As campanhas eleitorais são propícias a exageros. É o momento em que se prometem sonhos, mesmo que todos saibam à partida que não podem ser realizados – como acontece, aliás, com a maioria dos melhores devaneios que temos. Mas não há mal no exagero, desde que as promessas sejam sinceras e percetíveis na sua justa dimensão: a de que, embora sendo exageradas, indicam o caminho para se poder alcançar um futuro melhor, mais justo, mais solidário e, preferencialmente, mais feliz e próspero. É aquilo a que se chama sonhar alto, seguindo o exemplo do velho slogan popularizado nas ruas de Paris em Maio de 68, com um apelo transcendental e provocador: “Sejamos realistas, exijamos o impossível.”
Nada contra os sonhos nem contra os exageros, portanto. Se há algo que falta na política atual, na verdade, é essa urgência antiga de perseguir utopias, de sonhar com um mundo melhor, mesmo que, realisticamente, possamos reconhecer que se trata de um sonho impossível. Se virmos bem, o debate político era muito mais rico e estimulante quando estavam em confronto modelos ideológicos de sociedade, quase sempre utópicos e impossíveis. E, por isso, as campanhas conseguiam ser muito mais excitantes, aguerridas e, porventura, enriquecedoras e memoráveis, do que as discussões centradas a discutir percentagens do défice ou a esgrimir estatísticas de saúde, sem que se perceba, tantas vezes, a sua associação com a realidade ou o que isso implica na experiência quotidiana de milhões de pessoas.
Com as utopias atiradas para o canto das velharias e, por isso, ausentes do debate, temos assistido a uma campanha eleitoral demasiado centrada em promessas apenas exageradas e tantas vezes irrealistas. Não porque prometam o impossível, mas porque se baseiam numa realidade que, porventura, não existe agora e será até muito diferente, para pior, dentro de alguns meses, dada a conjuntura internacional em que mergulhámos.
De uma forma ou de outra, quase todos os principais organismos têm estado a rever em baixa as previsões de crescimento económico para o que resta do ano. Em todas as análises, leva-se em linha de conta o impacto das tarifas quase universais decretadas pela maior economia do planeta, liderada por Donald Trump, e as ondas de choque que elas estão a causar em todo o mundo. E acumulam-se os avisos sobre a necessidade de fazer previsões mais de acordo com a realidade que se adivinha e menos com a que se deseja.
Em tempo de campanha eleitoral, ninguém parece preocupado com esses avisos. E, como se aparentemente nada tivesse acontecido em Washington, continuamos a ouvir as mesmas promessas, baseadas em projeções que já se percebem ser irrealistas. Os sinais e a realidade aconselhavam prudência – mesmo que essa não seja uma “habilidade” que os diretores de campanha considerem útil para “caçar” votos. A verdade, no entanto, é que o FMI reviu em baixa as previsões de crescimento económico para Portugal (à semelhança do que fez para o resto do mundo) e os dados do Instituto Nacional de Estatística relativos ao primeiro trimestre confirmam o abrandamento da atividade económica no País. Apesar disso, o Governo enviou para Bruxelas uma estimativa de crescimento do PIB de 2,4%, bem superior aos 2,1% que tinha incluído, há poucos meses, na sua proposta de Orçamento do Estado, e que até o Conselho das Finanças Públicas considerou “provável, mas não prudente”.
Vale a pena brincar com o fogo? E prometer aquilo que o agravamento da situação internacional vai impedir de ser cumprido? Há muitas perguntas que precisam de ser feitas numa campanha eleitoral que decorre num momento demasiado volátil e imprevisível para o mundo. Mas quando não se prometem utopias nem grandes sonhos, o mínimo que devemos exigir é o compromisso de se falar verdade e com rigor. Não basta prometer “contas certas”. É preciso que as promessas estejam devidamente quantificadas, tanto no custo como no benefício. No fim, faremos as contas: quantas promessas vão resistir ao choque da realidade?
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