Durante cinco dias, o alpinista Aron Ralston teve de avaliar as suas hipóteses: morrer irremediavelmente preso na fenda da rocha para onde caiu, ou cortar o braço direito. À 127ª hora, conseguiu libertar-se arrancando a sangue-frio o membro com um canivete. Esta história, contada no livro Between a Rock and a Hard Place, que deu um filme, 127 Horas, teve um final feliz. Ralston sobreviveu amputado e ainda enriqueceu à custa de direitos de autor e palestras sobre resiliência e estratégias de sobrevivência. Mas nem todas as tramas de quem fica preso entre uma rocha e um lugar difícil têm desfechos tão otimistas. Sobretudo quando se trata de política.
António Costa é um alpinista preso há mais de 127 dias. Conseguiu escalar uma montanha durante anos com habilidade, mas o cansaço acumula-se e os acidentes acontecem. Está bloqueado, com duas opções difíceis entre mãos: ceder às exigências inamovíveis da esquerda ou arriscar ir a eleições numa altura que lhe é tudo menos favorável para conseguir uma maioria absoluta. É verdade que tem a porta da Europa – a Presidência do Conselho Europeu vai vagar em junho – como solução para uma saída amputada. Mas tem de desertar e sair já ou passar primeiro por uma derrota humilhante.
Escrevo estas linhas antes de saber como fechará a votação do Orçamento do Estado na generalidade. Convém sempre deixar todas as hipóteses em aberto, não vá dar-se o caso de, por obra e graça de um milagre ou mesmo de eficaz vudu (já que os rebates de consciência são improváveis), o documento ainda passar. Uma coisa é certa: a geringonça, amiga do alpinista e que o poderia salvar, está morta e enterrada. Todos os órgãos entraram em falência, já não há ligação à máquina que a salve.
As eleições são para o PS, nesta altura, um lugar difícil. A maioria absoluta, depois de uma crise política, do desgaste dos últimos anos e dos resultados das autárquicas que trouxeram novo élan à direita, é agora, em teoria, menos possível do que seria, por exemplo, daqui a um ano, quando o dinheiro do PRR já estivesse a jorrar, a recuperação a andar a bom ritmo e o executivo com sangue novo. Com elevada probabilidade, vai-se a votos, mas para o PS fica tudo na mesma – dependente de ex-companheiros com quem cortou relações. E para subir esta montanha é preciso uma equipa.
Para o Bloco e para o PCP, a jogada é de alto risco – com elevada probabilidade, serão penalizados pelos seus eleitorados, que nas autárquicas já lhes passaram sinais claros de descontentamento. Como vão reagir os que recebem o salário mínimo e os pensionistas, que seriam aumentados segundo as novas propostas? E os profissionais de saúde com esperança na melhoria das carreiras e condições? E quem estava abrangido pelos novos mínimos de existência? Podem bem ficar zangados. Mas os dois partidos, à beira do precipício, optaram por dar o passo em frente.
À direita, as coisas estão a mexer, ainda que muito embrulhadas. A vitória de Carlos Moedas agitou as águas paradas e trouxe os challengers à tona. Depois da liderança errática de Rui Rio, Paulo Rangel apresenta-se com energia e clareza de ideais como há muito não se via no partido – posiciona-se já como candidato a primeiro-ministro, estabeleceu metas ambiciosas (uma maioria absoluta), falou para o eleitorado da extrema-direita ao centro-esquerda e definiu linhas vermelhas claras (não fazer coligações ou acordos com o Chega). Mas as eleições internas são só a 4 de dezembro, e as eleições antecipadas em janeiro desfavorecem-no, porque convidam menos as bases a arriscar aventuras. O Congresso Nacional em que o novo líder tomaria posse está marcado para janeiro, para quando o Presidente da República já disse que agendará as eleições. Pode sempre ser antecipado pelo Conselho Nacional, mas os timings são apertados (até mesmo Cavaco Silva, na sua chegada-relâmpago, foi eleito em maio de 1985 e só em outubro desse ano foi a votos).
O papel de Marcelo Rebelo de Sousa neste imbróglio também tem que se lhe diga: ao forçar entendimento ou ameaçar com eleições, está a precipitar ativamente uma crise política, ao invés de a antever e reagir. E, depois, agendar eleições sem ter em conta os calendários dos partidos favorece uma das partes, mas fazê-lo tendo em conta as lutas internas do PSD também. A forma como vai gerir esta crise marcará para sempre o seu mandato.
Para os portugueses, cansados e fartos de aventuras, manobras de alpinismo e lutas de equipas, é certo que tudo isto é muito cansativo. A esmagadora maioria não quer uma crise política – quer estar sossegada ao centro, estabilidade e, se não fosse pedir muito, algum bom senso. Mas, chegados aqui, e como tudo isto escasseia, venham de lá as eleições.