Em seis videocasts bastante disruptivos, intitulados “Bom Partido”, Guilherme Geirinhas, um youtuber humorista com grande audiência junto do chamado “pessoal mais novo”, entrevistou seis líderes políticos, em registos que ultrapassam mais de 50 minutos de conversa. Sem surpresa, só André Ventura e Paulo Raimundo recusaram participar nos vídeos. O PCP nunca foi adepto de “modernices” e o Chega já fez o seu trabalho de sapa nas redes sociais, com Rita Matias a explorar o TikTok sem necessidade de expor o líder a exercícios arriscados e a formatos que não controla. Nas entrevistas, a desconstrução dos políticos, feita ali, por Geirinhas, nas barbas deles, começa pela regra do tratamento por “tu” (embora o youtuber não os conheça de lado nenhum) e numa linguagem quase adolescente. O exercício é útil para testar o tempo de reação e a plasticidade discursiva, para identificar traços de caráter e apontar pistas inéditas que nos permitem conhecer um outro lado e uma certa história de vida da personagem.
Vários dos entrevistados, como Pedro Nuno Santos ou Luís Montenegro, nunca tinham ouvido falar em Guilherme Geirinhas – um licenciado em Economia, com mestrado em Gestão, que não é tonto nenhum, apenas vagamente beto –, mas terão sido convencidos por assessores atentos ao fenómeno das “redes”. Os temas parecem não acrescentar nada à mensagem política. Se a conversa “descamba” para matérias mais sérias, o entrevistador atalha logo: “Não quero saber nada do SNS, isso é uma seca! Quero saber é o que é que tu ouves!” E o eleitor médio pergunta-se: “E o que é que isso me interessa?” Pois, mas interessa a todos para quem a política é… uma seca. Pode ser-se de esquerda e pode ser-se de direita. Ou, então, pode ser-se cool.
Desde 1975, os resultados indicam uma persistente maioria sociológica de esquerda, em Portugal (o que nem sempre corresponde a uma maioria parlamentar). Algumas exceções são as maiorias absolutas de Cavaco Silva, quando conseguiu mais de 50% dos votos, e as suas maiorias presidenciais –mas, lá está, Cavaco valia mais do que o seu partido de origem. E também Marcelo, que lá chegou com um discurso ao centro e renovou o mandato estribado na sua parceria com António Costa – logo, com a esquerda. Contudo, de repente, nas sondagens recentes, há uma ampla maioria sociológica de direita, com intenções de voto na casa dos 58%, nalguns casos. E muito voto jovem: a direita é mais cool? O lado cool nunca está no poder, que é o lugar dos “cotas”. E basta olhar para a metamorfose de Rui Rocha, na aparência e no estilo, para se perceber onde é que uma certa direita identificou o filão.
Esta alegada maioria sociológica é igualmente potenciada pelo Chega (lá está, é um reizinho do TikTok), que se apresenta com um canto de sereia de esquerda: o aumento das pensões, o descongelamento do tempo de carreira dos professores, a manutenção da TAP na esfera do Estado… Já o discurso contra os ricos, a banca ou as petrolíferas garante-lhe o voto do protesto oriundo de partidos como o PCP e o BE. E, agora, até a aceitação sem reservas da lei da IVG, de forma a captar mais eleitoras – porque o voto feminino é uma fragilidade do Chega –, também ajuda à imagem de coolness… O Chega, com esta minissaia e esta peruca de esquerda, tornou-se a matrafona política do desfile eleitoral.
Se 2024 terminasse hoje, uma das palavras do ano seria o pronome pessoal “eles”. A campanha eleitoral, que decorreu ao ritmo dos canais de notícias – com os candidatos principais a comentar, ao minuto, declarações que o respetivo adversário acabara de fazer – marcou, como nunca antes, uma competição titânica entre a esquerda e a direita. De um lado e do outro se tratou o concorrente por “eles”, uma tónica divisiva, inaugurada por Pedro Nuno Santos, mas a que Luís Montenegro não resistiu. E o facto é que, para lá da coolness de cada um, existem as propostas: de um lado, saúde e educação públicas; do outro, serviços privados ou complementarmente privados e do setor social. De um lado, mais impostos, regulação e intervenção do Estado na economia; do outro, menos impostos, mais laisser-faire e mais investimento privado. De um lado, mais inclusão; do outro, mais crescimento. A oferta política está a perder a capacidade do compromisso, a negligenciar a possibilidade do equilíbrio, a desbaratar o encontro das boas ideias. Os políticos exigem-nos ruturas que não desejamos fazer. E obrigam-nos a escolher entre o branco e o preto. O centro desapareceu. Por isso é que há tantos indecisos. Na dúvida, vota-se no mais cool.
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR