A indústria de armamento está a conhecer os seus dias mais gloriosos – na perspetiva dos seus acionistas, claro… –, com um crescimento de vendas e de volume de negócios como nunca se tinha visto. Segundo o insuspeito Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo, as vendas de armas das 100 maiores empresas do setor alcançaram, este ano, o volume recorde de 679 mil milhões de dólares, quase o equivalente ao triplo do PIB português, e que é o valor mais alto alguma vez registado por aquele organismo, fundado em 1966.
Há razões mais do que suficientes na atual conjuntura mundial para esta milionária corrida às armas. Face à ameaça de Moscovo e ao desinteresse de Washington, a Europa percebeu agora que precisa de reforçar a sua capacidade militar, de uma forma sem paralelo desde a II Guerra Mundial. No Médio Oriente, o jogo de forças entre os vários aspirantes a ocupar o lugar de potência dominante da região mantém, há muito, o negócio nos píncaros, com vários países a não rogarem esforços para manter sempre acesa a sua prontidão para o combate, como sucede em Israel, no Irão, na Turquia, mas também, de forma acelerada, na Arábia Saudita. Na Ásia, tanto o Japão como a Coreia do Sul, perante o risco de perderem o guarda-chuva protetor dos EUA, sentem-se obrigados a reforçar as suas defesas (e até estratégias de alianças?), numa região em que a China assume um papel cada vez mais dominador, e não desarma enquanto não conseguir recuperar Taiwan e, com isso, proteger as rotas marítimas essenciais ao comércio que mais lhe interessa. A acrescentar a tudo isto, temos os conflitos “eternos” em África, a tensão permanente entre a Índia e o Paquistão, mas também a necessidade sentida por muitas nações da América Latina de criar formas autónomas de segurança para as suas fronteiras e os seus territórios.
Oito décadas depois do fim da II Guerra Mundial, voltamos a viver num mundo em que todos os países parecem estar a preparar-se para enviar os seus jovens para a frente de combate. Os últimos dias têm sido eloquentes a esse respeito: Donald Trump ameaça enviar os marines para a Venezuela; Vladimir Putin diz-se pronto para entrar em guerra com o resto da Europa, caso não sejam satisfeitas as suas condições em relação ao “acordo de paz” na Ucrânia. E, pelo meio, aumentam os sinais de que Xi Jinping quer concretizar, o mais depressa possível, o “regresso” de Taiwan à casa-mãe – nem que seja através de uma invasão militar da ilha outrora conhecida por Formosa, e que não é reconhecida como Estado independente e autónomo por 99,9% dos países.
O que parece ser evidente é que estamos a regressar a um mundo dividido em esferas de influência. Uma espécie de casino gigante em que os três protagonistas com maior capacidade militar – EUA, China e Rússia – aceitam participar num jogo em que têm permissão para fazer o que lhes apetecer nas suas áreas de ação geográfica, desde que respeitem, mutuamente, a condição de não interferirem nas dos outros.
O plano de paz elaborado pela Administração Trump para a Ucrânia é já um dos momentos desse jogo, pela forma como Washington prefere estabelecer pontes e diálogo com Moscovo em detrimento dos seus supostos aliados europeus. Da mesma maneira, a tolerância manifestada pelos líderes chineses no que respeita às ameaças americanas à Venezuela, um seu parceiro privilegiado, demonstra que Pequim apenas espera um tratamento igual em relação às suas pretensões sobre Taiwan. E isso, no fundo, é o mesmo que Putin aguarda nesta roleta viciada pela força das armas: voltar a afirmar o poder de Moscovo na Europa de Leste.
As cartas estão lançadas e os tambores de guerra vão continuar a ecoar. Com uma certeza, neste caso: o jackpot vai para os fabricantes de armas. Aqui não há sorte, só o azar de alguns.
MEIO PAÍS SEM JORNAIS NEM REVISTAS?
A VASP, única empresa distribuidora de jornais e revistas em Portugal, anunciou que está a reequacionar as suas rotas nos distritos de Beja, Évora, Portalegre, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real e Bragança, admitindo até a suspensão do envio dos periódicos para o território que representa grande parte do Interior do País. A concretizar-se, esta decisão representaria um duro golpe para a Imprensa, já fragilizada pela crise que afetou as gráficas do setor. Mas, acima de tudo, num plano mais vasto, esta decisão representaria uma desconsideração insuportável para todos os que vivem fora do litoral. Para o Estado, sejamos claros, aceitar uma decisão deste tipo seria o mesmo que assumir a existência de portugueses de primeira e de segunda, consoante o lugar onde residem. Não quero acreditar que isto se torne realidade – mas se, porventura, vier a ocorrer, que ninguém depois fuja às suas responsabilidades. Mais do que uma questão setorial, estamos perante um problema verdadeiramente de unidade e de coesão nacional.