrigações domésticas. Tudo isso subitamente se desvanece perante a genuína beleza ao nosso redor. Tudo se transforma em silêncio – um silêncio quase religioso – e contemplação. Acabámos de entrar no reino da natureza. E, por uns instantes, parece que a civilização parou, suspensa de uma enorme mancha azul.
Que lugar é esse, afinal de contas? O Bosque de Halle (ou Hallerbos). Uma floresta encantada, que atinge o seu esplendor máximo na primavera quando milhares de pequenas campânulas azuis brotam espontaneamente do chão. Estas flores duram apenas poucos dias, proporcionando um espetáculo tão sublime quanto efémero, em que todo o bosque fica coberto por um tapete azul absolutamente deslumbrante e improvável. Perante tal visão, as vozes calam-se e cedem lugar ao pensamento introspetivo. Esmagados pela sumptuosidade daquele azul, somos convidados à reflexão.
Parece impossível que haja uma autoestrada ali mesmo ao lado, e depois uma típica vila dos subúrbios de Bruxelas, e depois o rebuliço da capital. Naquela imensidão de azul, nada disso interessa, nada disso existe. Só o eco esporádico de uma ou outra ave. Ali, somos só nós e a natureza, em plena simbiose. E é isso que nos retempera, que nos enche – de oxigénio, seguramente; mas, mais do que isso, de ânimo e vida.
Outra atração natural absolutamente surpreendente, em Bruxelas, é o Parque Real de Laeken – mas por razões bem distintas. Surpreende pelo seu caráter exclusivo e por uma construção humana de indiscutível engenho e arte. Trata-se dos jardins de um dos palácios reais, na verdade um enorme parque privativo dos monarcas belgas, que abre ao público apenas uma vez ao ano, por duas ou três semanas, igualmente na época da primavera. Se em Hallerbos nos sentimos em comunhão com a natureza no seu estado puro, aqui o que impressiona é a natureza bem tratada e aprumada, como que para uma festa de gala. Milhares de flores aí estão dispostas para causar um assumido impacto cénico. Que atinge o zénite num complexo monumental de estufas, magistralmente cuidadas e arranjadas. No fundo, estamos perante um enorme palácio botânico, uma espécie de Versailles feita de plantas, com salões e salões de exuberantes arranjos florais. É impossível ficar indiferente a esta sucessão interminável de estufas floridas, com apurado sentido estético. Normalmente um privilégio real, recebe milhares de visitas durante o pouco tempo em que se abre ao povo. E, posso dizê-lo, vale bem a pena.
De caráter mais plebeu (ou nem por isso…), há ainda vários outros parques e jardins na cidade. Bruxelas é, apesar de tudo, bastante verde. Pela sua dimensão e centralidade, impõe-se referir o Parque do Cinquentenário – uma espécie de Parque Eduardo VII, igualmente caracterizado por longas alamedas e trechos relvados, igualmente flanqueado por grandes vias rodoviárias, igualmente entrecortado por um túnel, igualmente encimado por uma gigantesca bandeira nacional. Dentro do mesmo estilo, temos também o Parque Real (este, apesar do nome, é de fruição pública), cujo desenho, em forma de compasso, dizem ter inspiração maçónica. Ambos seguem a escola francesa, com traços solenes e rigorosamente geométricos. Nem as copas das árvores são autorizadas a assumir o seu formato natural, sendo constrangidas por um espartilho paralelepipédico – a meu ver, absolutamente contranatura – disposto linearmente de modo a criar uma espécie de reposteiros vegetais.
Pessoalmente, prefiro o Parque Leopoldo, bastante menos formal e nada retilíneo. Parece que era suposto ter sido um jardim zoológico ou um parque dedicado à biologia e às ciências naturais. Hoje em dia é apenas um agradável e despretensioso espaço verde que se desenvolve em torno de um lago e está polvilhado de pequenos edifícios (onde funcionam um liceu, uma biblioteca, alguns museus, etc.) que lhe conferem uma vida muito própria. Com a vantagem adicional de ficar praticamente ao lado de minha casa.
Um pouco mais longe, é possível encontrar alguns bosques dignos desse nome. O Bois de la Cambre, por exemplo, é o pulmão da cidade. Tem também um grande lago, com uma ilha no meio, onde funciona um restaurante (o Chalet Robinson) ao qual se acede através de uma larga jangada em incessante movimentação pendular de leva e traz de gente. Mais longe ainda fica a Floresta dos Sonhos, que ainda não conheço. Mas sonho lá ir em breve.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 17.
Nas notícias por aqui: ainda os resultados das eleições presidenciais francesas.
Sabia que por cá: acaba de ser inaugurada a Casa da História da Europa, um novo museu que percorre a evolução, a espaços trágica e gloriosa, do velho continente ao longo do século XX.
Um número surpreendente: não tenho andado a contar, mas parece que, em média, há 132 dias de chuva por ano aqui em Bruxelas.